Com vista a não maçar os meus leitores
com tanta conversa fiada, pretendo simplificar ao máximo este assunto tão discutido
na doutrina, sob pena de ficarem perdidos na labiríntica “Arca de Noé”, que, no
fundo, representa todos os interesses atendíveis que podem surgir aquando da
actuação da administração pública em sentido orgânico. Primeiro, deparamo-nos
com um problema formal, mas que tem que ser aqui esclarecido. O formalismo
está, precisamente em saber qual a denominação mais correcta: Relação
juríco-administrativa poligonal? Ou relação jurídico-administrativa
multilateral?. A mim parece-me, acompanhando a posição do Senhor Professor
Vasco Pereira da Silva, que é preferível dizer que existe uma relação
jurídico-administrativa ambiental multilateral, pois na verdade não existe um
polígono fechado, mas sim uma grande representação aberta de ligações flexíveis
entre todos os sujeitos.
Creio, agora, ser importante dissecar o
conceito de relação jurídico-administrativa poligonal ou multilateral. Como o
nome indica, não estamos na presença de duas partes num esquema de “duelo
administrativo tradicional” (Administração VS cidadão). O que temos aqui é muito
mais que isso! Numa relação jurídico-administrativa multipolar ou poligonal,
como nos diz o Senhor Professor Vasco Pereira da Silva, subjaz um “envolvimento
de diferentes particulares e autoridades administrativas, situados em pólos
diferentes dessa mesma ligação”[1],
sendo que esse complexo de interesses particulares se mostram idóneos a pôr em
causa a decisão administrativa. Segundo o pensamento de Francisco Paes Marques[2],
esta relação jurídico-administrativa decompõe-se em seis elementos conceptuais:
- Relação jurídica – define-se como a conexão ou ligação entre dois ou mais sujeitos, resultante de um facto concreto, e do qual decorrem efeitos recíprocos para cada um deles. Não obstante, esta relação jurídico-administrativa se apresentar com uma indeterminação patológica devido á pluralidade de sujeitos e interesses conflituantes, a mesma deve possuir o mínimo de determinabilidade. Aliás, a este propósito existe uma divisão inegável de competências: Por um lado, reserva-se ao legislador a fixação, de forma geral e abstracta, dos pressupostos destas relações multipolares após a previsão dos variados interesses privados (o chamado programa normativo multipolar); Por outro lado, atribui-se à Administração a regulação concreta da colisão de interesses existente (o chamado Mandado de conformação multipolar);
- Sujeitos Privados – Existe, obviamente, numa relação multipolar, pelo menos dois sujeitos privados (que não podem, por questões de autonomia e imparcialidade, ser entes públicos, sendo irrelevante se são pessoas físicas ou jurídicas);
- Interesses conflituantes – No plano horizontal desta relação deste tipo coexiste variados interesses privados, em torno de uma decisão administrativa, sendo que para se colocar o problema dos meios de defesa dos “administrativamente afectados”, o essencial é que “o favorecimento de um determinado sujeito privado não possa ocorrer sem lesar outro sujeito privado (…) sendo suficiente que o benefício de um não possa ocorrer sem que, simultaneamente, se verifique prejuízo de um outro indivíduo”[3];
- Administração Pública – Visto o plano horizontal entre vários sujeitos com variados interesses conflituantes, cabe analisar o plano vertical, onde se encontra a Administração Pública que tem a tarefa da conformação desses interesses (veja-se que a participação da Administração pode ser feita através duma acção ou através de uma omissão pois o relevante é a confirmação de uma obrigatoriedade de agir por parte desta, que aliás está firmada, por exemplo, no art.9º. CRP); Entenda-se que numa relação deste género, num lugar mais alto pode estar uma sociedade cujo exercício dos poderes de autoridade lhe foram delegados (v.g. sociedade concessionária), não havendo necessidade de aqui, segundo o meu entender, adoptar um sentido formal extremamente rígido de Administração;
- Acto jurídico-público – A Administração intervém num determinado litígio administrativo, remetendo para uma conformação de direito público, através de um qualquer acto administrativo, (atente-se essencialmente aos regulamentos, planos e contrato administrativo), acto esse que pode implicar a constituição, modificação ou extinção de direitos e obrigações entre a própria entidade pública e terceiros (definição que está bem visível no art.120 do Código do Procedimento Administrativo, doravante CPA). Este acto adquire variadas funções, dentro das quais se destacam: aplicação das normas ao caso concreto (função de concretização) e determinação material da situação jurídica em causa (função de definição). Ora a Administração aqui, deve utilizar o critério do “duplo nivelamento”, isto é, tem a obrigação de fazer um “juízo de prognose” das consequências do acto que emite, articulando isso com a actividade que está a prestar (de forma mais simples, esta deve procurar uma harmonização de interesses, o que não quer dizer que o interesse público não possa prevalecer)[4];
- Administratividade – Não querendo debruçar-me sobre este problema, muito rapidamente digo que este conceito muitas vezes aflorado nos manuais reporta-se ao conceito de direito administrativo, que elenca, não só (como é sabido) uma actuação pública da Administração, mas também actuações de gestão privada por parte desta, pelo que o Código de procedimento administrativo se aplica a estas duas actuações (veja-se, art.2/5 CPA).
Será prudente informar que, esta questão
não era assim tão simplificada como a estou a tratar, pois houve uma evolução
quanto à tutela de interesses dos particulares, sobretudo a nível do direito do
ambiente. Contrariando o abstencionismo ecológico que caracterizou o nosso
Estado no período liberal, avançámos para uma atitude extremamente intervencionista,
a nível ambiental. Com o Estado social - protector, criou-se uma Administração
ambiental com alguns poderes ecológicos: é à administração que compete
desenvolver as políticas de protecção e de promoção ambiental, de acordo com os
ditames do legislador. A acção, hoje em dia, concretiza-se na elaboração de
planos de ordenamento, reprimindo actividades poluentes, lançando campanhas de
sensibilização para as questões ambientais, entre outros. Essa pluralização de
interesses públicos e privados acaba por gerar uma complexidade de situações
que, por sua vez, exige uma ponderação ecológica desses mesmos interesses. Dito
isto, quer-se aqui elucidar sobre o facto que os “chefões administrativos”[5],
devem, obviamente, nas suas decisões ter em consideração os efeitos ambientais
que uma obra, actividade ou qualquer outro projecto possa vir a desenvolver,
pesando esses interesses privados/públicos com outros por forma a não haver um
atropelo do direito fundamental geral
que estamos aqui a falar que é o direito fundamental ao ambiente. Isto é assim,
porque, numa discussão que não me cabe a mim desenvolver ao pormenor, o direito
ao ambiente pode ser um direito fundamental ou um interesse difuso (direito
subjectivo de todos), que em qualquer dos casos merece obviamente tutela.
No entanto, sobre esta discussão
mediática deixo aquilo que me parece essencial. Enquanto os interesses difusos,
são interesses plurindividuais (v.g. art.1º da lei nº.83/95, de 31 de Agosto –
Lei da Acção Popular), reconhecidos a uma pluralidade indeterminada de
sujeitos, os interesses individuais reconduzem-se a interesses específicos e/ou
exclusivos de um determinado indivíduo e os interesses colectivos, são
interesses individuais organizados de acordo com uma categoria de indivíduos
relativamente a um determinado bem jurídico. Os interesses difusos são, assim,
a meu ver, interesses não públicos, não colectivos, e não individuais, o que
nas palavras do Profº. Miguel Teixeira de Sousa seriam “interesses à procura de
autor”[6]. Aliás,
relacionando este litígio administrativo plural, com o que acabei de dizer, o
Senhor Professor Figueiredo Dias, diz que a relação jurídica multipolar vem
fazer face a muitas das confusões levantadas pela noção de interesses difusos,
que é para o autor citado um conceito “vazio de conteúdo, permitindo tão-só o
alargamento (potencial) dos limites da legitimidade procedimental e processual
para defender posições jurídicas das quais o seu titular não é dono, antes de
encontrando numa posição indiferenciada”[7]. Para
o Senhor Professor Figueiredo Dias, na relação jurídica multilateral, não estão
em causa, “interesses difusos, mas interesses concretos e diferenciados, em
princípio protegidos pela ordem jurídica como verdadeiros direitos”[8].
Com o devido respeito, não concordo com o senhor professor, visto que numa
relação deste género não estão só em causa interesses concretos, mas muitas
vezes interesses difusos de defesa de direito de ambiente. Até porque, num
assunto que falarei mais à frente, um exemplo de forma de tutela neste tipo de
relação é a acção popular (consagrada no art.52 a) CRP e arts.9/2 do Código de processo dos tribunais
administrativos, doravante CPTA ) e a, esse propósito, fala-se que o objecto da
acção popular é um interesse difuso (interesse não avaliado casuisticamente), e
não que para agir, ao abrigo da acção popular, seja necessário interesse na
demanda (esta não tem carácter subjectivo). Se tal se exigisse era impossível,
principalmente quanto às questões ambientais, saber com um grau de certeza a
quem aquele dano pode afectar ou não (v.g. poluição no ar).
Neste seguimento a ponderação ecológica
que se faz dos interesses conflituantes presentes numa relação jurídica
administrativa multilateral, tem que ser algo de minucioso e nunca se desviando
de uma apreciação casuística precisa. Visto isto, mais digo que nessa
ponderação não se pode esquecer que o bem ecológico tem que ser entendido como
tendencialmente prevalecente nessa “tarefa minuciosa”, de que vos falei, bem
como que perante a Administração recai a Proibição de falta, insuficiência e
desproporcionalidade do conteúdo da ponderação que for feita, sob pena de
condenar um conflito ao esquecimento, sem nunca haver oportunidade de se
resolver.
Tendo já avançado e tecido sobre as
necessidades imperiosas de Ponderação de interesses, cabe-me falar dum tópico
premente para a discussão ambiental, se me permitem, com a famosa expressão
coloquial: Afinal como se resolve esta “catrefada” de interesses? A resposta
não é simples, mas deixo aqui as considerações gerais sobre a matéria.
Primeiramente há que entender que, muitas vezes se formam as chamadas “relações
de vizinhança”, em torno de um objecto que apesar de ser concreto (v.g. direito
de propriedade), gera interesses inteiramente antagónicos entre si, que visam,
por vezes a salvaguarda do direito do ambiente, sendo relevantes as normas que
vêem o ambiente como um dever constitucional, constituindo, por isso, certas
imposições constitucionais (veja-se os arts. 9, alíneas d) e e), 66/2, 81/1 i)
e 93 CRP). Sendo essas relações de vizinhança uma representação ideal de
relações polissémicas de que andamos a falar neste relato, o chamado
“terceiro-vizinho”, tem o direito de reagir contra a administração (cujo
validade dos seus actos está subordinada à constituição – art.3/3 CRP),
enquanto titular de um direito subjectivo público, visto que o direito ao
ambiente, para a maior parte dos autores, é configurado como “direito de
natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias (sendo-lhe aplicado) (…)
o regime (…) previsto no art.18º. da lei fundamental, do qual se destaca (…), a
aplicabilidade directa”[9]. É
de salientar aqui a dupla natureza dos direitos fundamentais: por um lado são
direitos subjectivos, por outro, são elementos de uma comunidade objectivamente
considerada. Essa natureza implica a consideração de uma vertente negativa, uma
vez que, enquanto direitos das pessoas e dos cidadãos são, em primeiro lugar,
direitos de defesa contra os poderes estatais. A realidade é que as autoridades
administrativas se abstenham de agredir a esfera individual protegida pelos
direitos fundamentais, uma vez que não podem fazer mais restrições das que se
mostrem extremamente necessárias para a prossecução do fim estatal (art.18 CRP),
segundo uma repercussão do Princípio da Proibição do excesso[10]. Em
princípio o nosso vizinho, segundo entendimento do Senhor Professor Gomes
Canotilho deve ser qualquer pessoa que seja abrangida pela norma reguladora do
acto autorizativo, sendo que a sua ligação ao local deverá ter um carácter
permanente. Com todo o devido respeito, não posso sufragar da opinião do Senhor
Professor supra citado, quanto ao
carácter de permanência no local. A pessoa pode não ter uma ligação permanente
ao local, mas, provisoriamente, estar a ser lesada no seu direito de beneficiar
de um ambiente sadio, por uma determinada instalação ou emissão. Entender o
contrário era estar a restringir ao máximo a legitimidade procedimental possível
nestes casos, de acordo com o disposto no art.53/2 a) CPA[11].
Por consequência, a intervenção destes
titulares de direitos subjectivos públicos é fundamental até porque, o
procedimento administrativo visa adoptar uma decisão que irá fazer caso
decidido, no início do qual os particulares têm direitos que podem usufruir,
muito antes de reagir à validade do acto administrativo emitido. Dentro de todo
a “arca” de direitos que existem destacamos que, a Administração deve comunicar
o início do procedimento às pessoas que podem vir a ser lesadas com o acto
administrativo, segundo o art.55/1 CPA (neste ponto não posso estar mais de
acordo com o Professor António de Araújo, que considera inconstitucional a
parte do art. anterior que exige a “identificação nominal dos interessados”, visto
que os titulares de interesses difusos não são todos identificáveis[12]),
sendo que essa falta de comunicação fere de anulabilidade o acto administrativo
(art.135 CPA). Para além desta exige-se também, que os interessados sejam
notificados, do acto administrativo que extinga, aumente ou diminua interesses
legalmente protegidos (art.66, alínea c) CPA). Assim, a não notificação aos
participantes de uma relação ambiental multilateral (v.g. interessado
desconhece da emissão de uma licença de construção ilegalmente concedida),
torna-a “inoponível, insusceptível de produção de efeitos nas respectivas
esferas jurídicas (…) (impedindo) que o prazo de impugnação contenciosa comece
a correr (59 CPTA e 132/1 CPA)”[13]. Mais
do que uma comunicação ou notificação, segundo o Princípio da Administração
aberta, presente nos arts.64 e 65 CPA, é permitido o acesso à informação, mesmo
aqueles que não tenham um “interesse directo”, mas um “interesse legítimo lato sensu”, como é o caso deste nosso
relato.
Após todo esta descrição sumária dos
direitos que estão aqui em causa e para além de certas normas que estabelecem
direitos e deveres a nível do ambiente (regulação das relações de vizinhança -
1346 e ss CC ou responsabilidade civil - 483 e ss CC), vale a pena discutir um
dos “milagres” administrativos, em matéria de ambiente: o chamado Embargo
administrativo presente no art.42 da Lei 11/87 (Lei de bases do Ambiente,
doravante LBA), que tem como elementos, os lesados (quaisquer sujeitos activos)
e os lesantes (quaisquer entidades causadoras de uma lesão ambiental).
O problema que se coloca quanto a este
meio de garantia é deveras importante: Afinal, este embargo apesar de ser
denominado de “administrativo”, será uma forma de actuação da administração ou
um meio jurisdicional? A resposta está longe de ser pacífica e fácil de lá
chegar ao ponto de atingirmos uma lógica ambiental totalmente segura.
Facilitando um pouco, posso dizer que sufrago a opinião do Professor Vasco
Pereira da Silva, que diz que este embargo apesar de “administrativo” de nome,
deve ser considerado como um meio jurisdicional, pois o legislador atribui como
competência do tribunal os embargos do ambiente, e este só porque no registo
lhe erroneamente foi dado um nome defeituoso, não pode sair dentro da caixa de
forma diferente. Dada a insuficiência legal, o que temos que fazer é, sem
margem de dúvidas, fazer corresponder a revisão legal dos embargos do ambiente,
contido na lei de bases, à regulação legislativa de um meio contencioso
pré-existente, considerando como tais normas processuais directamente
aplicáveis. Isto é assim porque se exige constitucionalmente uma tutela
judicial plena e efectiva desses direitos, segundo o disposto no art.20 e 268/4
e 5 CRP. Contudo não nos podemos confundir numa coisa. O embargo administrativo
não se trata de uma acção principal, pois estabelece-se no art.42 da LBA que o
pedido do particular, feito ao juiz por intermédio desse meio processual é o da
suspensão imediata da actividade causadora do dano. Sendo assim estamos perante
uma providência cautelar que visa conceder uma tutela provisória ao direito
ambiental afectado (art.45/2, in fine,
LBA).
Devido aos problemas já discutidos
relacionados com o embargo administrativo, cabe ainda dizer qual o meio
processual a que ele se reconduz sob pena de termos uma deficiência legislativa
sem efeito útil. Freitas do Amaral e Gomes Canotilho reconduzem este embargo ao
processo especial de embargo de obra nova, (presente no novo CPC, nos seus
artigos 397 e ss). Mas aceitar essa solução coloca vários problemas nos quais se
destaca o facto do embargo de obra nova visa tutelar um direito real, mas o
embargo do ambiente visa tutelar direitos subjectivos em matéria de ambiente,
que não são direitos absolutos (destinam-se a combater uma acção ou omissão de
uma autoridade pública ou privada no seio de uma relação obrigacional). Devido
a esta dificuldade, o Senhor Professor Vasco Pereira da Silva, refere que este
embargo aplica-se a todas as relações jurídico-privadas, e só se aplica “às
relações administrativas desde que não exista outro meio do contencioso
administrativo”[14].
Nisto eu estou completamente de acordo com o Professor, visto que se não fosse
assim desvirtuaríamos toda a utilidade das normas do CPA e CPTA, não aplicando
sequer regras de direito administrativo ao caso. Temos que fazer, no fundo uma
operação casuística, pois, garantir a tutela aos lesados somente com base nos
meios de contencioso administrativo, era de tal forma insuficiente que poderia
pôr em causa a inconstitucionalidade por acção ou omissão (por violação do
disposto no art.66, já sumariamente referido) das disposições reguladoras do
embargo administrativo por violação dos princípios constitucionais de acesso à
justiça e da tutela jurisdicional efectiva dos cidadãos perante à Administração
(artigos 20 e 268/4 e 5 CRP, já referidos anteriormente), visto que poderia
acarretar á sobreposição de meios processuais e de jurisdições competentes.
Assim, no meu entender, deve-se atender
ao seguinte raciocínio. Se a lesão do ambiente for provocada por um acto
administrativo recorrível, existe um meio específico para resolver este tipo de
situações urgentes, que será pedir uma providência cautelar para a suspensão da
eficácia desse acto, nos termos do art.112/2 a) CPTA (é o que é mais utilizado
por Associações ambientais, como a QUERCUS). Em regra que se pretende aqui é a
adopção de uma providência cautelar conservatória (120/1 b) CPTA), que deverá
preencher dois requisitos positivos e um requisito negativo. Os requisitos
positivos são: “periculum in mora”,
que será o receio de produção de prejuízos de difícil reparação; e o “fumus bonus iuris”, que será a aparência
de bom direito, isto é, exige-se que não seja manifesta a falta de fundamento
da pretensão formulada. O que está em causa no requisito negativo é a
ponderação de todos os interesses em causa (públicos e privados), segundo
exigências do Princípio da Proporcionalidade stricto sensu. Pelo contrário, se a lesão foi provocada por um
particular no quadro de uma relação multilateral e não for possível decretar
uma providência cautelar ou esta não for suficiente, o meio de garantia ideal é
a intimação para um comportamento – arts.109 e ss CPTA (v.g. situações de dano
irreversível e iminente- Proibição ilegal de manifestação pró-ambiental para
defesa imediata de espécies em vias de extinção, negada no período em que a
Senhora Merkel vem a Portugal). A este respeito, não nos podemos esquecer que,
quando a violação do direito fundamental atinja situações extremas de
gravidade, o poluidor pode ser condenado ela prática de crime de poluição,
(veja-se, o art.280 CP, que consagra o crime de poluição como perigo comum, que
pode ser activado em casos, por exemplo, de criação de campos
electromagnéticos, ou também chamada de Electrosmog[15]).Para
além destes meios, se o acto administrativo for legal, o terceiro ainda pode
pedir uma acção de responsabilidade objectiva prevista no art.41 e 45 da LBA.
Nesta sequência, a meu ver, em todos os
demais casos de relações administrativas de ambiente e na ausência de outras
providências cautelares específicas, é sempre utilizável o embargo de obra nova
(v.g. quando está em causa uma actuação lesiva do ambiente provocada por uma
actuação administrativa), apesar da quase-contradição existente em legislação
administrativa (fala-se a este propósito no art.153 CPA)[16],
o que aponta para uma falta de unidade da ordem jurídica. Aceitar este juízo,
em análise, traduz uma vantagem aparente: a articulação de meios (entre os
meios de contencioso administrativo e meios de processo civil) permite dar
maior tutela aos particulares lesados. No entanto, como tudo na vida, os
inconvenientes também existem: problema da dualidade de jurisdições, uma vez
que quando se aplique o embargo de obra nova as relações administrativas do
ambiente vão ser da competência dos tribunais comuns, enquanto as restantes
relações são da competência dos tribunais administrativos. Prevê-se em caso de
conflito, que é da competência dos tribunais administrativos, o dirimir esses
desentendimentos (art.214/3 CRP), o que me parece contraditório face à natureza
do embargo administrativo, como vimos anteriormente.
Em suma, o preferível para colmatar toda
esta “salganhada” de regimes seria, acompanhando o Professor Vasco Pereira da
Silva, a criação pelo legislador de um meio específico cautelar de tutela dos
direitos subjectivos em matéria do ambiente, aplicável a todo o universo das
relações jurídicas do ambiente (privadas e públicas) e garantir a competência a
uma jurisdição. A “salganhada” é mais visível se constatarmos que vivemos,
constantemente numa sociedade de risco, e mesmo com estudos ou pareceres
realizados (fala-se a este nível, de Declaração de Avaliação de Impacto
Ambienta), os particulares estão constantemente a ser lesados nos seus direitos
e garantias. Apesar destes problemas, o importante é nunca esquecer duma frase
que, de certa forma, me marcou, no meu estudo do tema abordado: “A melhor forma
de tratar as questões ambientais é assegurar a participação de todos os
cidadãos interessados ao nível conveniente”[17].
Trata-se de uma exigência comunitária, que, quase sempre, é esquecida pelo
nosso Estado Português.
[1] Vasco
Pereira da Silva, Em Busca do acto
administrativo perdido, Coimbra editora, 1996, pág.273
[2] Vide a
este propósito, Francisco Paes Marques, As
relações jurídicas Administrativas Multipolares, Contributo para a sua
compreensão substantiva, 2011, Almedina
[3]
Francisco Paes Marques, As relações
jurídicas Administrativas Multipolares, Contributo para a sua compreensão
substantiva, 2011, Almedina, pág.57
[4] Veja-se
a este respeito, por exemplo, o art.4º. e 5º. do DL 109/91 de 15 de Março, que
diz que as autoridades licenciadoras devem ter em conta os riscos da actividade
em causa quanto a pessoas, bens, condições de trabalho e ambiente.
[5]
Expressão frequentemente utilizada pelo Drº. José Coimbra nas aulas de Direito do
Ambiente
[6] Miguel
Teixeira de Sousa, Legitimidade
processual e acção popular no direito do Ambiente, Direito do Ambiente,
Instituto Nacional da Adminitração, 1994, 409 e segs
[7] José
Eduardo de Figueiredo Dias, Tutela
ambiental e contencioso administrativo, Coimbra editora, 1997, pág.320
[8] José
Eduardo de Figueiredo Dias, Tutela
ambiental e contencioso administrativo, Coimbra editora, 1997, pág.320
[9] Filipa
Urbano Calvão, Direito ao Ambiente e
tutela processual das relações de vizinhança, in Estudos do Direito do Ambiente,
Porto, UCP, 2003, pág.196
[10] Jorge
Reis Novais, Os Princípios
constitucionais estruturantes da República Portuguesa, Coimbra editora,
2004, pág.163
[11] O
preceito diz que têm legitimidade para a protecção de interesses difusos, “os
cidadãos a quem a actuação administrativa provoque ou possa (…) provocar
prejuízos relevantes em bens fundamentais como (…) o ambiente”
[12] António
de Araújo, O Código de Procedimento
Administrativo e a participação dos administrados, RMP, 1993, pág.27
[13] Francisco
Paes Marques, As relações jurídicas
Administrativas Multipolares, Contributo para a sua compreensão substantiva,
2011, Almedina, pág.408
[14] Vasco
Pereira da Silva, Da Protecção jurídica
ambiental, os denominados embargos administrativos em matéria de ambiente,
AAFDL, Lisboa, 1997, pág.22
[15] Note-se
aqui a importância do artigo da autoria do Professor Gomes Canotilho,
intitulado de “Electrosmog e relações de
vizinhança ambiental: primeiras considerações”, in Revista do Centro de
Estudos de Direito do Ordenamento, do Urbanismo e do Ambiente, nº.10_Ano V_2.02
[16] Que
diz: “Não são admitidos embargos, administrativos ou judiciais, em relação
`execução coerciva dos actos administrativos”.
[17]
Princípio 10 presente na Declaração do Rio sobre o Ambiente e Desenvolvimento,
1992
Para além das referências bibliográficas indicadas em nota de roda pé, ainda foram utilizados as seguintes obras:
Gomes Canotilho, Relações jurídicas poligonais, Ponderação ecológica de bens e controlo judicial preventivo, in RJUA, Nº.1, 1994
Vasco Pereira da Silva, Verde Cor de direito - lições de direito do ambiente, Coimbra, Almedina, 2002
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