13 de abril de 2014

Uma “arca de noé” de interesses – Relatos de uma íntima Relação jurídico-administrativa multilateral ambiental e sua forma de tutela

Com vista a não maçar os meus leitores com tanta conversa fiada, pretendo simplificar ao máximo este assunto tão discutido na doutrina, sob pena de ficarem perdidos na labiríntica “Arca de Noé”, que, no fundo, representa todos os interesses atendíveis que podem surgir aquando da actuação da administração pública em sentido orgânico. Primeiro, deparamo-nos com um problema formal, mas que tem que ser aqui esclarecido. O formalismo está, precisamente em saber qual a denominação mais correcta: Relação juríco-administrativa poligonal? Ou relação jurídico-administrativa multilateral?. A mim parece-me, acompanhando a posição do Senhor Professor Vasco Pereira da Silva, que é preferível dizer que existe uma relação jurídico-administrativa ambiental multilateral, pois na verdade não existe um polígono fechado, mas sim uma grande representação aberta de ligações flexíveis entre todos os sujeitos.
Creio, agora, ser importante dissecar o conceito de relação jurídico-administrativa poligonal ou multilateral. Como o nome indica, não estamos na presença de duas partes num esquema de “duelo administrativo tradicional” (Administração VS cidadão). O que temos aqui é muito mais que isso! Numa relação jurídico-administrativa multipolar ou poligonal, como nos diz o Senhor Professor Vasco Pereira da Silva, subjaz um “envolvimento de diferentes particulares e autoridades administrativas, situados em pólos diferentes dessa mesma ligação”[1], sendo que esse complexo de interesses particulares se mostram idóneos a pôr em causa a decisão administrativa. Segundo o pensamento de Francisco Paes Marques[2], esta relação jurídico-administrativa decompõe-se em seis elementos conceptuais:
  •  Relação jurídica – define-se como a conexão ou ligação entre dois ou mais sujeitos, resultante de um facto concreto, e do qual decorrem efeitos recíprocos para cada um deles. Não obstante, esta relação jurídico-administrativa se apresentar com uma indeterminação patológica devido á pluralidade de sujeitos e interesses conflituantes, a mesma deve possuir o mínimo de determinabilidade. Aliás, a este propósito existe uma divisão inegável de competências: Por um lado, reserva-se ao legislador a fixação, de forma geral e abstracta, dos pressupostos destas relações multipolares após a previsão dos variados interesses privados (o chamado programa normativo multipolar); Por outro lado, atribui-se à Administração a regulação concreta da colisão de interesses existente (o chamado Mandado de conformação multipolar);
  • Sujeitos Privados – Existe, obviamente, numa relação multipolar, pelo menos dois sujeitos privados (que não podem, por questões de autonomia e imparcialidade, ser entes públicos, sendo irrelevante se são pessoas físicas ou jurídicas);
  • Interesses conflituantes – No plano horizontal desta relação deste tipo coexiste variados interesses privados, em torno de uma decisão administrativa, sendo que para se colocar o problema dos meios de defesa dos “administrativamente afectados”, o essencial é que “o favorecimento de um determinado sujeito privado não possa ocorrer sem lesar outro sujeito privado (…) sendo suficiente que o benefício de um não possa ocorrer sem que, simultaneamente, se verifique prejuízo de um outro indivíduo”[3];
  • Administração Pública – Visto o plano horizontal entre vários sujeitos com variados interesses conflituantes, cabe analisar o plano vertical, onde se encontra a Administração Pública que tem a tarefa da conformação desses interesses (veja-se que a participação da Administração pode ser feita através duma acção ou através de uma omissão pois o relevante é a confirmação de uma obrigatoriedade de agir por parte desta, que aliás está firmada, por exemplo, no art.9º. CRP); Entenda-se que numa relação deste género, num lugar mais alto pode estar uma sociedade cujo exercício dos poderes de autoridade lhe foram delegados (v.g. sociedade concessionária), não havendo necessidade de aqui, segundo o meu entender, adoptar um sentido formal extremamente rígido de Administração;
  • Acto jurídico-público – A Administração intervém num determinado litígio administrativo, remetendo para uma conformação de direito público, através de um qualquer acto administrativo, (atente-se essencialmente aos regulamentos, planos e contrato administrativo), acto esse que pode implicar a constituição, modificação ou extinção de direitos e obrigações entre a própria entidade pública e terceiros (definição que está bem visível no art.120 do Código do Procedimento Administrativo, doravante CPA). Este acto adquire variadas funções, dentro das quais se destacam: aplicação das normas ao caso concreto (função de concretização) e determinação material da situação jurídica em causa (função de definição). Ora a Administração aqui, deve utilizar o critério do “duplo nivelamento”, isto é, tem a obrigação de fazer um “juízo de prognose” das consequências do acto que emite, articulando isso com a actividade que está a prestar (de forma mais simples, esta deve procurar uma harmonização de interesses, o que não quer dizer que o interesse público não possa prevalecer)[4];
  • Administratividade – Não querendo debruçar-me sobre este problema, muito rapidamente digo que este conceito muitas vezes aflorado nos manuais reporta-se ao conceito de direito administrativo, que elenca, não só (como é sabido) uma actuação pública da Administração, mas também actuações de gestão privada por parte desta, pelo que o Código de procedimento administrativo se aplica a estas duas actuações (veja-se, art.2/5 CPA).

Será prudente informar que, esta questão não era assim tão simplificada como a estou a tratar, pois houve uma evolução quanto à tutela de interesses dos particulares, sobretudo a nível do direito do ambiente. Contrariando o abstencionismo ecológico que caracterizou o nosso Estado no período liberal, avançámos para uma atitude extremamente intervencionista, a nível ambiental. Com o Estado social - protector, criou-se uma Administração ambiental com alguns poderes ecológicos: é à administração que compete desenvolver as políticas de protecção e de promoção ambiental, de acordo com os ditames do legislador. A acção, hoje em dia, concretiza-se na elaboração de planos de ordenamento, reprimindo actividades poluentes, lançando campanhas de sensibilização para as questões ambientais, entre outros. Essa pluralização de interesses públicos e privados acaba por gerar uma complexidade de situações que, por sua vez, exige uma ponderação ecológica desses mesmos interesses. Dito isto, quer-se aqui elucidar sobre o facto que os “chefões administrativos”[5], devem, obviamente, nas suas decisões ter em consideração os efeitos ambientais que uma obra, actividade ou qualquer outro projecto possa vir a desenvolver, pesando esses interesses privados/públicos com outros por forma a não haver um atropelo do  direito fundamental geral que estamos aqui a falar que é o direito fundamental ao ambiente. Isto é assim, porque, numa discussão que não me cabe a mim desenvolver ao pormenor, o direito ao ambiente pode ser um direito fundamental ou um interesse difuso (direito subjectivo de todos), que em qualquer dos casos merece obviamente tutela.
No entanto, sobre esta discussão mediática deixo aquilo que me parece essencial. Enquanto os interesses difusos, são interesses plurindividuais (v.g. art.1º da lei nº.83/95, de 31 de Agosto – Lei da Acção Popular), reconhecidos a uma pluralidade indeterminada de sujeitos, os interesses individuais reconduzem-se a interesses específicos e/ou exclusivos de um determinado indivíduo e os interesses colectivos, são interesses individuais organizados de acordo com uma categoria de indivíduos relativamente a um determinado bem jurídico. Os interesses difusos são, assim, a meu ver, interesses não públicos, não colectivos, e não individuais, o que nas palavras do Profº. Miguel Teixeira de Sousa seriam “interesses à procura de autor”[6]. Aliás, relacionando este litígio administrativo plural, com o que acabei de dizer, o Senhor Professor Figueiredo Dias, diz que a relação jurídica multipolar vem fazer face a muitas das confusões levantadas pela noção de interesses difusos, que é para o autor citado um conceito “vazio de conteúdo, permitindo tão-só o alargamento (potencial) dos limites da legitimidade procedimental e processual para defender posições jurídicas das quais o seu titular não é dono, antes de encontrando numa posição indiferenciada”[7]. Para o Senhor Professor Figueiredo Dias, na relação jurídica multilateral, não estão em causa, “interesses difusos, mas interesses concretos e diferenciados, em princípio protegidos pela ordem jurídica como verdadeiros direitos”[8]. Com o devido respeito, não concordo com o senhor professor, visto que numa relação deste género não estão só em causa interesses concretos, mas muitas vezes interesses difusos de defesa de direito de ambiente. Até porque, num assunto que falarei mais à frente, um exemplo de forma de tutela neste tipo de relação é a acção popular (consagrada no art.52 a) CRP e  arts.9/2 do Código de processo dos tribunais administrativos, doravante CPTA ) e a, esse propósito, fala-se que o objecto da acção popular é um interesse difuso (interesse não avaliado casuisticamente), e não que para agir, ao abrigo da acção popular, seja necessário interesse na demanda (esta não tem carácter subjectivo). Se tal se exigisse era impossível, principalmente quanto às questões ambientais, saber com um grau de certeza a quem aquele dano pode afectar ou não (v.g. poluição no ar).
Neste seguimento a ponderação ecológica que se faz dos interesses conflituantes presentes numa relação jurídica administrativa multilateral, tem que ser algo de minucioso e nunca se desviando de uma apreciação casuística precisa. Visto isto, mais digo que nessa ponderação não se pode esquecer que o bem ecológico tem que ser entendido como tendencialmente prevalecente nessa “tarefa minuciosa”, de que vos falei, bem como que perante a Administração recai a Proibição de falta, insuficiência e desproporcionalidade do conteúdo da ponderação que for feita, sob pena de condenar um conflito ao esquecimento, sem nunca haver oportunidade de se resolver.
            Tendo já avançado e tecido sobre as necessidades imperiosas de Ponderação de interesses, cabe-me falar dum tópico premente para a discussão ambiental, se me permitem, com a famosa expressão coloquial: Afinal como se resolve esta “catrefada” de interesses? A resposta não é simples, mas deixo aqui as considerações gerais sobre a matéria. Primeiramente há que entender que, muitas vezes se formam as chamadas “relações de vizinhança”, em torno de um objecto que apesar de ser concreto (v.g. direito de propriedade), gera interesses inteiramente antagónicos entre si, que visam, por vezes a salvaguarda do direito do ambiente, sendo relevantes as normas que vêem o ambiente como um dever constitucional, constituindo, por isso, certas imposições constitucionais (veja-se os arts. 9, alíneas d) e e), 66/2, 81/1 i) e 93 CRP). Sendo essas relações de vizinhança uma representação ideal de relações polissémicas de que andamos a falar neste relato, o chamado “terceiro-vizinho”, tem o direito de reagir contra a administração (cujo validade dos seus actos está subordinada à constituição – art.3/3 CRP), enquanto titular de um direito subjectivo público, visto que o direito ao ambiente, para a maior parte dos autores, é configurado como “direito de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias (sendo-lhe aplicado) (…) o regime (…) previsto no art.18º. da lei fundamental, do qual se destaca (…), a aplicabilidade directa”[9]. É de salientar aqui a dupla natureza dos direitos fundamentais: por um lado são direitos subjectivos, por outro, são elementos de uma comunidade objectivamente considerada. Essa natureza implica a consideração de uma vertente negativa, uma vez que, enquanto direitos das pessoas e dos cidadãos são, em primeiro lugar, direitos de defesa contra os poderes estatais. A realidade é que as autoridades administrativas se abstenham de agredir a esfera individual protegida pelos direitos fundamentais, uma vez que não podem fazer mais restrições das que se mostrem extremamente necessárias para a prossecução do fim estatal (art.18 CRP), segundo uma repercussão do Princípio da Proibição do excesso[10]. Em princípio o nosso vizinho, segundo entendimento do Senhor Professor Gomes Canotilho deve ser qualquer pessoa que seja abrangida pela norma reguladora do acto autorizativo, sendo que a sua ligação ao local deverá ter um carácter permanente. Com todo o devido respeito, não posso sufragar da opinião do Senhor Professor supra citado, quanto ao carácter de permanência no local. A pessoa pode não ter uma ligação permanente ao local, mas, provisoriamente, estar a ser lesada no seu direito de beneficiar de um ambiente sadio, por uma determinada instalação ou emissão. Entender o contrário era estar a restringir ao máximo a legitimidade procedimental possível nestes casos, de acordo com o disposto no art.53/2 a) CPA[11].
Por consequência, a intervenção destes titulares de direitos subjectivos públicos é fundamental até porque, o procedimento administrativo visa adoptar uma decisão que irá fazer caso decidido, no início do qual os particulares têm direitos que podem usufruir, muito antes de reagir à validade do acto administrativo emitido. Dentro de todo a “arca” de direitos que existem destacamos que, a Administração deve comunicar o início do procedimento às pessoas que podem vir a ser lesadas com o acto administrativo, segundo o art.55/1 CPA (neste ponto não posso estar mais de acordo com o Professor António de Araújo, que considera inconstitucional a parte do art. anterior que exige a “identificação nominal dos interessados”, visto que os titulares de interesses difusos não são todos identificáveis[12]), sendo que essa falta de comunicação fere de anulabilidade o acto administrativo (art.135 CPA). Para além desta exige-se também, que os interessados sejam notificados, do acto administrativo que extinga, aumente ou diminua interesses legalmente protegidos (art.66, alínea c) CPA). Assim, a não notificação aos participantes de uma relação ambiental multilateral (v.g. interessado desconhece da emissão de uma licença de construção ilegalmente concedida), torna-a “inoponível, insusceptível de produção de efeitos nas respectivas esferas jurídicas (…) (impedindo) que o prazo de impugnação contenciosa comece a correr (59 CPTA e 132/1 CPA)”[13]. Mais do que uma comunicação ou notificação, segundo o Princípio da Administração aberta, presente nos arts.64 e 65 CPA, é permitido o acesso à informação, mesmo aqueles que não tenham um “interesse directo”, mas um “interesse legítimo lato sensu”, como é o caso deste nosso relato.
Após todo esta descrição sumária dos direitos que estão aqui em causa e para além de certas normas que estabelecem direitos e deveres a nível do ambiente (regulação das relações de vizinhança - 1346 e ss CC ou responsabilidade civil - 483 e ss CC), vale a pena discutir um dos “milagres” administrativos, em matéria de ambiente: o chamado Embargo administrativo presente no art.42 da Lei 11/87 (Lei de bases do Ambiente, doravante LBA), que tem como elementos, os lesados (quaisquer sujeitos activos) e os lesantes (quaisquer entidades causadoras de uma lesão ambiental).
O problema que se coloca quanto a este meio de garantia é deveras importante: Afinal, este embargo apesar de ser denominado de “administrativo”, será uma forma de actuação da administração ou um meio jurisdicional? A resposta está longe de ser pacífica e fácil de lá chegar ao ponto de atingirmos uma lógica ambiental totalmente segura. Facilitando um pouco, posso dizer que sufrago a opinião do Professor Vasco Pereira da Silva, que diz que este embargo apesar de “administrativo” de nome, deve ser considerado como um meio jurisdicional, pois o legislador atribui como competência do tribunal os embargos do ambiente, e este só porque no registo lhe erroneamente foi dado um nome defeituoso, não pode sair dentro da caixa de forma diferente. Dada a insuficiência legal, o que temos que fazer é, sem margem de dúvidas, fazer corresponder a revisão legal dos embargos do ambiente, contido na lei de bases, à regulação legislativa de um meio contencioso pré-existente, considerando como tais normas processuais directamente aplicáveis. Isto é assim porque se exige constitucionalmente uma tutela judicial plena e efectiva desses direitos, segundo o disposto no art.20 e 268/4 e 5 CRP. Contudo não nos podemos confundir numa coisa. O embargo administrativo não se trata de uma acção principal, pois estabelece-se no art.42 da LBA que o pedido do particular, feito ao juiz por intermédio desse meio processual é o da suspensão imediata da actividade causadora do dano. Sendo assim estamos perante uma providência cautelar que visa conceder uma tutela provisória ao direito ambiental afectado (art.45/2, in fine, LBA).
Devido aos problemas já discutidos relacionados com o embargo administrativo, cabe ainda dizer qual o meio processual a que ele se reconduz sob pena de termos uma deficiência legislativa sem efeito útil. Freitas do Amaral e Gomes Canotilho reconduzem este embargo ao processo especial de embargo de obra nova, (presente no novo CPC, nos seus artigos 397 e ss). Mas aceitar essa solução coloca vários problemas nos quais se destaca o facto do embargo de obra nova visa tutelar um direito real, mas o embargo do ambiente visa tutelar direitos subjectivos em matéria de ambiente, que não são direitos absolutos (destinam-se a combater uma acção ou omissão de uma autoridade pública ou privada no seio de uma relação obrigacional). Devido a esta dificuldade, o Senhor Professor Vasco Pereira da Silva, refere que este embargo aplica-se a todas as relações jurídico-privadas, e só se aplica “às relações administrativas desde que não exista outro meio do contencioso administrativo”[14]. Nisto eu estou completamente de acordo com o Professor, visto que se não fosse assim desvirtuaríamos toda a utilidade das normas do CPA e CPTA, não aplicando sequer regras de direito administrativo ao caso. Temos que fazer, no fundo uma operação casuística, pois, garantir a tutela aos lesados somente com base nos meios de contencioso administrativo, era de tal forma insuficiente que poderia pôr em causa a inconstitucionalidade por acção ou omissão (por violação do disposto no art.66, já sumariamente referido) das disposições reguladoras do embargo administrativo por violação dos princípios constitucionais de acesso à justiça e da tutela jurisdicional efectiva dos cidadãos perante à Administração (artigos 20 e 268/4 e 5 CRP, já referidos anteriormente), visto que poderia acarretar á sobreposição de meios processuais e de jurisdições competentes.
Assim, no meu entender, deve-se atender ao seguinte raciocínio. Se a lesão do ambiente for provocada por um acto administrativo recorrível, existe um meio específico para resolver este tipo de situações urgentes, que será pedir uma providência cautelar para a suspensão da eficácia desse acto, nos termos do art.112/2 a) CPTA (é o que é mais utilizado por Associações ambientais, como a QUERCUS). Em regra que se pretende aqui é a adopção de uma providência cautelar conservatória (120/1 b) CPTA), que deverá preencher dois requisitos positivos e um requisito negativo. Os requisitos positivos são: “periculum in mora”, que será o receio de produção de prejuízos de difícil reparação; e o “fumus bonus iuris”, que será a aparência de bom direito, isto é, exige-se que não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada. O que está em causa no requisito negativo é a ponderação de todos os interesses em causa (públicos e privados), segundo exigências do Princípio da Proporcionalidade stricto sensu. Pelo contrário, se a lesão foi provocada por um particular no quadro de uma relação multilateral e não for possível decretar uma providência cautelar ou esta não for suficiente, o meio de garantia ideal é a intimação para um comportamento – arts.109 e ss CPTA (v.g. situações de dano irreversível e iminente- Proibição ilegal de manifestação pró-ambiental para defesa imediata de espécies em vias de extinção, negada no período em que a Senhora Merkel vem a Portugal). A este respeito, não nos podemos esquecer que, quando a violação do direito fundamental atinja situações extremas de gravidade, o poluidor pode ser condenado ela prática de crime de poluição, (veja-se, o art.280 CP, que consagra o crime de poluição como perigo comum, que pode ser activado em casos, por exemplo, de criação de campos electromagnéticos, ou também chamada de Electrosmog[15]).Para além destes meios, se o acto administrativo for legal, o terceiro ainda pode pedir uma acção de responsabilidade objectiva prevista no art.41 e 45 da LBA.
Nesta sequência, a meu ver, em todos os demais casos de relações administrativas de ambiente e na ausência de outras providências cautelares específicas, é sempre utilizável o embargo de obra nova (v.g. quando está em causa uma actuação lesiva do ambiente provocada por uma actuação administrativa), apesar da quase-contradição existente em legislação administrativa (fala-se a este propósito no art.153 CPA)[16], o que aponta para uma falta de unidade da ordem jurídica. Aceitar este juízo, em análise, traduz uma vantagem aparente: a articulação de meios (entre os meios de contencioso administrativo e meios de processo civil) permite dar maior tutela aos particulares lesados. No entanto, como tudo na vida, os inconvenientes também existem: problema da dualidade de jurisdições, uma vez que quando se aplique o embargo de obra nova as relações administrativas do ambiente vão ser da competência dos tribunais comuns, enquanto as restantes relações são da competência dos tribunais administrativos. Prevê-se em caso de conflito, que é da competência dos tribunais administrativos, o dirimir esses desentendimentos (art.214/3 CRP), o que me parece contraditório face à natureza do embargo administrativo, como vimos anteriormente.
Em suma, o preferível para colmatar toda esta “salganhada” de regimes seria, acompanhando o Professor Vasco Pereira da Silva, a criação pelo legislador de um meio específico cautelar de tutela dos direitos subjectivos em matéria do ambiente, aplicável a todo o universo das relações jurídicas do ambiente (privadas e públicas) e garantir a competência a uma jurisdição. A “salganhada” é mais visível se constatarmos que vivemos, constantemente numa sociedade de risco, e mesmo com estudos ou pareceres realizados (fala-se a este nível, de Declaração de Avaliação de Impacto Ambienta), os particulares estão constantemente a ser lesados nos seus direitos e garantias. Apesar destes problemas, o importante é nunca esquecer duma frase que, de certa forma, me marcou, no meu estudo do tema abordado: “A melhor forma de tratar as questões ambientais é assegurar a participação de todos os cidadãos interessados ao nível conveniente”[17]. Trata-se de uma exigência comunitária, que, quase sempre, é esquecida pelo nosso Estado Português.





[1] Vasco Pereira da Silva, Em Busca do acto administrativo perdido, Coimbra editora, 1996, pág.273
[2] Vide a este propósito, Francisco Paes Marques, As relações jurídicas Administrativas Multipolares, Contributo para a sua compreensão substantiva, 2011, Almedina
[3] Francisco Paes Marques, As relações jurídicas Administrativas Multipolares, Contributo para a sua compreensão substantiva, 2011, Almedina, pág.57
[4] Veja-se a este respeito, por exemplo, o art.4º. e 5º. do DL 109/91 de 15 de Março, que diz que as autoridades licenciadoras devem ter em conta os riscos da actividade em causa quanto a pessoas, bens, condições de trabalho e ambiente.
[5] Expressão frequentemente utilizada pelo Drº. José Coimbra nas aulas de Direito do Ambiente
[6] Miguel Teixeira de Sousa, Legitimidade processual e acção popular no direito do Ambiente, Direito do Ambiente, Instituto Nacional da Adminitração, 1994, 409 e segs
[7] José Eduardo de Figueiredo Dias, Tutela ambiental e contencioso administrativo, Coimbra editora, 1997, pág.320
[8] José Eduardo de Figueiredo Dias, Tutela ambiental e contencioso administrativo, Coimbra editora, 1997, pág.320
[9] Filipa Urbano Calvão, Direito ao Ambiente e tutela processual das relações de vizinhança, in Estudos do Direito do Ambiente, Porto, UCP, 2003, pág.196
[10] Jorge Reis Novais, Os Princípios constitucionais estruturantes da República Portuguesa, Coimbra editora, 2004, pág.163
[11] O preceito diz que têm legitimidade para a protecção de interesses difusos, “os cidadãos a quem a actuação administrativa provoque ou possa (…) provocar prejuízos relevantes em bens fundamentais como (…) o ambiente”
[12] António de Araújo, O Código de Procedimento Administrativo e a participação dos administrados, RMP, 1993, pág.27
[13] Francisco Paes Marques, As relações jurídicas Administrativas Multipolares, Contributo para a sua compreensão substantiva, 2011, Almedina, pág.408
[14] Vasco Pereira da Silva, Da Protecção jurídica ambiental, os denominados embargos administrativos em matéria de ambiente, AAFDL, Lisboa, 1997, pág.22
[15] Note-se aqui a importância do artigo da autoria do Professor Gomes Canotilho, intitulado de “Electrosmog e relações de vizinhança ambiental: primeiras considerações”, in Revista do Centro de Estudos de Direito do Ordenamento, do Urbanismo e do Ambiente, nº.10_Ano V_2.02
[16] Que diz: “Não são admitidos embargos, administrativos ou judiciais, em relação `execução coerciva dos actos administrativos”.
[17] Princípio 10 presente na Declaração do Rio sobre o Ambiente e Desenvolvimento, 1992

Para além das referências bibliográficas indicadas em nota de roda pé, ainda foram utilizados as seguintes obras:
Gomes Canotilho, Relações jurídicas poligonais, Ponderação ecológica de bens e controlo judicial preventivo, in RJUA, Nº.1, 1994
Vasco Pereira da Silva, Verde Cor de direito - lições de direito do ambiente, Coimbra, Almedina, 2002 

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