“(…) à única
verdadeira certeza que temos: a sorte das gerações futuras é directamente
afectada pelo comportamento das gerações presentes.”
François Ost
A crise ambiental teve como causas o
crescimento da população aliado ao progresso tecnológico e económico. Todavia,
verificámos que hoje em dia existe, felizmente, uma maior preocupação com o
ambiente e a consciência da finitude dos recursos naturais. O consumidor passou
a ter uma preocupação ecológica que antes não possuía, quer isto dizer que a
composição dos produtos assim como o seu fabrico ecologicamente sustentável
relevam para a decisão do consumidor final. Emerge, assim, um novo padrão de
consumo que levou alguns produtores a mudar de atitude, isto é, a adoptarem
soluções saudáveis e consequentemente mais “amigas” do ambiente. Alguns países estabeleceram,
voluntariamente, mecanismos de rotulagem ambiental mediante critérios de
controlo dos produtos.
É neste sentido que em 1992, o Regulamento (CEE) n.º 880/92, do Conselho, de 23 de Março de1992 veio
instituir o Sistema Comunitário Atribuição do Rótulo Ecológico (SCARE I).
Pretendia – se, por um lado, constituir um sistema comunitário de atribuição de
rótulos ecológicos e, por outro lado, informar os consumidos sobre o impacto
ambiental reduzido do produto durante o seu ciclo de vida, desde a extração da matéria-prima até à produção, uso e descarte. Todo
este processo é acompanhado e avaliado por especialistas na área a fim de
garantir o cumprimento dos critérios que reduzem o impacto ambiental. No nosso entender,
este rótulo não só veio dar uma maior credibilidade aos produtos como, também,
incentivar o seu consumo promovendo escolhas ambientais responsáveis. O
consumidor teria, agora, a certeza que a composição e o fabrico do produto adquirido
não danificou o ambiente, ao contrário de outros que, embora se auto- intitulem
como ecológicos, na realidade estão muito longe disso. Para saber quais os
produtos com rótulo ecológico a União Europeia disponibiliza um catálogo
(E-Catálogo[1])
para que o consumidor possa pesquisar antes de os adquirir.
No
Regulamento (CEE) n.º 880/92, do Conselho, de 23 de Março de1992, mais
propriamente no seu artigo 18º, previa – se que cinco anos depois da sua
entrada em vigor a Comissão deveria avaliar o sistema mediante as novas
realidades no âmbito do funcionamento do SCARE I e alterar o respectivo
regulamento. Como tal surge o Regulamento (CE) n.º1980/2000[2],
do Parlamento Europeu e do Conselho de 17 de Julho de 2000 que institui o SCARE
II, revogando, portanto, o anterior. Esperava – se que este novo regulamento,
mais extenso e detalhado, fosse tornar mais clara a matéria em questão.
Contudo, os resultados não eram tão visíveis como
seria de esperar. Apesar dos pequenos avanços[3]
ainda eram poucos os produtos com Rótulo Ecológico (representavam menos de 1%),
além de que haveria, ainda, uma desigualdade entre a distribuição dos
beneficiários do Rótulo Ecológico Europeu e dos seus produtos na União Europeia
e Espaço Económico.
Assim sendo, a Comissão decide apresentar uma
proposta[4] ao
Parlamento Europeu e ao Concelho, para que se pensasse num novo Sistema Comunitário
de Rótulo Ecológico. Esta vontade de revisar o SACARE II teve como causa uma
avaliação, feita pela Comissão em 2005, do sistema onde por um lado, resultou que
o rótulo ecológico contribuiu para a concretização de práticas ambientais sustentáveis
e, por outro, foram muitas as empresas interessadas. Todavia, concluiu – se,
também, que existiam alguns aspetos negativos, nomeadamente, pouco conhecimento
sobre o rótulo e sobre a sua implementação; insuficientes categorias de
produtos e de serviços que possuem critérios para a obtenção do rótulo
ecológico; morosidade na organização e procedimento para a sua aquisição; processo
bastante dispendioso o que leva a um efeito desincentivador e, por fim,
desconhecimento por parte dos consumidores, dos benefícios de um produto
certificado.
Desta forma, é apresentado o novo Regulamento
(CE) nº 66/2010[5]
do Parlamento Europeu e do Conselho a 25 de Novembro de 2009 com o objectivo de
assegurar a coordenação entre o sistema de Rótulo Ecológico da EU e os
requisitos no contexto de Directivas ambientais e simplificar o sistema. O novo
Regulamento preocupava – se em estender o âmbito de aplicação do rótulo a
outros produtos alimentares, produtos que até agora não podiam ser rotulados.
Para a Professora Carla Amado Gomes o
Rótulo Ecológico é um método relevante para a “sensibilização ambiental,
tentando cativar os consumidores para comportamentos inovadores e
comunitariamente relevantes. Trata-se de uma etiquetagem funcionalizada à
sedimentação de atitudes “ambientalmente amigas” que mais do que informar o
consumidor das características do produto em vista à sua protecção individual a
curto prazo, antes intenta, no longo prazo, criar uma consciência colectiva dos
problemas ligados ao ambiente enraizando a responsabilização dos consumidores
face à necessidade de agir em conjunto para manter uma qualidade de vida
globalmente razoável (...). O “Risco Ecológico” passa a ser um factor de
comportamento determinante”.
A atribuição dos respectivos rótulos é efectuada
por grupos de produtos e os critérios para cada um dos grupos são adoptados por
uma comunidade depois de feita a consulta ao Comité do Rótulo Ecológico da UE[6],
além de que é uma opção que o fabricante dispõe.
Em Portugal, a atribuição de rótulos ecológicos
é feita mediante requerimento à Direcção Geral de Actividades Ecológicas.
Vejamos como se procede a sua atribuição. Os produtos estão, devidamente,
organizados em grupos e cada um destes tem os seus próprios critérios
ecológicos de aptidão ao seu uso e de informação ao consumidor final. Estes
critérios, como vimos anteriormente, fundam –se em estudos científicos do
Comité do Rótulo Ecológico da União Europeia sendo, depois, estabelecidos em
Decisões da Comissão Europeia. Os
critérios estão, como se pode calcular, relacionados com todo o ciclo de vida
do produto, isto é se em algum momento teve impacto na:
·
Qualidade
do ar;
·
Qualidade
da água;
·
Protecção
dos solos;
·
Redução
dos resíduos;
·
Poupança
de energia;
·
Gestão
de recursos naturais;
·
Prevenção
do aquecimento do planeta;
·
Protecção
da camada de ozono;
·
Segurança
Ambiental;
· Ruído;
·
Biodiversidade.[7]
Para se candidatarem os produtores deverão:
·
Representar
uma quantidade considerável no mercado interno;
·
Ter
grande impacto ambiental;
·
Apresentar
fortes perspectivas de melhoria do ambiente, resultantes da escolha dos
consumidores;
·
Destinar-se
a uma parte importante do volume de vendas ao consumo final.
A
Direcção Geral das Actividades Económicas fornece todas as explicações
necessárias aos candidatos e solicita os comprovativos necessários para a
prossecução da candidatura. Aquando a entrega da candidatura o candidato deve
pagar uma taxa referente aos custos associados ao procedimento do pedido.[8]
Para
além disso, é também o candidato que arca com as despesas que se relacionem com
os exames, muitas das vezes solicitados, decorrentes do processo de avaliação
da candidatura.
A Comissão
de Selecção que integra a Agência Portuguesa do Ambiente juntamente com Direcção-Geral
das Actividades Económicas e outros organismos especializados procedem à
avaliação da candidatura.[9]
Sendo esta aceite, a empresa receberá o
Rótulo Ecológico (o
logotipo adoptado pela EU é uma flor e compreenderá todas as informações sobre
as principais características ambientais do produto em causa) contudo, fica condicionada à
celebração de um contrato com os termos de utilização do logótipo. A empresa
terá, ainda, que pagar uma taxa anual para utilizar o rótulo, esta taxa é
fixada em 0,15% do volume anual de vendas do produto, tendo como limite máximo
25 mil euros por grupo e por produtor. Admitem – se, no entanto, várias
reduções à taxa. O Rótulo Ecológico terá uma validade de três a cinco anos, conforme
a decisão da Comissão de Selecção que avaliou o processo de candidatura. É de
referir que para um maior controlo durante este período, a empresa ficará
sujeita a fiscalização sem aviso prévio. No final do prazo o produto será
reavaliado e se continuar a cumprir os critérios o contrato será renovado. Esta
fiscalização das empresadas rotuladas envolve um trabalho permanente por parte
da administração.
Segundo o Professor Doutor Vasco
Pereira da Silva, «o que está aqui em causa é (...) a combinação de um acto
administrativo com um contracto e uma multiplicidade de actuações administrativas
informais, que vão desde o controlo da qualidade dos bens à promoção do rótulo
ecológico, no âmbito de uma relação jurídica duradoura, rompendo “ com as
técnicas habituais de polícia e subversão e (...) partindo da perspectiva da
liberdade e voluntariedade para adoptar o regime nelas previsto, (...) [de modo
a conduzir] ao cruzamento das políticas industrial, de defesa dos consumidores
e do meio-ambiente”»
A título de curiosidade, em Portugal as
marcas, produtos e serviços com este rótulo são: Tintas Robialac - Hempel Portugal
(tintas e esmaltes) - Natura Pura Ibérica (roupa para bébés) - Refúgio Atlântico (hotel
na Madeira) - Turiviana (estalagem em Viana do Castelo) - Lasa (roupa
para a casa) - F.Lima(várias marcas e produtos - Tintas Dyrup - Renova - Coelima (roupa
para a casa).
Não temos dúvidas quanto às vantagens da
atribuição do rótulo a um determinado produto, isto porque para além da
protecção do ambiente é um excelente mecanismo de consciencialização tanto para
os consumidores (as pessoas se preocupam mais com o que consomem, não só por
uma questão de prevenção de riscos de saúde, mas também por motivos ambientais)
como para as empresas que, desta forma, beneficiam de uma maior notoriedade. Os
produtos são credíveis e distinguem –se dos demais, sendo um excelente
mecanismo de markting.
Todavia, consideramos que são muitos os
problemas que ainda subsistem. Em primeiro lugar, nem todos os consumidores
estão devidamente informados da existência de produtos “amigos do ambiente” ou
sabendo da sua existência não lhes é fácil compreender o que está em causa,
isto é, o consumidor não consegue verificar toda a informação fornecida pelos
rótulos e além disso, a etiqueta é baseada em termos
científicos usando linguagem técnica que requer conhecimentos específicos.
Em segundo lugar, estes produtos são mais
dispendiosos que os produtos concorrentes, colocando o consumidor numa posição
ingrata. Neste ponto diríamos que o consumidor tenderá a optar por aquele que é
economicamente mais acessível. Ora, esta escolha irá influenciar as indústrias
que só estarão dispostas a investir neste comportamento ecológico se obtiverem
o devido retorno. Do ponto de vista económico, percebemos que não será
vantajoso para uma empresa apostar neste sistema se sabe, desde o início, que
não irá obter lucro com esse investimento, logo irá preferir um tipo de
produção menos sustentável para o ambiente, já que não requererá tanto
investimento da sua parte e ainda terá um retorno assegurado. Sem prejuízo de
possíveis estudos de mercado que contrariem este breve argumento, parece ser
este o problema primordial. Harmonizar o interesse económico/markting com a
protecção do ambiente é algo complexo.
Não
nos podemos olvidar que este é um procedimento voluntário o qual implica um
conjunto de despesas extra para as empresas, não só no período de candidatura,
mas também durante a utilização do logótipo. As empresas necessitam de
garantias que justifiquem estes custos, principalmente nos tempos que correm,
caso contrário todos estes factores conduzirão a um desincentivo.
Em
suma, apesar das vantagens inegáveis, há um longo caminho a percorrer.
Principalmente no que concerne à consciencialização dos consumidores e ao
ajustamento dos preços dos produtos assim como as garantias dadas às empresas.
O mercado ecológico precisa de ser um mercado competitivo!
O consumidor tem um importante papel no que
toca a políticas de sustentabilidade, é essencial que sejam mais
intervenientes, se preocupem com o que compram e exerçam pressão sobre as
empresas para que estas adoptem uma conduta mais sustentável.
Por fim, é importante existir uma divulgação
mais agressiva do rótulo ecológico e dos seus benefícios para o ambiente, de
forma a que todos estejam devidamente informados.
Citando
a Professora Doutora Carla Amado Gomes podemos dizer que são quatro os meios de
protecção do ambiente, nomeadamente: os preventivos, os reparatórios, os
repressivos e os de mercado. “A sua reunião é essencial para alcançar o duplo
objectivo do Direito do Ambiente: prevenir e promover. Enquanto tarefa do
Estado, a prevenção de riscos ambientais através de mecanismos de command and control é ineliminável. Porém, a protecção
do ambiente no longo curso passa sobretudo pela radicação de uma consciência
ambiental em todas as pessoas, na qualidade de cidadãos, consumidores,
operadores industriais ou comerciais. Ora, num domínio em que a mudança de
mentalidades é decisiva, não basta as tradicionais medidas de polícia, que
previnem e reprimem. Paralelamente é preciso incentivos à adopção de uma nova
atitude vivencial”.
Bibliografia
-GOMES,
Carla Amado, Introdução ao Direito do Ambiente, editora AAFDL, 2012.
-SILVA,
Mário Rui Ferreira Tavares da, TESE DE MESTRADO FDUL-“o rótulo ecológico
comunitário (rec) e o eco-Managment and audit scheme (emas), ensaio sobre a
seua qualificação jus-administrativa”, 2009.
-SILVA,
Vasco Pereira da, Verde Cor de Direito-Lições de Direito do Ambiente, Almedina,
2002.
- SILVA,
Vasco Pereiral, Em busca do acto administrativo perdido, Almedina, 2003.
Susana Gonçalves
Nº 19872
[1] http://ec.europa.eu/ecat/
[2] http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:L:2000:237:0001:0012:PT:PDF
[3] Em 2001
apenas 87 empresas utilizavam o rótulo ecológico europeu, em 2005
este número subiu para cima de 250.
[4] http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/ALL/?uri=CELEX:52008PC0401
[5] http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:L:2010:027:0001:0019:PT:PDF
[6] Composto
por organismos competentes em matéria ecológica e pelos Estados Membros, assim
como, todos os interessados em cada categoria de produtos.
[7]
Portal da Empresa com Comissão Europeia, Agência Portuguesa do Ambiente e
Direcção-Geral das Actividades Económicas
[8]
Os custos variam entre os 300€ e 1.300€, apesar de as PME gozarem de um
desconto de 25%.
[9]
AComissão de Selecção que integra a Agência Portuguesa do Ambiente é a responsável
por fazer o enquadramento do produto na política nacional de ambiente; à
Direcção-Geral das Actividades Económicas compete verificar se o bem cumpre os
critérios e os restantes organismos especializados avaliam o cumprimento da
legislação comunitária e nacional aplicável ao artigo em análise.
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