O tema a abordar é, provavelmente, um dos mais debatidos de sempre sobre a disciplina em questão, mas a verdade é que até o nome da mesma, Direito do Ambiente, dá origem a querelas sem fim. Dito isto, é fácil de se notar que o que se irá discutir resume-se à possibilidade de existência de um direito fundamental ao ambiente ou, na verdade, de um dever ao mesmo.
Ora, para começar, existem posições diversas. Sim, não, ou simplesmente ambos (direito e dever), sendo que defendo esta última posição.
Deste modo, cumpre começar por referir a posição daqueles que defendem que, na verdade, não estamos perante um direito fundamental ao ambiente, mas sim de um dever. Na sua base, o argumento chave está na afirmação de que o direito ao ambiente não é um direito subjetivo e, dessa feita, é apenas um dever e não um direito fundamental, por não ter um objeto definido, abarcando realidades distintas como a saúde ou o urbanismo.
Os defensores desta teoria afirmam ainda que o direito ao ambiente não pode ser um verdadeiro direito subjetivo por não garantir ao cidadão o direito de defesa contra atividades dos poderes políticos potencialmente lesivos, bem como não confere ao particular um direito de exigir aos poderes públicos a promoção de um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado.
No entender da professora Carla Amado Gomes, uma leitura apressada do artigo 66º/1 da Constituição pode dar-nos uma ideia de existência de um direito subjetivo mas que, na verdade, se a ideia fosse de dar outro nome aos direitos de personalidade, não valeria a pena ter introduzido o preceito no texto constitucional.
Mais, seguindo o pensamento da autora, a segunda parte do artigo é aquela que é verdadeiramente relevante: o dever de proteção do ambiente.
Por conseguinte, fazendo a ponte para a posição oposta, ou seja, da existência de um direito do ambiente, podemos então fazer referência a alguns autores como o professor Vasco Pereira da Silva ou o professor Gomes Canotilho.
Neste sentido, parece necessário fazer um enquadramento histórico sobre o ambiente como um direito fundamental. No caso português, desde a redação da Constituição de 1976 que o direito ao ambiente é tido como um direito económico, social e cultural, obrigando deste modo o Estado a adotar medidas protecionistas do ambiente. E, desta forma, a constituição portuguesa foi assim uma das primeiras a consagrar o ambiente como um direito fundamental, sendo imediatamente seguida por Espanha.
Ora, após uma consagração expressis verbis, parece que a intenção constitucional era de recortar um direito fundamental autónomo do indivíduo, faltando assim saber de que direito subjetivo estamos então a falar. Assim sendo, temos de ter em conta que um direito subjetivo fundamental é a posição jurídica pertencente ou garantida a qualquer pessoa com base numa norma de direitos fundamentais consagrada na Constituição, conforme refere o professor Gomes Canotilho. Deste modo, o direito ao ambiente preenche os requisitos e escaparia de uma das maiores críticas apontadas pelos defensores da inexistência de um direito fundamental do ambiente.
Por conseguinte, cumpre então fazer referência à natureza deste mesmo direito o que, no caso português, este se encontra como um direito subjetivo do tipo dos direitos económicos, sociais e culturais.
Contudo, para alguns, esse mesmo enquadramento não é suficiente para se puder falar de um verdadeiro direito subjetivo.
Ainda assim, e nas palavras do professor Gomes Canotilho, o facto do direito ao ambiente se encontrar consagrado como um direito subjetivo do tipo dos direitos económicos, sociais e culturais, não impede que este possa beneficiar de alguns traços do regime específico dos direitos, liberdades e garantias. E, do mesmo modo, a sua posição não impede que o direito ao ambiente não inclua posições prestacionais importantes e decisivas.
A acrescentar, segundo a posição do professor Vasco Pereira da Silva, o facto da nossa Constituição fazer menção ao ambiente nos seus artigos 9º alínea e), 52º/3 e 66º, faz com que seja ainda mais evidente que, de facto, estamos perante um direito fundamental ao ambiente, tendo em conta que o disposto do artigo 66º da Constituição nos dá a noção de que existem direitos fundamentais que não são individualizados, pelo que o direito ao ambiente não necessita de ser um direito subjetivo e individual, para que possa ser um direito fundamental.
É ainda suscetível de referência a construção de Marcelo Campos Galuppo quando se diz que, um direito humano passa a direito fundamental no momento em que os argumentos dos discursos morais se convertem em jurídicos, limitados pela factividade do direito, estando assim perante a constitucionalização de direitos que gozam de elevado grau de justificação ao longo da história das discussões morais e que, por isso, são reconhecidos como fundamentais.
É ainda suscetível de referência a construção de Marcelo Campos Galuppo quando se diz que, um direito humano passa a direito fundamental no momento em que os argumentos dos discursos morais se convertem em jurídicos, limitados pela factividade do direito, estando assim perante a constitucionalização de direitos que gozam de elevado grau de justificação ao longo da história das discussões morais e que, por isso, são reconhecidos como fundamentais.
Por fim, e para concluir, a posição por mim adotada é aquela que admite a existência de ambos, direito e dever, conforme defendida pelo doutor Tiago Antunes.
Nesta posição, nem o direito fundamental ao ambiente, nem o dever fundamental deste são negados, reforçando-se ainda a ideia de que, na verdade, nem um nem outro devem ser omitidos, uma vez que a maioria da doutrina defende a ideia de existir um direito fundamental ao ambiente omitindo a presença de um igual dever fundamental. Neste sentido, o doutor refere ser esta a maior lacuna da maior parte dos artigos sobre esta temática.´
Desta forma, o ambiente tanto é um direito a que temos direito, como um dever. Todos temos direito de usufruir de um ambiente sadio, uma vez que ninguém tem propriedade sobre o ambiente, mas apenas o direito de usufruto sobre o mesmo. Mas, todavia, todos nós temos simultaneamente o dever de o manter e proteger das adversidades.
É então de ressalvar que a Constituição não se limita a conferir direitos fundamentais, estabelecendo também obrigações para os indivíduos numa lógica de deveres para com a colectividade. Assim sendo, os deveres fundamentais são não mais do que deveres que a constituição impõe aos particulares, e que são úteis para a comunidade.
Deste modo, o direito e o dever ao ambiente nãos e confundem, não são o reflexo um do outro, tendo efeitos distintos um do outro, conforme já referido, embora estejam indiscutivelmente associados.
Bibliografia:
- Antunes, Tiago, Ambiente: Um Direito, mas também um Dever, in Estudos do Prof. Doutor António Marques dos Santos, II, Coimbra Editora;
- Canotilho, Gomes, O Direito ao Ambiente como Direito Subjetivo, in Estudos Fundamentais, Coimbra Editora, 2004
- Galuppo, Marcelo Campos, Jurisdição Constitucional e Direitos Fundamentais, Belo Horizonte, 2003;
- Gomes, Carla Amado, Introdução ao Direito do Ambiente, 2012, AAFDL;
- Neto, Luisa , Constituição Anotada, 2006.
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