Tradicionalmente, as
considerações ambientais no âmbito da contratação pública foram sendo vistas
como secundárias e instrumentais. O abandono desta visão redutora resultou de
um conjunto de factores que convergiram, transformando a preservação do meio
ambiente num objectivo imperativo na persecução do interesse público e
alterando o entendimento relativo à contratação pública, que representa hoje um
verdadeiro instrumento de realização das mais variadas políticas ambientais. Relativamente
a esta questão, podemos apontar a própria evolução da estrutura do Estado como
impulsionadora desta mudança. Tal como evidencia Vasco Pereira da Silva, a
problemática ambiental constitui uma das preocupações que ocupa o Estado
Pós-Social1. É a própria dimensão estrutural do Estado que permite a
diversificação dos seus fins e a procura empenhada da satisfação do interesse
publico que envolve actualmente a tutela do ambiente.
Por outro lado, o
Direito da União Europeia afectou determinantemente a evolução da implementação
de políticas ambientais relevantes nos Estados-Membros. Paralelamente às
preocupações economicistas da contracção pública surgem novas metas,
designadamente no campo da tutela ambiental. A orientação a nível europeu é a
de que o poder de compra da administração pública deve ser usado de forma
social e ambientalmente sustentável e responsável. A celebração de contratos públicos
ecológicos, por parte da administração pública, tem também a importante função
de incentivar o mercado privado a comportar-se da mesma forma. Nos últimos anos
foram levadas a cabo iniciativas a nível europeu por forma a incentivar o desenvolvimento
destas políticas através de acções de formação dirigidas as entidades
adjudicantes.
Contudo, tal como
alerta a professora Maria João Estorninho2, os escassos recursos
actuais não permitem o desperdício e muito menos a corrupção. É portanto muito
relevante a conexão com o Direito da Ambiente, particularmente no
desenvolvimento de mecanismos de precaução e aplicação destas políticas
nomeadamente através dos rótulos económicos ou das etiquetas públicas e
privadas.
No âmbito da evolução
do pensamento europeu ao nível da contratação pública verde podemos referir um
grande número de comunicações interpretativas, directivas e acórdãos
relevantes, que contribuíram em grande medida para a promoção e integração das
preocupações ambientais na disciplina dos contratos públicos. Focaremos em
seguida as mais relevantes.
- A Cimeira de Cardiff, 1998:
Nesta Cimeira abordou-se um vasto
conjunto de questões, sendo que as preocupações ambientais não representaram um
ponto primordial de discussão. Ainda assim, desenvolve-se a ideia de uma
estratégia global para a aplicação do Principio da Integração Ambiental
plasmado no Art 11º dos Tratados. Fica assente a ideia de integração da protecção do ambiente
nas políticas comunitárias de
forma a alcançar um ambiente sustentável. Consequentemente, a contratação
pública deve ser vista como um instrumento de realização destas considerações.
- O Acórdão do TJUE, Concordia Bus,
de 17 de Dezembro de 2002:
Tendo em conta que as Directivas nada dispunham
relativamente a esta matéria, o acórdão Concordia Bus de 2002, foi fundamental
no esclarecimento da possibilidade de recorrer a critérios ambientais na
escolha da proposta economicamente mais vantajosa.
O Acórdão reporta-se
a um contrato de aquisição de transportes públicos por parte do município de Helsínquia.
Neste litígio a empresa Concordia Bus interpõe
recurso de anulação da decisão de contratar do município de Helsínquia que adjudicou
a gestão de uma linha de autocarros
urbanos à empresa HKL.
A empresa Concordia Bus
alegou a violação do princípio da não discriminação e da igualdade de
tratamento, uma vez que seriam atribuídos pontos adicionais à proposta que comtemplasse
um conjunto de materiais com determinadas características (respeitadoras do
ambiente), que na realidade só a HKL tinha possibilidade de fornecer.
No entanto, ao contrário do alegado pela
empresa, o TJUE defende na sua apreciação a compatibilidade deste princípio com
as exigências de carácter ambiental.
No caso, todos os critérios
de adjudicação eram objectivos e foram cumpridas as exigências de publicidade,
os critérios foram expressamente mencionados tanto no anúncio como no caderno
de encargos.
O
Tribunal concluiu portanto que sempre que a entidade adjudicante entenda, pode tomar em consideração
critérios ecológicos (tal como o nível de emissão de carbonos ou a poluição sonora)
na adjudicação da proposta economicamente mais vantajosa desde que estes sejam
expressamente mencionados, estejam relacionados com o objecto do concurso e não
sejam apenas uma meio de a entidade conseguir liberdade de escolha ilimitada.
O Tribunal acrescenta ainda que o facto de apenas um
número reduzido de empresas satisfazer o pedido não constitui, por si, a violação
do princípio da igualdade de tratamento. Tudo isto foi mais tarde consagrado nas
Directivas de 2004.
Este acórdão teve também um verdadeiro impacto no
nosso Código de Contratos Públicos nomeadamente nos Art 74º e 75º, relativos
aos critérios de adjudicação. De acordo com estes artigos, desde que respeitadas determinadas condições (que os
critérios estejam directamente ligados com o objecto do contrato; que
a entidade adjudicante não
tenha liberdade absoluta; que os
critérios sejam expressamente
estabelecidos no
anúncio e cadernos de encargos; e que se respeitem os princípios fundamentais dos Tratados) os critérios de adjudicação ambientais podem ser aplicados.
-Diretivas de 2004:
Esclarece a forma como as entidades adjudicantes podem efectivar a aplicação
de políticas ambientais garantido ao mesmo tempo a melhor relação qualidades/preço.
Invoca o acórdão Concordia Bus reafirmando que novas considerações devem ser
tidas em conta no âmbito da contratação pública mas com respeito pelos princípios
fundamentais e dentro de certos limites. A adjudicação deve ter por base critérios objectivos que garantam o respeito pelos princípios da
transparência, da não discriminação e da igualdade de tratamento. Assim,
admite-se a aplicação de dois critérios de adjudicação, o preço mais baixo e a proposta economicamente mais
vantajosa (Artº53º1 CCP, características ambientais como critérios possíveis
de adjudicação).
Em Agosto de 2004 a Comissão lança um manual, A handbook on environmental public procurement , no
qual incentiva o buying green através
de diversas sugestões.
-A Comunicação Interpretativa da Comissão,
O Direito aplicável aos contratos
públicos e as possibilidades de integrar
considerações ambientais na contratação pública de 2001:
Nesta Comunicação a Comissão declara que a mera
visão economicista da contratação pública não é suficiente e devem ser tomadas
em consideração preocupações ambientais. Estas considerações devem ser tomadas
em conta nas diferentes fases de formação de contrato. Na fase inicial do
procedimento, com definição do objecto do contrato, na própria escolha do
procedimento a utilizar, na elaboração do caderno de encargos ou na definição
dos critérios de adjudicação.
Actualmente o Código dos
Contratos Públicos reflecte precisamente o esforço de integração destas
valências. Relativamente ao caderno de encargos, o Código dos Contratos Públicos, no
seu Artº42º, nº6, consagra expressamente
a possibilidade de integrar considerações sociais e ambientais no caderno de encargos. Também no Artº 43º, nº5, alíneas c) e d) se prevê que o projecto de execução deve ser acompanhado, entre outros aspectos, dos estudos ambientais, incluindo a
declaração de impacto ambiental,estudos de
impacto social, económico ou cultural.
O nº7, do Artº49º faz referência à exigência de determinadas especificações
técnicas tais como a utilização de determinados materiais ou a utilização de rótulos
ecológicos. A propósito dos rótulos ecológicos, estes
instrumentos certificam a idoneidade de certos produtos ou serviços oferecendo critérios de
referência transparentes para serem utilizados como especificações técnicas.
- A Comunicação Interpretativa da
Comissão, Contratos públicos para um ambiente melhor de 2008:
Esta comunicação interpretativa é pertinente na medida em
que lança a construção de critérios comuns, ao nível dos contratos ecológicos,
ainda que de forma voluntária. Nesta medida são relevantes os instrumentos de
direito do ambiente no que toca por exemplo a especificações de certos
materiais e à garantia da sua idoneidade. O caminho a percorrer para o futuro
será cada vez mais o da vinculatividade destas exigências.
- A Directiva 2009/33/CE, de 23 de Abril
de 2009, relativa à promoção de veículos de transporte rodoviário não
poluentes e energeticamente eficientes:
A Directiva 2009/33/CE estabelece que na compra de veículos de transporte terrestre, as
entidades adjudicantes têm de ter em conta o impacto ambiental e a eficiência
do ~
veículo a adquirir. A Directiva obriga as entidades a
estabelecer como critérios de adjudicação, entre outros, as emissões
de CO2 e os custos de consumo de energia. Esta
Directiva revela de forma inequívoca a estreita ligação entre o Direito dos
Contratos e o Direito do Ambiente uma vez que exige de forma vinculativa que as
entidades adjudicantes recorram a critérios definidos por este último.
- O Livro Verde de Janeiro de 2011 sobre
a modernização da política de contratos
públicos da União Europeia e os contratos públicos social e ambientalmente responsáveis:
Desenvolve a estratégia Europa
2020 promovendo a utilização da contratação pública como forma de apoiar
objectivos ambientais. Os contratos públicos devem ser encarados como uma forma
de fomentar as políticas de protecção do ambiente e simultaneamente estimular a
inovação comercial. É especialmente relevante a gestão correcta dos fundos públicos
e a optimização dos resultados dos contratos, através de procedimentos mais
eficazes.
Tem especial relevância a Parte 4
do Livro Verde relativa à Utilização
estratégica dos contratos públicos para responder aos novos desafios. As Directivas sobre contratos públicos estabelecem, por
norma, preceitos sobre «como comprar», dando margem de liberdade às entidades adjudicantes sobre o
«que comprar». As entidades adjudicantes têm autonomia para adquirir e
definir as características dos bens e serviços que satisfaçam as suas
necessidades da melhor forma. O Livro Verde de 2011 tem no entanto um caracter inovador
neste âmbito, no sentido em que adiciona às regras sobre «como comprar» a imposição de requisitos obrigatórios quanto ao «que comprar». Assim, temos na verdade uma abertura à imposição de
requisitos obrigatórios cuja definição tem origem do Direito do Ambiente.
***
Tendo
em conta a análise destes pontos-chave na integração de critérios ambientais podemos
agora compreender melhor “as sinergias entre o
Direito dos Contratos Públicos e o Direito do Ambiente”. Uma vez ultrapassada a questão da permissão de utilização de critérios
ambientais no âmbito da contratação pública, o Direito dos Contratos faz
actualmente amplo uso (nas suas diferentes fases do procedimento) dos
instrumentos fornecidos pelo Direito do ambiente, que se tornam cada vez mais
vinculativos.
Compreendemos que para chegarmos ao actual
momento, no qual as considerações ambientais são plenamente integradas no
processo de formação de contratos, foi necessário um longo caminho no qual foi
fundamental o contributo do Direito da União Europeia. Aproximamo-nos, ao nível
ambiental de um conjunto de critérios comuns que devem ser respeitados pelos
diversos Estados-Membros.
1- Vasco Pereira da Silva, Verde Cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente, Almedina, Coimbra, 2002, p. 24.
2- Maria João Estorninho, Green Public Procurement, p.5.
Referências:
Brito
Bastos, Filipe, A escolha de critérios ambientais de adjudicação de contratos públicos -
reflexões de Direito Administrativo nacional e europeu, disponível em http://icjp.pt/content/escolha-de-criterios-ambientais-de-adjudicacao-de-contratos-publicos-reflexoes-de-direito.
Estorninho, Maria João, Green Public Procurement – por uma contratação
pública sustentável,disponível em http://www.icjp.pt/sites/default/files/media/texto_profa_mje.pdf.
Pereira da Silva, Vasco, Verde
Cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente, Almedina, Coimbra,2002
Maria Inês
Matos Cavaco
Nº-21450
4ºano,
subturma 2
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