13 de abril de 2014

Contratação pública verde e Direito do Ambiente: evolução e influência do Direito da União Europeia.

Presentemente, somam-se às finalidades convencionais da contratação pública novas preocupações designadamente, preocupações de carácter ambiental. Este fenómeno que corresponde à promoção de políticas ambientais, no seio da contratação pública é conhecido como contratação verde ou Green Public Procurement.
Tradicionalmente, as considerações ambientais no âmbito da contratação pública foram sendo vistas como secundárias e instrumentais. O abandono desta visão redutora resultou de um conjunto de factores que convergiram, transformando a preservação do meio ambiente num objectivo imperativo na persecução do interesse público e alterando o entendimento relativo à contratação pública, que representa hoje um verdadeiro instrumento de realização das mais variadas políticas ambientais. Relativamente a esta questão, podemos apontar a própria evolução da estrutura do Estado como impulsionadora desta mudança. Tal como evidencia Vasco Pereira da Silva, a problemática ambiental constitui uma das preocupações que ocupa o Estado Pós-Social1. É a própria dimensão estrutural do Estado que permite a diversificação dos seus fins e a procura empenhada da satisfação do interesse publico que envolve actualmente a tutela do ambiente.
Por outro lado, o Direito da União Europeia afectou determinantemente a evolução da implementação de políticas ambientais relevantes nos Estados-Membros. Paralelamente às preocupações economicistas da contracção pública surgem novas metas, designadamente no campo da tutela ambiental. A orientação a nível europeu é a de que o poder de compra da administração pública deve ser usado de forma social e ambientalmente sustentável e responsável. A celebração de contratos públicos ecológicos, por parte da administração pública, tem também a importante função de incentivar o mercado privado a comportar-se da mesma forma. Nos últimos anos foram levadas a cabo iniciativas a nível europeu por forma a incentivar o desenvolvimento destas políticas através de acções de formação dirigidas as entidades adjudicantes.
Contudo, tal como alerta a professora Maria João Estorninho2, os escassos recursos actuais não permitem o desperdício e muito menos a corrupção. É portanto muito relevante a conexão com o Direito da Ambiente, particularmente no desenvolvimento de mecanismos de precaução e aplicação destas políticas nomeadamente através dos rótulos económicos ou das etiquetas públicas e privadas.

No âmbito da evolução do pensamento europeu ao nível da contratação pública verde podemos referir um grande número de comunicações interpretativas, directivas e acórdãos relevantes, que contribuíram em grande medida para a promoção e integração das preocupações ambientais na disciplina dos contratos públicos. Focaremos em seguida as mais relevantes.

- A Cimeira de Cardiff, 1998:
Nesta Cimeira abordou-se um vasto conjunto de questões, sendo que as preocupações ambientais não representaram um ponto primordial de discussão. Ainda assim, desenvolve-se a ideia de uma estratégia global para a aplicação do Principio da Integração Ambiental plasmado no Art 11º dos Tratados. Fica assente a ideia de integração da protecção do ambiente nas políticas comunitárias de forma a alcançar um ambiente sustentável. Consequentemente, a contratação pública deve ser vista como um instrumento de realização destas considerações.  

- O Acórdão do TJUE, Concordia Bus, de 17 de Dezembro de 2002:
 Tendo em conta que as Directivas nada dispunham relativamente a esta matéria, o acórdão Concordia Bus de 2002, foi fundamental no esclarecimento da possibilidade de recorrer a critérios ambientais na escolha da proposta economicamente mais vantajosa.
O Acórdão reporta-se a um contrato de aquisição de transportes públicos por parte do município de Helsínquia. Neste litígio a empresa Concordia Bus interpõe recurso de anulação da decisão de contratar do município de Helsínquia que adjudicou a gestão de uma linha de autocarros urbanos à empresa HKL.
A empresa Concordia Bus alegou a violação do princípio da não discriminação e da igualdade de tratamento, uma vez que seriam atribuídos pontos adicionais à proposta que comtemplasse um conjunto de materiais com determinadas características (respeitadoras do ambiente), que na realidade só a HKL tinha possibilidade de fornecer.
 No entanto, ao contrário do alegado pela empresa, o TJUE defende na sua apreciação a compatibilidade deste princípio com as exigências de carácter ambiental.
No caso, todos os critérios de adjudicação eram objectivos e foram cumpridas as exigências de publicidade, os critérios foram expressamente mencionados tanto no anúncio como no caderno de encargos.
O Tribunal concluiu portanto que sempre que a entidade adjudicante entenda, pode tomar em consideração critérios ecológicos (tal como o nível de emissão de carbonos ou a poluição sonora) na adjudicação da proposta economicamente mais vantajosa desde que estes sejam expressamente mencionados, estejam relacionados com o objecto do concurso e não sejam apenas uma meio de a entidade conseguir liberdade de escolha ilimitada.
O Tribunal acrescenta ainda que o facto de apenas um número reduzido de empresas satisfazer o pedido não constitui, por si, a violação do princípio da igualdade de tratamento. Tudo isto foi mais tarde consagrado nas Directivas de 2004.
Este acórdão teve também um verdadeiro impacto no nosso Código de Contratos Públicos nomeadamente nos Art 74º e 75º, relativos aos critérios de adjudicação. De acordo com estes artigos, desde que respeitadas determinadas condições (que os critérios estejam directamente ligados com o objecto do contrato; que a entidade adjudicante não tenha liberdade absoluta; que os critérios sejam expressamente estabelecidos no anúncio e cadernos de encargos; e que se respeitem os princípios fundamentais dos Tratados) os critérios de adjudicação ambientais podem ser aplicados.

-Diretivas de 2004:
Esclarece a forma como as entidades adjudicantes podem efectivar a aplicação de políticas ambientais garantido ao mesmo tempo a melhor relação qualidades/preço. Invoca o acórdão Concordia Bus reafirmando que novas considerações devem ser tidas em conta no âmbito da contratação pública mas com respeito pelos princípios fundamentais e dentro de certos limites. A adjudicação deve ter por base critérios objectivos que garantam o respeito pelos princípios da transparência, da não discriminação e da igualdade de tratamento. Assim, admite-se a aplicação de dois critérios de adjudicação, o preço mais baixo e a proposta economicamente mais vantajosa (Artº53º1 CCP, características ambientais como critérios possíveis de adjudicação).
Em Agosto de 2004 a Comissão lança um manual, A handbook on environmental public procurement , no qual incentiva o buying green através de diversas sugestões.

-A Comunicação Interpretativa da Comissão, O Direito aplicável aos contratos públicos e as possibilidades de integrar considerações ambientais na contratação pública de 2001:
 Nesta Comunicação a Comissão declara que a mera visão economicista da contratação pública não é suficiente e devem ser tomadas em consideração preocupações ambientais. Estas considerações devem ser tomadas em conta nas diferentes fases de formação de contrato. Na fase inicial do procedimento, com definição do objecto do contrato, na própria escolha do procedimento a utilizar, na elaboração do caderno de encargos ou na definição dos critérios de adjudicação.
 Actualmente o Código dos Contratos Públicos reflecte precisamente o esforço de integração destas valências. Relativamente ao caderno de encargos, o Código dos Contratos Públicos, no seu Artº42º, nº6, consagra expressamente a possibilidade de integrar considerações sociais e ambientais no caderno de encargos. Também no Artº 43º, nº5, alíneas c) e d) se prevê que o projecto de execução deve ser acompanhado, entre outros aspectos, dos estudos ambientais, incluindo a declaração de impacto ambiental,estudos de impacto social, económico ou cultural.
O nº7, do Artº49º faz referência à exigência de determinadas especificações técnicas tais como a utilização de determinados materiais ou a utilização de rótulos ecológicos. A propósito dos rótulos ecológicos, estes instrumentos certificam a idoneidade de certos produtos ou serviços oferecendo critérios de referência transparentes para serem utilizados como especificações técnicas.

- A Comunicação Interpretativa da Comissão, Contratos públicos para um ambiente melhor de 2008:
 Esta comunicação interpretativa é pertinente na medida em que lança a construção de critérios comuns, ao nível dos contratos ecológicos, ainda que de forma voluntária. Nesta medida são relevantes os instrumentos de direito do ambiente no que toca por exemplo a especificações de certos materiais e à garantia da sua idoneidade. O caminho a percorrer para o futuro será cada vez mais o da vinculatividade destas exigências.

- A Directiva 2009/33/CE, de 23 de Abril de 2009, relativa à promoção de veículos de transporte rodoviário não poluentes e energeticamente eficientes:
 A Directiva 2009/33/CE estabelece que na compra de veículos de transporte terrestre, as entidades adjudicantes têm de ter em conta o impacto ambiental e a eficiência do ~
veículo a adquirir. A Directiva obriga as entidades a estabelecer como critérios de adjudicação, entre outros, as emissões de CO2 e os custos de consumo de energia. Esta Directiva revela de forma inequívoca a estreita ligação entre o Direito dos Contratos e o Direito do Ambiente uma vez que exige de forma vinculativa que as entidades adjudicantes recorram a critérios definidos por este último.

- O Livro Verde de Janeiro de 2011 sobre a modernização da política de contratos públicos da União Europeia e os contratos públicos social e ambientalmente responsáveis:
 Desenvolve a estratégia Europa 2020 promovendo a utilização da contratação pública como forma de apoiar objectivos ambientais. Os contratos públicos devem ser encarados como uma forma de fomentar as políticas de protecção do ambiente e simultaneamente estimular a inovação comercial. É especialmente relevante a gestão correcta dos fundos públicos e a optimização dos resultados dos contratos, através de procedimentos mais eficazes.
Tem especial relevância a Parte 4 do Livro Verde relativa à Utilização estratégica dos contratos públicos para responder aos novos desafios. As Directivas sobre contratos públicos estabelecem, por norma, preceitos sobre «como comprar», dando margem de liberdade às entidades adjudicantes sobre o «que comprar». As entidades adjudicantes têm autonomia para adquirir e definir as características dos bens e serviços que satisfaçam as suas necessidades da melhor forma. O Livro Verde de 2011 tem no entanto um caracter inovador neste âmbito, no sentido em que adiciona às regras sobre «como comprar» a imposição de requisitos obrigatórios quanto ao «que comprar». Assim, temos na verdade uma abertura à imposição de requisitos obrigatórios cuja definição tem origem do Direito do Ambiente.
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Tendo em conta a análise destes pontos-chave na integração de critérios ambientais podemos agora compreender melhor “as sinergias entre o Direito dos Contratos Públicos e o Direito do Ambiente”. Uma vez ultrapassada a questão da permissão de utilização de critérios ambientais no âmbito da contratação pública, o Direito dos Contratos faz actualmente amplo uso (nas suas diferentes fases do procedimento) dos instrumentos fornecidos pelo Direito do ambiente, que se tornam cada vez mais vinculativos.
 Compreendemos que para chegarmos ao actual momento, no qual as considerações ambientais são plenamente integradas no processo de formação de contratos, foi necessário um longo caminho no qual foi fundamental o contributo do Direito da União Europeia. Aproximamo-nos, ao nível ambiental de um conjunto de critérios comuns que devem ser respeitados pelos diversos Estados-Membros.

1- Vasco Pereira da Silva, Verde Cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente, Almedina, Coimbra, 2002, p. 24.

2- Maria João Estorninho, Green Public Procurement, p.5.


Referências:

Brito Bastos, Filipe, A escolha de critérios ambientais de adjudicação de contratos públicos - reflexões de Direito Administrativo nacional e europeu, disponível em http://icjp.pt/content/escolha-de-criterios-ambientais-de-adjudicacao-de-contratos-publicos-reflexoes-de-direito.


Estorninho, Maria João,  Green Public Procurement – por uma contratação pública sustentável,disponível em http://www.icjp.pt/sites/default/files/media/texto_profa_mje.pdf.

Pereira da Silva, Vasco, Verde Cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente, Almedina, Coimbra,2002

Maria Inês Matos Cavaco
Nº-21450

4ºano, subturma 2

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