O presente trabalho, apresentado na
forma de post da disciplina de
Direito do Ambiente, sob a regência do Senhor Professor Vasco Pereira da Silva,
tem por objetivo analisar o princípio o poluidor-pagador.
O princípio do poluidor pagador, doravante PPP, surge
como princípio internacional de política do ambiente na Primavera de 1972, numa
Recomendação adotada pelo Conselho da OCDE em 26 de Maio[1].
O ponto 4 do anexo à referida recomendação da OCDE
definia o PPP nos seguintes termos: "O princípio que se usa para afetar os
custos das medidas de prevenção e controlo da poluição, para estimular a
utilização racional dos recursos ambientais escassos e para evitar distorções
ao comércio e ao investimento internacionais, é o designado "princípio do poluidor pagador".
Este princípio significa que o poluidor deve suportar os custos do
desenvolvimento das medidas acima
mencionadas decididas pelas autoridades públicas para assegurar que o
ambiente esteja num estado aceitável. Por outras palavras, o custo destas
medidas deveria refletir-se no preço dos bens e serviços que causam poluição na
produção ou no consumo."
A origem económica do PPP retira-se das duas finalidades formuladas
pela OCDE ("(...) utilização racional dos recursos ambientais escassos e
para evitar distorções ao comércio e ao investimento internacionais,
(...)").
Em Novembro de 1973, o PPP é reconhecido como princípio
base da ação comunitária em matéria de ambiente e é tratado em especial pela
Recomendação do Conselho n.º75/436 de 3 de Março de 1975, relativa à imputação
dos custos e à intervenção dos poderes públicos em matéria de ambiente.[2]
No entanto, é através do Acto Único Europeu que o PPP se
torna um Princípio Constitucional do Direito Comunitário do Ambiente, no artigo
174.º, n.º2 do Tratado da Comunidade Europeia.[3]
São 4 os princípios aqui enunciados:
- o da prevenção;
- o da ação preventiva;
- o da correção,
prioritariamente na fonte, dos danos causados ao ambiente;
- poluidor pagador;
Na opinião da PRF. MARIA ALEXANDRA ARAGÃO, os
três princípios enunciados no art. 174.º/2, juntamente com o PPP, - o da
precaução, o da acção preventiva e o da correção, prioritariamente na fonte,
dos danos causados ao ambiente - são subprincípios
concretizadores do PPP.
O PPP não é um princípio constitucional. O PRF.
DOUTOR VASCO PEREIRA DA SILVA entende que o PPP goza de natureza
constitucional, uma vez que representa um corolário necessário da norma da
alínea h) do n.º2 do artigo 66.º
Atualmente o PPP tem tido uma relevância particular por
respeito a novas Diretivas Comunitárias, com ênfase para a Directiva
35/2004/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho.[4]
Esta directiva surge no quadro da responsabilidade ambiental, baseado no PPP,
com o objetivo de prevenir e reparar danos ambientais de forma a criar um
regime de responsabilidade ambiental por danos ecológicos na União Europeia. A
diretiva, tendo como base o PPP, prevê apenas a reparação de danos ecológicos e
não danos pessoais e patrimoniais, não permitindo qualquer entregar de quantias
pecuniárias a particulares.[5]
Esta directiva foi transporta através do Decreto-lei n.º
147/2008. Este Decreto estabelece o Regime Jurídico da Responsabilidade por
Danos Ambientais, doravante RJRDA. Ao contrário da diretiva que estabelecia um
regime de prevenção e reparação de danos ecológicos, afastando a possibilidade
de indemnizar particular, o RJRDA prevê a indemnização de danos individuais.
Os
fins do Princípio do Poluidor Pagador
Há uma grande divergência nesta matéria. A finalidade do
PPP, varia de acordo com a interpretação que se faz, isto é, se o PPP se
identifica ou não com o princípio da responsabilidade. Autores como Araújo de
Barros, Jean Duren e Manuela Flores defendem que o PPP é um princípio de
responsabilidade civil, pelo contrário, Gomes Canotilho e Maria Alexandra
Aragão não seguem este entendimento. Estes defendem que os fins do PPP são a
precaução e prevenção de danos ao ambiente e a justiça redistributiva dos
custos das medidas públicas de luta contra a degradação do ambiente.[6]
Há no entanto, um consenso generalizado em considerar que
o PPP comporta uma característica preventiva e uma característica reparatória.
A prevenção ocorre
quando há certeza de que a atividade irá produzir dano. O poluidor tem duas
escolhas: ou pára de poluir ou suporta um custo económico em favor do Estado
que deve afetar as verbas obtidas a ações de proteção do ambiente. No
ordenamento jurídico interno encontramos o princípio da prevenção consagrado na
Constituição da República Portuguesa (CRP), no artigo 66.º, n.º2, alínea a).
A precaução
aplica-se quando há suspeitas de uma atividade poder provocar danos ao ambiente
- atividade potencialmente poluente.
O fim de prevenção-precaução do PPP significa que os poluidores
devem suportar os custos de todas as medidas, adotadas por si próprios ou pelos
poderes públicos, necessários para precaver e prevenir a poluição e ainda os
custos de atualização das medidas.[7]
Como já referido anteriormente, outra das finalidades do
PPP é a redistribuição. A
redistribuição implica que haja um equilíbrio entre as receitas públicas que
resultam de pagamentos dos poluidores ao Estado e as despesas públicas que
devem visar a proteção preventiva do ambiente e a reconstituição in natura, ou seja, reconstituir a
situação que existiria se não se tivesse verificado o dano, quando esta seja
possível.
Refletindo um pouco sobre o princípio da prevenção, quando dá a hipótese de o poluidor escolher
parar de poluir ou suportar um custo económico, poderemos colocar a seguinte
questão: não será o PPP uma permissão
para poluir?
À primeira vista, a resposta
parece ser afirmativa, uma vez que no caso de o poluidor ter possibilidades,
suportará sempre o custo económico, em prol da sua atividade económica e em prejuízo
do ambiente. No entanto, ao concretizarmos o PPP, compreendemos que não será
bem assim. O PPP não se baseia numa fórmula automática de compensação pelo dano
causado. A finalidade do PPP é e deve ser a reparação do dano através de uma
reconstituição in natura. Deverá
haver sempre, em primeira linha, uma reparação o mais próximo possível.
A reparação natural concretiza-se de duas formas: recuperação in natura e compensação ecológica. Esta
última só deverá aplicar-se quando a primeira não seja possível.
Vejamos um exemplo em que a reparação natural se
concretizou numa compensação:
- "Caso das Cegonhas de
Coruche" nos anos 90, a lesante foi obrigada nos termos do art. 48.º da
Lei de Bases do Ambiente, a ressarcir o dano ambiental através de suportes
artificiais que funcionassem como habitat dos ninhos abatidos. Há uma
substituição do bem lesado por outro semelhante.
No caso de haver impossibilidade se aplicar qualquer uma
das medidas da reparação natural, recorre-se à última possibilidade: indemnização pecuniária. Esta medida
levanta numerosas questões, nomeadamente, como se calcula esta indemnização? Como
se indemniza economicamente um dano ambiental? De que forma se defende o
ambiente através de uma indemnização pecuniária? Qual o destinatário da mesma?
Esta indemnização deverá ser
entregue a um Fundo específico. Este deverá usar a indemnização na prevenção,
precaução e reparação do ambiente.
Quem
é o poluidor?
Quando a poluição decorre do processo produtivo de um
bem, o poluidor será o produtor desse bem. Esta é uma situação de solução
fácil. No entanto, nem sempre será assim. Quem é o poluidor que deve pagar se:[8]
- a poluição não decorre do
processo produtivo, mas do bem produzido?
-a poluição decorre do
processo e do produto?
- a poluição resulta da
conjugação simultânea de várias causas - poluição
cumulativa?
- a poluição decorre da
sucessão de várias dessas causas - poluição
em cadeia?
A posição da Comunidade
Europeia sobre esta questão vem expressa na Comunicação anexa à Recomendação do
Conselho 75/436, de 1975. O poluidor é definido como "aquele que degrada direta
ou indiretamente o ambiente ou cria condições que levam à sua degradação."
A referida comunicação estabelece ainda dois
critérios práticos para a imputação de custos quando a determinação do poluidor
se revele impossível:
a) eficiência económica e
administrativa da imputação dos custos;
b) capacidade de
internalização dos custos pelos visados;
Com a aplicação destes critérios, os custos da poluição
são imputados à categoria de poluidores mais fácil de controlar e que poderão
contribuir mais eficazmente para a melhoria do ambiente. Há no entanto que
notar o seguinte: uma das consequências desta imputação aos produtores, será o
aumento dos preços dos bens produzidos. Irá haver uma repercussão da imputação dos custos nos consumidores.
Perguntamos o seguinte: Quem é afinal o verdadeiro pagador?
Nas palavras de MARIA ALEXANDRA ARAGÃO, nos
casos de poluição cumulativa (a poluição
é ocasionada por uma atividade semelhante e contemporânea desenvolvida por vários
sujeitos) os poluidores que devem pagar são todos, pois todos contribuem, com a
sua conduta, para a poluição.[9]
Já nas cadeias de poluidores (há
diversos sujeitos a contribuir, com as respetivas atividades, para a poluição,
mas as atividades desenvolvidas são diferentes - extração, transformação,
transporte, abandono ou reciclagem) há que averiguar, no caso concreto, quem é
o poluidor que melhor pode controlar as condições que estão na origem da
poluição.
Por tudo o que aqui foi dito, em nossa opinião, a principal
finalidade do PPP é reparar o dano ocorrido através de um ressarcimento in natura. O PPP concretiza-se na
reparação do dano ambiental. Não defendemos que o PPP se identifica com a
responsabilidade civil, no entanto aquele só se é eficaz se interagir com este.
Isto é, havendo um dano é necessário proceder à sua reparação, aquele que polui
deve ser responsabilizado, através da responsabilidade civil. Caso contrário, o PPP poderia não ter a
eficácia que pretende, uma vez que como dito anteriormente, poderíamos cair num
"direito de comprar poluição".
[1] Intitulada "Guiding Principles
Concerning International Economic Aspects of Environmental Policies"
[2] MARIA
ALEXANDRA ARAGÃO, "O princípio do poluidor pagador - Pedra Angular da
política comunitária do ambiente", Coimbra, 1997
[3] Art.
174.º/2 TCE - "A política da Comunidade no domínio do ambiente visará a um
nível de proteção elevando, tendo em conta a diversidade das situações
existentes nas diferentes regiões da Comunidade. Basear-se-á nos princípios da
precaução e da ação preventiva, da correção, prioritariamente na fonte, dos
danos causados ao ambiente, e do poluidor pagador."
[4]
Doravante desiganda por Diretiva.
[5] JOSÉ DE
SOUSA CUNHAL SENDIM, Responsabilidade Civil por Danos Ecológicos - Da Reparação
do Dano através de Restauração Natural, Coimbra Editora, 1998, caracteriza dano
ecológico como uma "perturbação do património natural que afecte a
capacidade funcional ecológica e a capacidade de aproveitamento humano de tais
bens tutelada pelo sistema jurídico-ambiental".
[6] JOSÉ
GOMES CANOTILHO, Introdução ao Direito do
Ambiente, Universidade Aberta, 1998
[7]MARIA
ALEXANDRA ARAGÃO, "O princípio do poluidor pagador - Pedra Angular da
política comunitária do ambiente", Coimbra, 1997
[8] ISABEL
MARQUES DA SILVA, Estudos do Direito do
Ambiente, Porto, 2003
[9] MARIA
ALEXANDRA ARAGÃO, "O princípio do poluidor pagador - Pedra Angular da
política comunitária do ambiente", Coimbra, 1997
Sem comentários:
Enviar um comentário