13 de abril de 2014

PRINCÍPIO DO POLUIDOR PAGADOR

            O presente trabalho, apresentado na forma de post da disciplina de Direito do Ambiente, sob a regência do Senhor Professor Vasco Pereira da Silva, tem por objetivo analisar o princípio o poluidor-pagador.
            O princípio do poluidor pagador, doravante PPP, surge como princípio internacional de política do ambiente na Primavera de 1972, numa Recomendação adotada pelo Conselho da OCDE em 26 de Maio[1].
            O ponto 4 do anexo à referida recomendação da OCDE definia o PPP nos seguintes termos: "O princípio que se usa para afetar os custos das medidas de prevenção e controlo da poluição, para estimular a utilização racional dos recursos ambientais escassos e para evitar distorções ao comércio e ao investimento internacionais, é o designado "princípio do poluidor pagador". Este princípio significa que o poluidor deve suportar os custos do desenvolvimento das medidas acima  mencionadas decididas pelas autoridades públicas para assegurar que o ambiente esteja num estado aceitável. Por outras palavras, o custo destas medidas deveria refletir-se no preço dos bens e serviços que causam poluição na produção ou no consumo."
            A origem económica do PPP retira-se das duas finalidades formuladas pela OCDE ("(...) utilização racional dos recursos ambientais escassos e para evitar distorções ao comércio e ao investimento internacionais, (...)").
            Em Novembro de 1973, o PPP é reconhecido como princípio base da ação comunitária em matéria de ambiente e é tratado em especial pela Recomendação do Conselho n.º75/436 de 3 de Março de 1975, relativa à imputação dos custos e à intervenção dos poderes públicos em matéria de ambiente.[2]
            No entanto, é através do Acto Único Europeu que o PPP se torna um Princípio Constitucional do Direito Comunitário do Ambiente, no artigo 174.º, n.º2 do Tratado da Comunidade Europeia.[3] São 4 os princípios aqui enunciados:
- o da prevenção;
- o da ação preventiva;
- o da correção, prioritariamente na fonte, dos danos causados ao ambiente;
- poluidor pagador;
            Na opinião da PRF. MARIA ALEXANDRA ARAGÃO, os três princípios enunciados no art. 174.º/2, juntamente com o PPP, - o da precaução, o da acção preventiva e o da correção, prioritariamente na fonte, dos danos causados ao ambiente - são subprincípios concretizadores do PPP.
            O PPP não é um princípio constitucional. O PRF. DOUTOR VASCO PEREIRA DA SILVA entende que o PPP goza de natureza constitucional, uma vez que representa um corolário necessário da norma da alínea h) do n.º2 do artigo 66.º
            Atualmente o PPP tem tido uma relevância particular por respeito a novas Diretivas Comunitárias, com ênfase para a Directiva 35/2004/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho.[4] Esta directiva surge no quadro da responsabilidade ambiental, baseado no PPP, com o objetivo de prevenir e reparar danos ambientais de forma a criar um regime de responsabilidade ambiental por danos ecológicos na União Europeia. A diretiva, tendo como base o PPP, prevê apenas a reparação de danos ecológicos e não danos pessoais e patrimoniais, não permitindo qualquer entregar de quantias pecuniárias a particulares.[5]
            Esta directiva foi transporta através do Decreto-lei n.º 147/2008. Este Decreto estabelece o Regime Jurídico da Responsabilidade por Danos Ambientais, doravante RJRDA. Ao contrário da diretiva que estabelecia um regime de prevenção e reparação de danos ecológicos, afastando a possibilidade de indemnizar particular, o RJRDA prevê a indemnização de danos individuais.


Os fins do Princípio do Poluidor Pagador

            Há uma grande divergência nesta matéria. A finalidade do PPP, varia de acordo com a interpretação que se faz, isto é, se o PPP se identifica ou não com o princípio da responsabilidade. Autores como Araújo de Barros, Jean Duren e Manuela Flores defendem que o PPP é um princípio de responsabilidade civil, pelo contrário, Gomes Canotilho e Maria Alexandra Aragão não seguem este entendimento. Estes defendem que os fins do PPP são a precaução e prevenção de danos ao ambiente e a justiça redistributiva dos custos das medidas públicas de luta contra a degradação do ambiente.[6]
            Há no entanto, um consenso generalizado em considerar que o PPP comporta uma característica preventiva e uma característica reparatória.
            A prevenção ocorre quando há certeza de que a atividade irá produzir dano. O poluidor tem duas escolhas: ou pára de poluir ou suporta um custo económico em favor do Estado que deve afetar as verbas obtidas a ações de proteção do ambiente. No ordenamento jurídico interno encontramos o princípio da prevenção consagrado na Constituição da República Portuguesa (CRP), no artigo 66.º, n.º2, alínea a).
            A precaução aplica-se quando há suspeitas de uma atividade poder provocar danos ao ambiente - atividade potencialmente poluente.
            O fim de prevenção-precaução do PPP significa que os poluidores devem suportar os custos de todas as medidas, adotadas por si próprios ou pelos poderes públicos, necessários para precaver e prevenir a poluição e ainda os custos de atualização das medidas.[7]
            Como já referido anteriormente, outra das finalidades do PPP é a redistribuição. A redistribuição implica que haja um equilíbrio entre as receitas públicas que resultam de pagamentos dos poluidores ao Estado e as despesas públicas que devem visar a proteção preventiva do ambiente e a reconstituição in natura, ou seja, reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o dano, quando esta seja possível.
            Refletindo um pouco sobre o princípio da prevenção, quando dá a hipótese de o poluidor escolher parar de poluir ou suportar um custo económico, poderemos colocar a seguinte questão: não será o PPP uma permissão para poluir?
À primeira vista, a resposta parece ser afirmativa, uma vez que no caso de o poluidor ter possibilidades, suportará sempre o custo económico, em prol da sua atividade económica e em prejuízo do ambiente. No entanto, ao concretizarmos o PPP, compreendemos que não será bem assim. O PPP não se baseia numa fórmula automática de compensação pelo dano causado. A finalidade do PPP é e deve ser a reparação do dano através de uma reconstituição in natura. Deverá haver sempre, em primeira linha, uma reparação o mais próximo possível.
A reparação natural concretiza-se de duas formas: recuperação in natura e compensação ecológica. Esta última só deverá aplicar-se quando a primeira não seja possível.
            Vejamos um exemplo em que a reparação natural se concretizou numa compensação:
- "Caso das Cegonhas de Coruche" nos anos 90, a lesante foi obrigada nos termos do art. 48.º da Lei de Bases do Ambiente, a ressarcir o dano ambiental através de suportes artificiais que funcionassem como habitat dos ninhos abatidos. Há uma substituição do bem lesado por outro semelhante.
            No caso de haver impossibilidade se aplicar qualquer uma das medidas da reparação natural, recorre-se à última possibilidade: indemnização pecuniária. Esta medida levanta numerosas questões, nomeadamente, como se calcula esta indemnização? Como se indemniza economicamente um dano ambiental? De que forma se defende o ambiente através de uma indemnização pecuniária? Qual o destinatário da mesma?
Esta indemnização deverá ser entregue a um Fundo específico. Este deverá usar a indemnização na prevenção, precaução e reparação do ambiente.


Quem é o poluidor?

            Quando a poluição decorre do processo produtivo de um bem, o poluidor será o produtor desse bem. Esta é uma situação de solução fácil. No entanto, nem sempre será assim. Quem é o poluidor que deve pagar se:[8]
- a poluição não decorre do processo produtivo, mas do bem produzido?
-a poluição decorre do processo e do produto?
- a poluição resulta da conjugação simultânea de várias causas - poluição cumulativa?
- a poluição decorre da sucessão de várias dessas causas - poluição em cadeia?
A posição da Comunidade Europeia sobre esta questão vem expressa na Comunicação anexa à Recomendação do Conselho 75/436, de 1975. O poluidor é definido como "aquele que degrada direta ou indiretamente o ambiente ou cria condições que levam à sua degradação." A referida comunicação estabelece ainda dois critérios práticos para a imputação de custos quando a determinação do poluidor se revele impossível:
a) eficiência económica e administrativa da imputação dos custos;
b) capacidade de internalização dos custos pelos visados;
            Com a aplicação destes critérios, os custos da poluição são imputados à categoria de poluidores mais fácil de controlar e que poderão contribuir mais eficazmente para a melhoria do ambiente. Há no entanto que notar o seguinte: uma das consequências desta imputação aos produtores, será o aumento dos preços dos bens produzidos. Irá haver uma  repercussão da imputação dos custos nos consumidores. Perguntamos o seguinte: Quem é afinal o verdadeiro pagador?
            Nas palavras de MARIA ALEXANDRA ARAGÃO, nos casos de poluição cumulativa (a poluição é ocasionada por uma atividade semelhante e contemporânea desenvolvida por vários sujeitos) os poluidores que devem pagar são todos, pois todos contribuem, com a sua conduta, para a poluição.[9] Já nas cadeias de poluidores (há diversos sujeitos a contribuir, com as respetivas atividades, para a poluição, mas as atividades desenvolvidas são diferentes - extração, transformação, transporte, abandono ou reciclagem) há que averiguar, no caso concreto, quem é o poluidor que melhor pode controlar as condições que estão na origem da poluição.


            Por tudo o que aqui foi dito, em nossa opinião, a principal finalidade do PPP é reparar o dano ocorrido através de um ressarcimento in natura. O PPP concretiza-se na reparação do dano ambiental. Não defendemos que o PPP se identifica com a responsabilidade civil, no entanto aquele só se é eficaz se interagir com este. Isto é, havendo um dano é necessário proceder à sua reparação, aquele que polui deve ser responsabilizado, através da responsabilidade civil.  Caso contrário, o PPP poderia não ter a eficácia que pretende, uma vez que como dito anteriormente, poderíamos cair num "direito de comprar poluição".




[1] Intitulada "Guiding Principles Concerning International Economic Aspects of Environmental Policies"
[2] MARIA ALEXANDRA ARAGÃO, "O princípio do poluidor pagador - Pedra Angular da política comunitária do ambiente", Coimbra, 1997
[3] Art. 174.º/2 TCE - "A política da Comunidade no domínio do ambiente visará a um nível de proteção elevando, tendo em conta a diversidade das situações existentes nas diferentes regiões da Comunidade. Basear-se-á nos princípios da precaução e da ação preventiva, da correção, prioritariamente na fonte, dos danos causados ao ambiente, e do poluidor pagador."
[4] Doravante desiganda por Diretiva.
[5] JOSÉ DE SOUSA CUNHAL SENDIM, Responsabilidade Civil por Danos Ecológicos - Da Reparação do Dano através de Restauração Natural, Coimbra Editora, 1998, caracteriza dano ecológico como uma "perturbação do património natural que afecte a capacidade funcional ecológica e a capacidade de aproveitamento humano de tais bens tutelada pelo sistema jurídico-ambiental".
[6] JOSÉ GOMES CANOTILHO, Introdução ao Direito do Ambiente, Universidade Aberta, 1998
[7]MARIA ALEXANDRA ARAGÃO, "O princípio do poluidor pagador - Pedra Angular da política comunitária do ambiente", Coimbra, 1997

[8] ISABEL MARQUES DA SILVA, Estudos do Direito do Ambiente, Porto, 2003
[9] MARIA ALEXANDRA ARAGÃO, "O princípio do poluidor pagador - Pedra Angular da política comunitária do ambiente", Coimbra, 1997

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