A Constituição da República Portuguesa consagra vários princípios atinentes à tutela do ambiente, pois estabelece que promover a efectivação dos direitos ambientais e defender a natureza e o ambiente são duas das tarefas fundamentais do Estado, artigo 9, alínea d) e alínea e).
Desta forma, surge-nos no artigo 66/2 a consagração do principio da prevenção que nos indica que o Estado deve "prevenir e controlar a poluição e os seus efeitos e as formas prejudiciais de erosão" e, também no artigo 3, alínea a) da Lei de Bases do Ambiente que estipula que "as actuações com efeitos imediatos ou a prazo no ambiente devem ser consideradas de forma antecipada, reduzindo ou eliminando as causas, prioritariamente à correcção dos efeitos dessas acções ou actividades susceptíveis de alterarem a qualidade do ambiente, sendo o poluidor obrigado a corrigir ou recuperar o ambiente, suportando os encargos daí resultantes, não lhe sendo permitido continuar a acção poluente".
Assim, podemos dizer que o principio da prevenção tem uma lógica que preside de facto ao Direito do Ambiente, na medida em que visa prevenir ou evitar lesões do ambiente, quer de origem natural, quer de origem humana, pelo que, tal como refere o Professor Vasco Pereira da Silva, a prevenção acarreta necessariamente a lógica de um juízo de prognose, implica a capacidade de antecipar as situações potencialmente perigosas para o meio ambiente, ou seja, a capacidade de conseguir identificar os perigos e os danos que podem atingir os componentes ambientais, de modo a que, seja possível a adopção dos meios mais adequados para afastar a sua verificação, ou, pelo menos, minorar as suas consequências, pois é preferível adoptar medidas preventivas do que tentar corrigir a situação depois de os danos já terem ocorrido, pois por vezes já não será possível actuar, como por exemplo, no caso das espécies animais em vias de extinção, em que se não forem aplicadas medidas de prevenção, já não haverá nada que se possa fazer.
Portanto, e como refere a Professora Alexandra Aragão, o principio da prevenção tem como objectivo evitar riscos comprovados, sendo por isso essencialmente um principio reactivo, que se "opõe" de certa forma, ao princípio da precaução, em relação ao qual a Professora considera ser necessário que Portugal reforce o seu conhecimento e promova a sua clarificação pois apesar deste principio estar totalmente consagrado na doutrina europeia, gozando de plena "unção jurisdicional" dos tribunais europeus, continua a ser doutrinalmente polémico a nível nacional, existindo dificuldades de aplicação pelos tribunais portugueses.
Segundo a Professora, o princípio da precaução intervém em situações de riscos graves e de incertezas significativas sobre se um certo comportamento irá ou não provocar lesões para o ambiente, ou seja, situações em que existe uma dúvida mas também uma probabilidade de que aquele comportamento possa afectar os componentes ambientais, pelo que se destina a controlar riscos hipotéticos ou potenciais numa lógica proactiva.
Assim sendo, podemos dizer que a lógica da prevenção se destina a casos em que o perigo é concretizável, que se sabe que vai ocorrer e que por isso são necessárias medidas de prevenção para que não aconteça, enquanto que a precaução se destina a riscos que ainda não são concretizáveis, que podem ou não vir a ocorrer, havendo incerteza científica.
Da dicotomia entre estes dois princípios surgiu uma divergência na doutrina devido ao facto de parte da doutrina considerar que o principio da prevenção e o princípio da precaução são dois princípios similares e, por isso, não se deve autonomizar o princípio da precaução até porque não existem critérios que nos permitam diferenciar a prevenção da precaução uma vez que se usa a palavra prevenção para definir a palavra precaução.
Posto isto, o Professor Vasco Pereira da Silva entende que, embora se possa até considerar que o princípio da prevenção e o principio da precaução são dois princípios diferentes, não há dúvida nenhuma que estão interligados e, por isso, defende que "mais do que à autonomização de uma "incerta" precaução, julgo preferível adoptar um conteúdo amplo para o principio da prevenção, de modo a incluir nele a consideração tanto de perigos naturais como de riscos humanos, tanto a antecipação de lesões ambientais de carácter actual como de futuro, sempre de acordo com critérios de razoabilidade e bom senso", pois não faz sentido estabelecer áreas reservadas muito fixas para o princípio da prevenção e para o princípio da precaução porque são duas realidades similares.
Contrariamente, a Professor Alexandra Aragão pretende desmitificar o principio da precaução, quando apontado como um conceito fluído e sem consistência, defendendo que é um princípio racional e cientificamente fundado de "responsabilidade pelo futuro", que serve como "Plano B", estando destinado a regular aqueles que são considerados como os "novos riscos" ambientais, que se caracterizam por serem riscos globais, retardados e irreversíveis.
Considera que o princípio da precaução não é motivo de bloqueio do desenvolvimento científico, mas antes uma fonte de progresso científico, que atenua a insegurança jurídica, sendo um princípio de justiça visto que protege principalmente a parte mais frágil, aqueles que não têm condições de se proteger a si próprios dos riscos da sociedade.
Bibliografia:
- Aragão, Alexandra, Princípio da Precaução: manual de instruções, in Revista do CEDOUA, ano 11, n2 (2008);
- Aragão, Alexandra, Aplicação Nacional do Princípio da Precaução, in Colóquios, 2011-2012 (Associação dos Magistrados de Jurisdição Administrativa e Fiscal Portuguesa), 2013;
- Aragão, Alexandra, Dimensões Europeias do Princípio da Precaução, in RFDUP, ano 7, 2010;
- Silva, Vasco Pereira da, Verde Cor de Direito - Lições de Direito do Ambiente, Coimbra, Almedina, 2002
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