13 de abril de 2014

O princípio da prevenção e as consequências imagináveis


“…se antes de cada acto nosso nos puséssemos a prever todas as consequências dele, a pensar nelas a sério, primeiro as imediatas, depois as prováveis, depois as possíveis, depois as imagináveis, não chegaríamos sequer a mover-nos de onde o primeiro pensamento nos tivesse feito parar. Os bons e maus resultados dos nossos ditos e obras vão-se distribuindo, supõe-se que de uma forma bastante uniforme e equilibrada, por todos os dias do futuro, incluindo aqueles, infindáveis, em que já cá não estaremos para poder comprová-lo, para congratular-nos ou pedir perdão…” José Saramago

A consciência do impacto que a actuação do Homem pode ter no meio, aliada à perceção da fragilidade e perenidade dos recursos naturais, constituem as principais causas do despoletar da importância do Direito do Ambiente na actualidade. Na verdade, é com a crise do Estado Social, no final dos anos 60 e início dos anos 70, que a crise petrolífera originou uma “tomada de consciência dos limites do crescimento económico e da esgotabilidade dos recursos naturais”[i]. Em Portugal, foi apenas depois do 25 de Abril, já em 1976 que o Direito ao Ambiente foi consagrado constitucionalmente – no artigo 66º.

Antes de mais, cabe acrescentar que o princípio da prevenção, no seu sentido amplo, tem de ser transversal a qualquer política de protecção do ambiente. Este será o primeiro dos princípios, considerado o pilar do Direito do Ambiente[ii].

Na Conferência do Rio, em 1992, foi apresentado formalmente o princípio da precaução, como “garantia para potenciais riscos que, de acordo com o actual estado do conhecimento, não possam ainda ser identificados.” Mais complexo é determinar em que ponto este se autonomiza do princípio da prevenção. Existe alguma indeterminabilidade quanto aos critérios utilizados para delimitar este princípio: “É ainda difícil apresentar uma formulação consensual do princípio da precaução”[iii]. A formulação da precaução enquanto princípio molda-se em torno da incerteza científica quanto ao nexo de causalidade entre a acção humana e o dano produzido no ambiente, e a graus de probabilidade, o que torna muito difícil a sua aplicação.

Vasco Pereira da Silva, considera inadequado distinguir a prevenção da lógica da precaução[iv] – argumentos que reconduz a três ordens de razão: de natureza linguística, que se prendem com a inutilidade de introduzir uma diferenciação aparente entre os termos que não encontra correspondência na linguagem comum; de técnica jurídica, pois como a prevenção em matéria ambiental é consagrada constitucionalmente, ao adoptarmos uma visão ampla do preceito, garantimos uma melhor tutela do ambiente; por último, razões que se prendem com critérios materiais, pois defende-se que o princípio da prevenção se referiria a perigos com certa actualidade e causados por factores naturais, enquanto a precaução aludiria a riscos de danos futuros e causados por acções humanas. A este entendimento, obsta a distinção entre prevenção e precaução não ser inequívoca, dada a interligação dos fenómenos e a pluralidade de causas que os originam, pelo que não são líquidas as causas e os agentes de determinado fenómeno. Também envolve arrojados juízos de prognose aquando da valoração de uma acção como danosa para o ambiente.

 
Assim sendo, o professor considera que a melhor forma de tutelar os valores ambientais é encarar o princípio da prevenção num sentido amplo, segundo uma lógica de bom-senso e razoabilidade. É necessário cuidado, "precaução", na aplicação destes critérios, nunca esquecendo que "O bom senso é a coisa mais bem distribuída do mundo: todos pensamos tê-lo em tal medida que até os mais difíceis de se contentar nas outras coisas não costumam desejar mais bom senso do que têm.".

 
Se é verdade que a precaução pretende compreender riscos com um grau de probabilidade de verificação muito diminuto, não é menos verdade que os mesmos possam ser inseridos na lógica da prevenção. Também este último conceito tem de ser suficientemente maleável e abrangente, de forma a integrar situações em que certos interesses, pela importância que revestem, têm de prevalecer face aos riscos eventuais, ainda que de verificação muito pouco provável – atendendo à lógica de causalidade entre a acção e o dano. Podemos assim acrescentar outro critério aos do bom-senso e razoabilidade, o da verosimilhança[v], que determina que, independentemente das probabilidades serem diminutas, é importante apurar a ocorrência do dano ser plausível, crível.

 No fundo, precaução e prevenção podem reconduzir-se a um só princípio, sem se evitar os excessos que a autonomização deste último poderia potenciar – em última análise, não podemos falar em “risco zero” em matéria ambiental, como também é naturalisticamente impossível prever todos os efeitos de uma determinada acção.

Se adoptássemos um entendimento estrito do princípio da precaução, isso conduzir-nos-ia a uma paralisação de qualquer actividade potencialmente danosa para o ambiente. Em primeiro lugar, determinar quais os critérios para aferir se um comportamento acarretará riscos, actual ou futuramente, para o ambiente, parece inviável e impossível. Por outro lado, estamos perante um conflito entre o direito ao ambiente (art.66º CRP) e o direito à livre iniciativa económica (art.61º CRP), ambos consagrados constitucionalmente.

Em relação ao princípio da precaução, o meu entendimento é de que, no seguimento das posições dos Professores Vasco Pereira da Silva[vi] e José Gomes Canotilho, uma vez que o princípio da precaução não tem expressa consagração constitucional, este nunca poderia restringir a livre iniciativa económica[vii].

A actividade económica ficar condicionada por riscos que não reúnem consenso na comunidade científica, parece-me excessivo, bastante condicionador e restritivo das necessidades da vida contemporânea.

Em suma, aceito uma visão abrangente, ampla, do princípio da prevenção. Esta noção não pode ser fechada, e deve conseguir incluir situações que se consubstanciem em verdadeiros “riscos”, quando, atendendo ao bom-senso, razoabilidade e verosimilhança, possa ocorrer um verdadeiro dano. Contudo, uma concepção demasiado restritiva do princípio da precaução pode ser perigosa, na medida em que pode motivar eco-fundamentalismos[viii] e uma paralisação da actividade económica. No limite, e numa visão bastante extremista, qualquer actividade é idónea a provocar danos ambientais, imediata ou futuramente.
 Inês Tamissa de Barros, aluna 20813




[i] Pereira da SIlva, Vasco; Verde Cor de Direito, pag.18;
[ii] Amado Gomes, Carla; Introdução ao Direito do Ambiente, pag. 89;
[iii] Amado Gomes, Carla; A prevenção à prova no direito do ambiente, pag.32;
[iv] Pereira da SIlva, Vasco;Verde Cor de Direito, pags. 68-70;
[v]  Sousa Aragão, Maria ALexandra; O princípio do dNível Elevado de Protecção e a Renovação Ecológica do Direito do AMbiente e dos Resíduos, pag.212;
[vi] Pereira da Silva, Vasco; Verde Cor de Direito, pag. 71;
[vii] Contra esta posição, o Professor Jorge Reis Novais, “(…) o candidato a prevalecer sobre o direito fundamental, ou, mais rigorosamente, sobre o interesse jusfundamentalmente protegido, seja um bem, princípio ou interesse que não possua reconhecimento constitucional expresso mas que, todavia, possa reivindicar nas circunstâncias do caso concreto, não obstante a sua natureza infraconstitucional, um peso substancial que se imponha ao peso, de sentido oposto, do bem jusfundamental.”
[viii] Pereira da Silva, Vaco; Verde Cor de Direito, pag.70.

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