“…se antes de cada acto
nosso nos puséssemos a prever todas as consequências dele, a pensar nelas a
sério, primeiro as imediatas, depois as prováveis, depois as possíveis, depois
as imagináveis, não chegaríamos sequer a mover-nos de onde o primeiro pensamento
nos tivesse feito parar. Os bons e maus resultados dos nossos ditos e obras
vão-se distribuindo, supõe-se que de uma forma bastante uniforme e equilibrada,
por todos os dias do futuro, incluindo aqueles, infindáveis, em que já cá não
estaremos para poder comprová-lo, para congratular-nos ou pedir perdão…” José
Saramago
A consciência
do impacto que a actuação do Homem pode ter no meio, aliada à perceção da
fragilidade e perenidade dos recursos naturais, constituem as principais causas
do despoletar da importância do Direito do Ambiente na actualidade. Na verdade,
é com a crise do Estado Social, no final dos anos 60 e início dos anos 70, que
a crise petrolífera originou uma “tomada de consciência dos limites do
crescimento económico e da esgotabilidade dos recursos naturais”[i].
Em Portugal, foi apenas depois do 25 de Abril, já em 1976 que o Direito ao
Ambiente foi consagrado constitucionalmente – no artigo 66º.
Antes de mais,
cabe acrescentar que o princípio da prevenção, no seu sentido amplo, tem de ser
transversal a qualquer política de protecção do ambiente. Este será o primeiro
dos princípios, considerado o pilar do Direito do Ambiente[ii].
Na Conferência
do Rio, em 1992, foi apresentado formalmente o princípio da precaução, como
“garantia para potenciais riscos que, de acordo com o actual estado do
conhecimento, não possam ainda ser identificados.” Mais complexo é determinar
em que ponto este se autonomiza do princípio da prevenção. Existe alguma
indeterminabilidade quanto aos critérios utilizados para delimitar este
princípio: “É ainda difícil apresentar uma formulação consensual do princípio
da precaução”[iii]. A
formulação da precaução enquanto princípio molda-se em torno da incerteza
científica quanto ao nexo de causalidade entre a acção humana e o dano produzido
no ambiente, e a graus de probabilidade, o que torna muito difícil a sua
aplicação.
Vasco Pereira
da Silva, considera inadequado distinguir a prevenção da lógica da precaução[iv]
– argumentos que reconduz a três ordens de razão: de natureza linguística, que se prendem com a inutilidade de
introduzir uma diferenciação aparente entre os termos que não encontra
correspondência na linguagem comum; de técnica
jurídica, pois como a prevenção em matéria ambiental é consagrada
constitucionalmente, ao adoptarmos uma visão ampla do preceito, garantimos uma
melhor tutela do ambiente; por último, razões que se prendem com critérios materiais, pois defende-se
que o princípio da prevenção se referiria a perigos com certa actualidade e
causados por factores naturais, enquanto a precaução aludiria a riscos de danos
futuros e causados por acções humanas. A este entendimento, obsta a distinção
entre prevenção e precaução não ser inequívoca, dada a interligação dos
fenómenos e a pluralidade de causas que os originam, pelo que não são líquidas
as causas e os agentes de determinado fenómeno. Também envolve arrojados juízos
de prognose aquando da valoração de uma acção como danosa para o ambiente.
Assim sendo, o
professor considera que a melhor forma de tutelar os valores ambientais é
encarar o princípio da prevenção num sentido amplo, segundo uma lógica de bom-senso
e razoabilidade. É necessário cuidado, "precaução", na aplicação destes critérios, nunca esquecendo que "O bom senso é a coisa mais bem distribuída do
mundo: todos pensamos tê-lo em tal medida que até os mais difíceis de se
contentar nas outras coisas não costumam desejar mais bom senso do que
têm.".
Se é verdade
que a precaução pretende compreender riscos com um grau de probabilidade de
verificação muito diminuto, não é menos verdade que os mesmos possam ser
inseridos na lógica da prevenção. Também este último conceito tem de ser
suficientemente maleável e abrangente, de forma a integrar situações em que
certos interesses, pela importância que revestem, têm de prevalecer face aos
riscos eventuais, ainda que de verificação muito pouco provável – atendendo à
lógica de causalidade entre a acção e o dano. Podemos assim acrescentar outro
critério aos do bom-senso e razoabilidade, o da verosimilhança[v],
que determina que, independentemente das probabilidades serem diminutas, é
importante apurar a ocorrência do dano ser plausível, crível.
No fundo, precaução e prevenção podem
reconduzir-se a um só princípio, sem se evitar os excessos que a autonomização
deste último poderia potenciar – em última análise, não podemos falar em “risco
zero” em matéria ambiental, como também é naturalisticamente impossível prever
todos os efeitos de uma determinada acção.
Se adoptássemos
um entendimento estrito do princípio da precaução, isso conduzir-nos-ia a uma
paralisação de qualquer actividade potencialmente danosa para o ambiente. Em primeiro
lugar, determinar quais os critérios para aferir se um comportamento acarretará
riscos, actual ou futuramente, para o ambiente, parece inviável e impossível. Por
outro lado, estamos perante um conflito entre o direito ao ambiente (art.66º
CRP) e o direito à livre iniciativa económica (art.61º CRP), ambos consagrados
constitucionalmente.
Em relação ao
princípio da precaução, o meu entendimento é de que, no seguimento das posições
dos Professores Vasco Pereira da Silva[vi]
e José Gomes Canotilho, uma vez que o princípio da precaução não tem expressa
consagração constitucional, este nunca poderia restringir a livre iniciativa
económica[vii].
A actividade
económica ficar condicionada por riscos que não reúnem consenso na comunidade
científica, parece-me excessivo, bastante condicionador e restritivo das
necessidades da vida contemporânea.
Em suma,
aceito uma visão abrangente, ampla, do princípio da prevenção. Esta noção não
pode ser fechada, e deve conseguir incluir situações que se consubstanciem em
verdadeiros “riscos”, quando, atendendo ao bom-senso, razoabilidade e
verosimilhança, possa ocorrer um verdadeiro dano. Contudo, uma concepção demasiado
restritiva do princípio da precaução pode ser perigosa, na medida em que pode
motivar eco-fundamentalismos[viii]
e uma paralisação da actividade económica. No limite, e numa visão bastante
extremista, qualquer actividade é idónea a provocar danos ambientais, imediata
ou futuramente.
Inês Tamissa de Barros, aluna 20813
[i] Pereira da SIlva, Vasco; Verde
Cor de Direito, pag.18;
[ii]
Amado Gomes, Carla; Introdução ao Direito do Ambiente, pag. 89;
[iii] Amado Gomes, Carla; A prevenção à prova no direito do ambiente, pag.32;
[iv] Pereira da SIlva, Vasco;Verde
Cor de Direito, pags. 68-70;
[v] Sousa Aragão, Maria ALexandra; O princípio do dNível Elevado de Protecção e a Renovação Ecológica do Direito do AMbiente e dos Resíduos, pag.212;
[vi] Pereira da Silva, Vasco; Verde
Cor de Direito, pag. 71;
[vii] Contra
esta posição, o Professor Jorge Reis Novais, “(…) o candidato a prevalecer sobre o direito fundamental, ou,
mais rigorosamente, sobre o interesse jusfundamentalmente protegido, seja um
bem, princípio ou interesse que não possua reconhecimento constitucional
expresso mas que, todavia, possa reivindicar nas circunstâncias do caso
concreto, não obstante a sua natureza infraconstitucional, um peso substancial
que se imponha ao peso, de sentido oposto, do bem jusfundamental.”
[viii] Pereira da Silva, Vaco; Verde Cor de Direito, pag.70.
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