13 de abril de 2014

A adaptação necessária do acto administrativo clássico às novas exigências jurídico-ambientais



I. Colocação do problema
                Uma das coisas que se aprende aquando da chegada ao mundo do Direito Administrativo é que, um dos seus principais instrumentos de concretização – o acto administrativo – desempenha uma importante função tendencialmente estabilizadora, concretizada na certeza e segurança que atribui às situações sobre as quais incide[1].
                Neste sentido, haverá mesmo quem fale numa ideia de “tendencial imutabilidade ou irrevogabilidade do acto”[2], para se referir à vinculação a que a Administração está sujeita.
                Todavia, se atentarmos com atenção a um dos ramos da árvore do Direito Administrativo, rapidamente nos aperceberemos que aquela visão assente na estabilidade do acto administrativo não é absoluta. E isto porque o ramo correspondente ao Direito Administrativo Especial do Ambiente exige uma nova conformação do acto administrativo clássico às novas exigências jurídico-ambientais, motivadas por uma transitoriedade da própria realidade, em que a certeza e a estabilidade foram substituídas pelo risco e pela instabilidade que caracterizam o mundo actual.
II. Do “velho” acto administrativo à nova autorização ambiental
                Assim, é possível dizer que este novo circunstancialismo se integra numa evolução do conceito de acto administrativo – iniciada com a ideia de que este corresponderia a um acto privilegiado de autoridade, essencialmente desfavorável, e no contexto de uma administração agressiva, mas sempre dirigida à prossecução do devido interesse público[3] - – em que, agora, todavia, se verifica uma necessária coexistência, dentro da actividade dos vários órgãos da função administrativa, entre actuações de carácter prestador e infra-estrutural, e com manifestação ao nível regulamentar e contratual em geral mas, acima de tudo, e no que diz respeito ao Direito do Ambiente em especial, aos actos administrativos autorizativos ambientais[4].

                Ora, este tipo de acto consiste numa “decisão através da qual o órgão administrativo competente concretiza a conciliação entre o interesse de carácter pessoal ou patrimonial do destinatário (que pode ser público) e o interesse público e colectivo da gestão racional dos componentes ambientais”[5].

                Com efeito, há que considerar que esta é uma figura que pretende, essencialmente, concretizar certos objectivos dos particulares, relacionados com o que lhes é permitido ou não em termos ambientais, mas não só. E isto tanto assim é, que o interesse público a prosseguir não poderá resultar, única e exclusivamente, da soma dos interesses individualmente considerados de quem pretende obter uma decisão favorável por parte da Administração. Antes se deve articular com uma necessária e imprescindível tutela ambiental, no sentido de preservar o bem Ambiente.

                Assim, o interesse público a concretizar pela Administração terá de resultar da ponderação e harmonização entre os objectivos almejados por certos sujeitos e as finalidades ambientais. Facto que não poderá ser alheio à consideração do próprio acto autorizativo como algo de natureza precária ou eminentemente transitória, atendendo ao facto de estarmos perante algo que pode ruir a qualquer momento, em virtude do factor risco, que nos surge associado às relações jurídico-ambientais de uma forma especialmente intensa.

                Com efeito, há que pôr o acento tónico na indispensabilidade de uma intervenção administrativa em áreas nas quais a prevenção e a preservação ambientais são essenciais para a diminuição do risco de danos ecológicos. E é precisamente dessa intervenção que avulta o acto autorizativo como manifestação primeira de uma nova concepção do acto administrativo clássico, adaptado a estas novas exigências ambientais. É, então, sobre esse novo paradigma de acto administrativo que versa o presente trabalho.

III. Os instrumentos de concretização da autorização

                Assim sendo, há que considerar a especial fragilidade dos bens jurídicos ambientais e a influência desse aspecto na necessidade de estabelecer limitações legais ao desenvolvimento da actividade dos particulares através das devidas autorizações.

                Com efeito, o recurso à figura da autorização, como meio de antecipação do risco ambiental, insere-se na imperiosa obrigação do Estado de assegurar a tutela do meio ambiente, pois caberá às entidades administrativas concretamente competentes, aferir da admissibilidade da pretensão que é invocada para o proferimento da decisão que, como o nome de acto autorizativo indica, se pretende favorável para o requerente, mas sempre dentro da bitola do interesse público definido previamente[6].

                De facto, mesmo que no presente uma dada circunstância possa merecer o deferimento por parte da administração, tal poderá já não ocorrer no futuro, pelo que terá de se recorrer a mecanismos capazes de fazer assentar a decisão em bases suficientemente sólidas, assim se impedindo que a decisão presente se torne já pretérita e a sua utilidade se perca.

                Desta feita, caberá, então, falar da figura das “melhores técnicas disponíveis” (MTD), através das quais a Administração deverá harmonizar o seu dever de zelar pela protecção do ambiente com o imperativo de garantir a manutenção de um nível de crescimento económico que não poderá ser esquecido, sempre segundo uma perspectiva de antecipação de riscos por via das técnicas o mais avançadas possível[7].

                E, de facto, assim é. É através das MTD que se poderá, num primeiro nível, alcançar a segurança e a igualdade entre os diferentes agentes envolvidos no procedimento, nomeadamente através da intervenção dos órgãos competentes para formar um entendimento quanto às pretensões apresentadas para, num segundo patamar, e depois de elaboradas as chamadas “directivas de auto-vinculação” por órgãos consultivos, se possa actuar em conformidade[8]. Isto, sem negar, obviamente, a possibilidade de a Administração se afastar do entendimento aí referido quando, por motivos de ordem geográfica, meteorológica ou outro, tenha de se verificar uma protecção superior – em conformidade com o disposto no artigo 31.º/3 do DL 127/2013 – o que carecerá sempre de uma especial fundamentação, nos termos do artigo 124.º/1, d) do Código do Procedimento Administrativo (CPA).

IV. O princípio da legalidade e o acto autorizativo

                Por outro lado, e estando nós num terreno movediço, no sentido de a emissão do acto administrativo autorizativo se verificar num contexto de incerteza, não nos podemos olvidar do facto de, às MTD estar associada uma margem de livre apreciação tal que venha, de certa forma, frustrar o princípio da legalidade, na sua vertente da reserva de lei.

                Com efeito, quando no procedimento administrativo autorizativo se constata a necessidade de reponderar a importância a dar a certo tipo de deveres, em detrimento de outros, há que proceder com cautela, pois “esta rotação do centro de gravidade da decisão sobre a gestão do risco do Legislativo para o Executivo é incontornável e obriga ao reforço da legitimação da função administrativa a partir dos princípios da participação, da transparência, da imparcialidade, bem assim como no plano do controlo judicial das metodologias da gestão do risco”[9] [10].

            De facto, há que ter sempre presente o princípio da reserva de lei restritiva do artigo 165.º/1, b) da Constituição, relativo aos direitos, liberdades e garantias, mas que deve ser também aplicado no âmbito dos deveres fundamentais correlativos, de modo a assegurar, no campo que agora nos ocupa, uma protecção mais completa aos destinatários das autorizações ambientais.


                Por outro lado, e não obstante o reconhecimento da importância deste princípio, é preciso não esquecer que, sempre que seja necessário actualizar a regulação do risco ambiental, o artigo 121.º do CPA adquire aqui relevância, pois permite a previsão das cláusulas da condição, do termo e do modo, para que à Administração seja dada a possibilidade de actuar, procedendo à actualização do que tiver sido objecto de regulação anterior, em atenção ao novo contexto fáctico verificado.

                Contudo, há dois problemas associados a este preceito do CPA:
                1) O que consiste em saber se se poderá admitir no seu âmbito uma reserva de modo que determine, desde logo, a revogação do acto perante o incumprimento deste, em virtude do carácter algo restritivo ou defensivo do regime da revogabilidade dos actos válidos, previsto nos artigos 140.º e ss do CPA;

                2) O de saber como tratar uma situação em que foi exigida uma alteração ao conteúdo da autorização, devido a uma actualização técnica que venha pôr em causa a estabilidade financeira do titular daquele documento.

                De referir que, quanto a 1) não existe consenso no sentido de se concluir ou não pela aplicação das normas do CPA com vista a criar um regime de revisão do acto autorizativo em matéria de ambiente. CARLA AMADO GOMES aceita a criação de um regime deste tipo, mas fora daquilo que resulta das normas do CPA[11]; ao passo que LUÍS PEREIRA COUTINHO critica a aplicação dessas normas gerais, só a admitindo em situações excepcionais de estado de necessidade[12].

                No entendimento de CARLA AMADO GOMES, “o acto administrativo emitido num cenário de incerteza constitui um acto intrinsecamente provisório”[13], sendo que uma tal incerteza poderá ocorrer desde logo quando a Administração aprova o acto, não se podendo aferir de tudo quanto diga respeito ao “se”, ou quanto ao “como e ao quando”. Em qualquer caso, acaba por chegar à mesma conclusão de VASCO PEREIRA DA SILVA, caracterizando o conteúdo da autorização como “precário”[14].

                Este tipo de acto pode ser definido como aquele que “estabelece a regulação de uma situação individual e concreta, com efeitos jurídicos externos, salvaguardando, porém, o poder de definir com conteúdo diferente aquela situação, sempre que o interesse público o reclame”[15]. É, então, um acto dirigido à prossecução do interesse público, sempre relacionado com os conhecimentos adquiridos, a nível técnico e científico.

                O artigo 120.º do CPA exige que, para além da consideração pelo fim a que o acto se destina, se actue em conformidade com a lei, o que significa, por exemplo, o respeito pelo disposto no artigo 140.º/1,b) do mesmo diploma, quanto à tendencial irrevogabilidade dos actos constitutivos de direitos ou de interesses legalmente protegidos, excepcionada no número 2 deste último preceito.

                Mas atenção porque, e ainda que se considere que os actos precários aqui em questão não são verdadeiros actos constitutivos de direitos (devido ao facto de visarem em primeira linha a prossecução do interesse público e só depois a protecção de um interesse do particular, que fica dependente da alteração ditada pelas exigências daquele primeiro interesse), mais difícil será concluir pela sua integração, ou não, no grupo dos actos constitutivos de interesses legalmente protegidos (merecendo a protecção indirecta das normas subjacentes ao poder de emitir tais actos).

                Se se aceitar tal integração, estar-se-á a conferir um cunho demasiado garantístico ao referido artigo[16], no sentido de se incluir aí qualquer interesse reflexamente criado à margem de uma norma que prevê a prossecução de um certo interesse público, passando a ser unicamente admissível um acto administrativo de revogação que afectasse os interesses simples ou de facto – o que não parece corresponder ao espírito da norma, sob pena de se subalternizar uma alteração superveniente necessária do interesse público, em prol de uma tutela da confiança realizada à revelia da ponderação exigida no contexto dos actos autorizativos em matéria ambiental.

                Assim, haverá quem tenha um entendimento mais restrito do que sejam “interesses legalmente protegidos”, integrando na categoria dos actos que criam tais interesses apenas aqueles “(…) que investem o seu titular numa posição jurídica estável e consistente e que após a prática daqueles, deixou de ser protegida apenas em função dos interesses públicos que estão directamente na origem da sua constituição (reflexa), passando a ser vistos como bens dignos de uma protecção substantiva própria”[17].

                Desta feita, os actos precários, construídos com base no artigo 120.º do CPA, não serão uma excepção à irrevogabilidade dos actos constitutivos de direitos e interesses legalmente protegidos, pois é apenas a sua natureza precária que interfere com a estabilidade das posições jurídicas criadas por si. Por isso, será de entender que “a ratio legis do art. 140, n.º 1, al. b) é proteger a confiança dos titulares daqueles interesses, na medida em que essa confiança deva ser protegida. Mas se essa confiança não existe, nada há a proteger, porque a Administração quando confere determinadas vantagens, chama a atenção dos destinatários para a sua precariedade, subordinando-as totalmente ao interesse público. Os interesses constituídos pelo acto precário só são protegidos enquanto a Administração não decidir que o interesse público exige a alteração da situação jurídica. (…) A referida protecção só existe enquanto o interesse público o permitir, o que significa que apenas actuará contra condutas arbitrárias da Administração ou que visem outro fim que não o interesse público específico tipificado na norma que serviu de base à emanação do acto precário”[18]. Só assim seria, então, possível, conciliar o regime do artigo 140.º/1, b) do CPA, com o do 121.º, também do CPA, sem pôr em causa o princípio da legalidade.

                Pode aqui referir-se também, como o fazem GARCIA DE ENTERRIA e FERNANDEZ RODRIGUEZ[19] que, no que respeita à revogação de autorizações, a Administração se depara mais com um limite material – que é o do esgotamento de todas as possibilidades de adaptação da actividade autorizada às novas circunstâncias e a normas entretanto aprovadas –, do que como um limite formal – como o é a suposta intangibilidade dos actos constitutivos de direitos.

                Há ainda que referir a necessidade de a actuação administrativa se basear no princípio da proporcionalidade, evitando tornar inviável a actividade, de modo a que o interesse público e o particular não sejam prejudicados.

                Ainda neste âmbito, cabe referir, a solução de CARLA AMADO GOMES[20] que, para atenuar a tendencial instabilidade dos actos autorizativos em matéria ambiental, propõe a aplicação da teoria da imprevisão e do mecanismo da rebus sic stantibus – com previsão no artigo 437.º do Código Civil – atendendo “à equivalência formal entre acto e contrato estabelecida no CPA, que possibilita o apelo a um mecanismo de revisão do acto fundado na superveniência de factores de risco desconhecidos à data da modelação inicial da relação autorizativa, bem como na disponibilização de novas técnicas de minimização de riscos já conhecidos”[21].

                Enfim, tratar-se-ia de assegurar a possibilidade de reponderação dos actos autorizativos, através de um procedimento em que se provaria a necessidade de proceder a uma alteração de conteúdo do acto, com a garantia de salvaguarda dos efeitos produzidos até essa data[22].


                No que diz respeito a 2) há que referir a possibilidade de atribuir ao operador lesado uma compensação pelo sacrifício – nos termos do artigo 16.º da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro – bem como, a garantia de prestar o apoio necessário em relação a operadores industriais em que surjam técnicas de uma onerosidade considerável, tendo sempre como pano de fundo a harmonização entre o fim da prevenção ambiental e a garantia do desenvolvimento da actividade económica.

                Com efeito, a insegurança que decorre da possibilidade de restrição da expectativa jurídica do titular da autorização ambiental justifica tal compensação, desde que se trate de uma actuação administrativa discricionária e que haja identidade de facto com uma situação de expropriação[23] [24].

                Contudo, a exigência de discricionariedade referida parece enquadrar-se melhor no que se referiu no ponto 1), por pressupor a existência de facto de uma escolha entre alternativas – o que sucede mais aquando da mudança dos parâmetros decisórios, e não tanto (ainda que não em absoluto) perante a revogação motivada pela evolução tecnológica, pois esta não depende da vontade da Administração, antes se repercutindo no que dela resultar, sempre com respeito pelo princípio da legalidade e da imparcialidade.

                Com efeito, discricionariedade sempre haverá, com maior ou menor intensidade, verificando-se no caso de evolução tecnológica uma menor previsibilidade e voluntariedade do acto revogatório, atendendo a que o facto científico que é ponderado revestir um carácter externo.

                Relacionado com este critério de decisão temos o princípio da imparcialidade decisória, o qual exige a ponderação de todos os interesses relevantes no âmbito do próprio acto revogatório – os quais variam consoante o fundamento da revogação a considerar.           

V. Conclusão

                É da moderna Administração infra-estrutural e prestadora que emerge um novo acto administrativo, relacionado com a noção ampla do artigo 120.º do CPA, mas que procura ir mais além, ao emprestar a sua força normativa e reguladora de condutas a um ramo relativamente novo do Direito Administrativo – o Direito do Ambiente. E é precisamente neste que nos surge o acto administrativo sob a veste incontornável de um acto autorizativo, cuja estabilidade é constantemente ameaçada pela necessidade de gestão do risco – elemento característico deste ramo em especial.

                Ora, e perante tudo aquilo que se referiu ao longo deste texto, várias conclusões haverá a retirar da importância da figura do acto administrativo autorizativo em matéria de ambiente.

                Em primeiro lugar, há que constatar que “se assiste a um novo fôlego da teoria do acto administrativo (…) e que vai obrigar à superação dos traumas de infância do Direito Administrativo, recentrando-o nos institutos da relação jurídica (multilateral) e do procedimento, e procurando a sua reconstrução já não em razão do poder mas da função administrativa”[25]. Com efeito, da multilateralidade daquela relação decorre o carácter multilateral do próprio acto autorizativo, que produzirá efeitos em relação a todos os agentes cuja esfera jurídica seja influenciada por essa conduta da Administração – pois a autorização ambiental é já uma importante técnica de limitação das pretensões dos particulares – e cuja participação para a concretização do interesse público não deve ser esquecida.


                Em segundo lugar, e perante a instabilidade que está associada aos fenómenos naturais e ao entendimento (não consensual) do direito ao ambiente como um direito fundamental, eis que surge a necessidade de remeter para a Administração o preenchimento das lacunas deixadas pelo legislador, mas nunca sem esquecer os ditames impostos pelo princípio da legalidade que, conjugado com os do princípio da imparcialidade, deverão alcançar um nível óptimo de tutela em termos ambientais.

                Com efeito, há que concretizar o dever fundamental de protecção do ambiente previsto no artigo 66.º/1, 2.ª parte da Constituição, através da definição de obrigações de non facere e de pati, por um lado e, do reconhecimento de obrigações de facere, por outro lado. A Lei Fundamental assim o prevê e a prática assim o exige. A determinação do conteúdo daquele dever envolve a consideração de diversos aspectos – como o tipo de actividade do destinatário e o respectivo potencial lesivo, os bens naturais cuja subsistência possa ser afectada e, até, as condições e os limites de procedibilidade da intervenção da Administração –, cujo tratamento a dar é apenas aflorado na lei, para depois ser completada pela Administração, consoante as exigências do caso concreto e as exigências mínimas de previsibilidade quanto às obrigações que venham a ser impostas ao titular da autorização.


                Em terceiro lugar, poder-se-á afirmar que este tipo de acto é essencial para permitir afastar, em situações concretas, certas limitações legais ao livre desenvolvimento de actividades pelos particulares. Assim, também será de considerar a possibilidade de autorizações provisórias e/ou parciais, até porque a Administração pode considerar que a prossecução do interesse público será mais eficaz através da criação de situações jurídicas precárias – reconhecidas no art. 121.º do CPA – adaptáveis consoante a mutação e evolução do interesse público definido – o que não vem bulir com o art. 140.º/1, b) do CPA se se aceitar que este último preceito apenas se aplica a situações jurídicas estáveis (não obstante a sua constituição por actos discricionários), sob pena de a actividade administrativa ficar demasiado restringida.


                        Em quarto lugar, um facto incontornável a ter em conta será o de que a Administração deverá actuar com todos os instrumentos necessários a permitir um juízo de prognose capaz de assegurar que o acto administrativo se adeque a eventuais circunstâncias surgidas a título superveniente.

                Ora, para assegurar esta adequação, terá de se aceitar a sujeição da autorização ambiental, pelo menos, a uma cláusula implícita de reserva de modificabilidade, em nome da prevenção de danos potencialmente irreversíveis, dada a incerteza do “como” e do “quando” da ocorrência desses danos.

                Mas isto não legitima a ideia de que esta instabilidade relativa ao acto autorizativo prevalece, sempre e em qualquer caso, sobre a desejada estabilização da pretensão do seu destinatário. Com efeito, devemos considerar que o seu direito a ver garantida tal pretensão permanece ao longo da vigência da autorização podendo, quando muito, alterar-se a sua expectativa quanto à duração temporal dos efeitos inicialmente previstos.

                A juntar a isto, temos como parte fundamental do conteúdo da autorização ambiental a cláusula das MTD, no sentido de obrigar o operador a adoptá-las enquanto perdurar o acto considerado e procurando assegurar sempre a maior aptidão preventiva possível quanto à ocorrência de riscos ambientais – em atenção à actividade económica desenvolvida em concreto pelo titular da autorização.

                Actuando desta forma, estar-se-á a garantir a concretização efectiva do dever de protecção ambiental e a vincular a Administração a uma fiscalização do cumprimento desse dever, com vista a satisfazer as necessidades de actualização, inerentes a esse dever.

                 Enfim, e perante a análise que foi feita, podemos dizer que assistimos a um enfraquecimento da função estabilizadora do “velho” acto administrativo, em virtude da adequação dos actos autorizativos à necessária actualização motivada pelos deveres de protecção do ambiente, em face do factor risco – cada vez mais presente como pano de fundo das relações jurídico-ambientais, na medida em que surge como elemento omnipresente na encruzilhada entre a indispensabilidade de protecção da confiança criada pelo destinatário da autorização e o acompanhamento necessário do que é imposto pelo interesse público em questão.


Bibliografia consultada:

ANDRADE, Vieira de, Revogação do acto administrativo, in Direito e Justiça, vol. VI, 1992
CALVÃO, Filipa Urbano, Os Actos Precários e os Actos Provisórios no Direito Administrativo, Universidade Católica Portuguesa, Porto, 1998
CANOTILHO, Gomes, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra, Almedina, 2003

CANOTILHO, Gomes (coord.), Introdução ao Direito do Ambiente, Lisboa, Universidade Aberta, 1998

CANOTILHO, Gomes, Actos Autorizativos Jurídico-Públicos e Responsabilidade por Danos Ambientais, in BFDUC, vol. LXIX, 1993

COUTINHO, Luís Pereira, Notas sobre a alteração da licença urbanística, Revista de Direito do Ambiente e Ordenamento do Território, n.º 14-15, 2010

ENTERRÍA, Garcia de/ RODRÍGUEZ, Fernandez, Curso de Derecho Administrativo, II, 4.ª ed., Madrid, 1993

GOMES, Carla Amado, Da aceitação de um regime de modificação do acto administrativo por alteração superveniente dos pressupostos, e do controlo jurisdicional desta competência: pistas de reflexão, in Revista da Ordem dos Advogados, 2007

GOMES, Carla Amado, Risco e Modificação do Acto Autorizativo Concretizador de Deveres de Protecção do Ambiente, Edição Digital e-book da Autora, Lisboa, 2012

GOMES, Carla Amado, Introdução ao Direito do Ambiente, Lisboa, AAFDL, 2014

OLIVEIRA, Esteves de/ GONÇALVES, Costa/ AMORIM, Pacheco de, Código do Procedimento Administrativo comentado, Coimbra, 1997

SILVA, Vasco Pereira da, Em Busca do Acto Administrativo Perdido, Coimbra, Almedina, 1996

SILVA, Vasco Pereira da, Verde Cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente, Coimbra, Almedina, 2002

SOUSA, Marcelo Rebelo de/ MATOS, André Salgado de, Direito Administrativo Geral, tomos I e III, Lisboa, D. Quixote, 2010

Mara Afonso, n.º 20684, subturma 2



[1] Mas isto não significa que o acto administrativo tenha um carácter irrevogável ou que possa perdurar ad eternum, pois ele poderá sempre sofrer alguma modificação, substituição ou revogação, no sentido de satisfazer o interesse público cuja prossecução seja definida como prioritária num dado momento. Deve, no entanto, atender-se, por exemplo, à limitação dos poderes de revogação, nomeadamente quanto a decisões constitutivas de direitos – artigo 140.º/1, b) do Código de Procedimento Administrativo, salvo o disposto no seu número 2 – em prol da segurança jurídica e da protecção da confiança legitimamente formada, vide infra ponto IV
[2]  GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, p. 265
[3] Para um aprofundamento da evolução histórica do conceito de acto administrativo e das funções que desempenha na acção administrativa ver MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Direito Administrativo Geral, Tomo III, pp. 86 a 91
[4] De notar que, estando numa área em que a actividade da Administração Pública é deveras necessária para a satisfação das exigências ambientais, deverão ter-se em conta os vários princípios que norteiam a actividade administrativa em geral, nomeadamente o da legalidade em articulação com uma necessária margem de livre decisão administrativa; o da prossecução do interesse público previamente definido sem esquecer o princípio do respeito pelas posições jurídicas subjectivas dos particulares; o da proporcionalidade e imparcialidade, sempre com base no princípio da boa fé administrativa e, ainda, os princípios da descentralização e da desconcentração, destinados a aproximar a administração das populações. Para um desenvolvimento das noções destes princípios vide MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO MATOS, Direito Administrativo Geral, Tomo I, pp. 142 a 232
[5]  CARLA AMADO GOMES, Introdução ao Direito do Ambiente, p. 114
[6] Como bem refere GOMES CANOTILHO (coord.), Introdução ao Direito do Ambiente, p. 115, “(…) desde há muito se reconheceu que não são apenas interesses particulares – com o seu lugar de regulação próprio no âmbito do Direito Civil – que estão aqui em causa, mas também interesses genéricos da colectividade nacional, o que mostra a insuficiência da abordagem civilística (ou seja, de uma regulação jurídica do ambiente a efectuar apenas pelo Direito Civil) e realça a necessidade de uma regulação a efectuar pelo Direito Público”.
[7]  Quanto a esta matéria e à sua relação com a necessidade de se assegurar também uma política de desenvolvimento sustentável, há que referir o mecanismo da Avaliação de Impacte Ambiental (AIA), regulado no DL n.º 151-B/2013, de 31 de Outubro, alterado pelo DL n.º 47/2014, de 24 de Março.
[8]  De referir que, e não obstante a mais valia de tais instrumentos no que diz respeito à conformação dos deveres de prevenção pelos diferentes operadores, com base em orientações uniformes ou tendencialmente uniformes para cada sector e que permite a redução da desigualdade entre operadores do mesmo sector, a verdade é que é questionável que tais directivas revistam eficácia externa, dada a proibição expressa do art. 112.º/5 da Constituição, merecendo, por isso, a desconfiança de CARLA AMADO GOMES, idem, p. 121, o disposto no artigo 8.º/4 do DL 127/2013, de 30 de Agosto, que terá subjacente uma interpretação autêntica, proibida por aquele dispositivo constitucional.
[9]  CARLA AMADO GOMES, idem, nota 176, p. 122
[10] Como exemplo da constante mutação do conteúdo do acto administrativo autorizativo poderá referir-se o artigo 26.º/6 do DL n.º 151-B/2013, de 30 de Outubro em que, já depois da avaliação, se atribui à Autoridade da Avaliação de Impacto Ambiental, a possibilidade de alterar o conteúdo da declaração de impacto ambiental, no sentido de a adaptar a factos não previstos.
[11] CARLA AMADO GOMES, Risco e Modificação…, p. 390 e ss
[12] LUÍS PEREIRA COUTINHO, Notas sobre a alteração da licença urbanística, Revista de Direito do Ambiente e Ordenamento do Território, pp. 9 a 32
[13] CARLA AMADO GOMES, Risco e Modificação…, p. 390
[14] CARLA AMADO GOMES, idem, p.395 e VASCO PEREIRA DA SILVA, Verde Cor de Direito, p.203
[15] FILIPA URBANO CALVÃO, Os Actos Precários e os Actos Provisórios no Direito Administrativo, p. 27
[16] Aliás, como bem nota VIEIRA DE ANDRADE, Revogação do acto administrativo, p. 62
[17] ESTEVES DE OLIVEIRA/ P. GONÇALVES/ P. DE AMORIM, Código do Procedimento comentado, p. 678
[18] FILIPA URBANO CALVÃO, idem, p. 197
[19] GARCIA DE ENTERRIA e FERNANDEZ RODRIGUEZ, Curso de Derecho Administrativo, II, p. 143
[20] CARLA AMADO GOMES, Da aceitação de um regime de modificação do acto administrativo…, pp. 1041 e ss
[21] CARLA AMADO GOMES, ibidem
[22] Esta teoria foi tida em conta no Projecto de Revisão do CPA, nomeadamente no seu novo artigo 166.º/2, c), que irá prever o seguinte: “Os actos constitutivos de direitos só podem ser revogados com fundamento em alteração objectiva das circunstâncias ou na superveniência de conhecimentos técnicos e científicos em face dos quais eles não poderiam ter sido praticados”.
[23]  VASCO PEREIRA DA SILVA, idem, p. 205
[24]  GOMES CANOTILHO, Actos Autorizativos Jurídico-Públicos…, p. 42
[25] VASCO PEREIRA DA SILVA, idem, p. 195

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