Uma das coisas que se aprende
aquando da chegada ao mundo do Direito Administrativo é que, um dos seus
principais instrumentos de concretização – o acto administrativo – desempenha
uma importante função tendencialmente estabilizadora, concretizada na certeza e
segurança que atribui às situações sobre as quais incide[1].
Neste sentido, haverá mesmo quem
fale numa ideia de “tendencial imutabilidade ou irrevogabilidade do acto”[2], para se
referir à vinculação a que a Administração está sujeita.
Todavia, se atentarmos com
atenção a um dos ramos da árvore do Direito Administrativo, rapidamente nos
aperceberemos que aquela visão assente na estabilidade do acto administrativo
não é absoluta. E isto porque o ramo correspondente ao Direito Administrativo
Especial do Ambiente exige uma nova conformação do acto administrativo clássico
às novas exigências jurídico-ambientais, motivadas por uma transitoriedade da
própria realidade, em que a certeza e a estabilidade foram substituídas pelo
risco e pela instabilidade que caracterizam o mundo actual.
II.
Do “velho” acto administrativo à nova autorização ambiental
Assim, é possível dizer que este
novo circunstancialismo se integra numa evolução do conceito de acto
administrativo – iniciada com a ideia de que este corresponderia a um acto privilegiado
de autoridade, essencialmente desfavorável, e no contexto de uma administração
agressiva, mas sempre dirigida à prossecução do devido interesse público[3] - – em que,
agora, todavia, se verifica uma necessária coexistência, dentro da actividade
dos vários órgãos da função administrativa, entre actuações de carácter
prestador e infra-estrutural, e com manifestação ao nível regulamentar e
contratual em geral mas, acima de tudo, e no que diz respeito ao Direito do
Ambiente em especial, aos actos administrativos autorizativos ambientais[4].
Ora, este tipo de acto consiste
numa “decisão através da qual o órgão administrativo competente concretiza a
conciliação entre o interesse de carácter pessoal ou patrimonial do
destinatário (que pode ser público) e o interesse público e colectivo da gestão
racional dos componentes ambientais”[5].
Com efeito, há que considerar
que esta é uma figura que pretende, essencialmente, concretizar certos
objectivos dos particulares, relacionados com o que lhes é permitido ou não em
termos ambientais, mas não só. E isto tanto assim é, que o interesse público a
prosseguir não poderá resultar, única e exclusivamente, da soma dos interesses
individualmente considerados de quem pretende obter uma decisão favorável por
parte da Administração. Antes se deve articular com uma necessária e
imprescindível tutela ambiental, no sentido de preservar o bem Ambiente.
Assim, o interesse público a
concretizar pela Administração terá de resultar da ponderação e harmonização
entre os objectivos almejados por certos sujeitos e as finalidades ambientais.
Facto que não poderá ser alheio à consideração do próprio acto autorizativo
como algo de natureza precária ou eminentemente transitória, atendendo ao facto
de estarmos perante algo que pode ruir a qualquer momento, em virtude do factor
risco, que nos surge associado às
relações jurídico-ambientais de uma forma especialmente intensa.
Com efeito, há que pôr o acento
tónico na indispensabilidade de uma intervenção administrativa em áreas nas
quais a prevenção e a preservação ambientais são essenciais para a diminuição
do risco de danos ecológicos. E é precisamente dessa intervenção que avulta o
acto autorizativo como manifestação primeira de uma nova concepção do acto
administrativo clássico, adaptado a estas novas exigências ambientais. É,
então, sobre esse novo paradigma de acto administrativo que versa o presente
trabalho.
III.
Os instrumentos de concretização da autorização
Assim sendo, há que considerar a
especial fragilidade dos bens jurídicos ambientais e a influência desse aspecto
na necessidade de estabelecer limitações legais ao desenvolvimento da
actividade dos particulares através das devidas autorizações.
Com efeito, o recurso à figura
da autorização, como meio de antecipação do risco ambiental, insere-se na imperiosa
obrigação do Estado de assegurar a tutela do meio ambiente, pois caberá às
entidades administrativas concretamente competentes, aferir da admissibilidade
da pretensão que é invocada para o proferimento da decisão que, como o nome de
acto autorizativo indica, se pretende favorável para o requerente, mas sempre
dentro da bitola do interesse público definido previamente[6].
De facto, mesmo que no presente
uma dada circunstância possa merecer o deferimento por parte da administração,
tal poderá já não ocorrer no futuro, pelo que terá de se recorrer a mecanismos
capazes de fazer assentar a decisão em bases suficientemente sólidas, assim se
impedindo que a decisão presente se torne já pretérita e a sua utilidade se
perca.
Desta feita, caberá, então,
falar da figura das “melhores técnicas disponíveis” (MTD), através das quais a
Administração deverá harmonizar o seu dever de zelar pela protecção do ambiente
com o imperativo de garantir a manutenção de um nível de crescimento económico
que não poderá ser esquecido, sempre segundo uma perspectiva de antecipação de
riscos por via das técnicas o mais avançadas possível[7].
E, de facto, assim é. É através
das MTD que se poderá, num primeiro nível, alcançar a segurança e a igualdade
entre os diferentes agentes envolvidos no procedimento, nomeadamente através da
intervenção dos órgãos competentes para formar um entendimento quanto às
pretensões apresentadas para, num segundo patamar, e depois de elaboradas as
chamadas “directivas de auto-vinculação” por órgãos consultivos, se possa
actuar em conformidade[8]. Isto,
sem negar, obviamente, a possibilidade de a Administração se afastar do
entendimento aí referido quando, por motivos de ordem geográfica, meteorológica
ou outro, tenha de se verificar uma protecção superior – em conformidade com o
disposto no artigo 31.º/3 do DL 127/2013 – o que carecerá sempre de uma
especial fundamentação, nos termos do artigo 124.º/1, d) do Código do
Procedimento Administrativo (CPA).
IV.
O princípio da legalidade e o acto autorizativo
Por outro lado, e estando nós
num terreno movediço, no sentido de a emissão do acto administrativo
autorizativo se verificar num contexto de incerteza, não nos podemos olvidar do
facto de, às MTD estar associada uma margem de livre apreciação tal que venha,
de certa forma, frustrar o princípio da legalidade, na sua vertente da reserva
de lei.
Com efeito, quando no
procedimento administrativo autorizativo se constata a necessidade de
reponderar a importância a dar a certo tipo de deveres, em detrimento de
outros, há que proceder com cautela, pois “esta rotação do centro de gravidade
da decisão sobre a gestão do risco do Legislativo para o Executivo é
incontornável e obriga ao reforço da legitimação da função administrativa a
partir dos princípios da participação, da transparência, da imparcialidade, bem
assim como no plano do controlo judicial das metodologias da gestão do risco”[9] [10].
De facto, há que ter sempre presente o
princípio da reserva de lei restritiva do artigo 165.º/1, b) da Constituição,
relativo aos direitos, liberdades e garantias, mas que deve ser também aplicado
no âmbito dos deveres fundamentais correlativos, de modo a assegurar, no campo
que agora nos ocupa, uma protecção mais completa aos destinatários das
autorizações ambientais.
Por outro lado, e não obstante o
reconhecimento da importância deste princípio, é preciso não esquecer que,
sempre que seja necessário actualizar a regulação do risco ambiental, o artigo
121.º do CPA adquire aqui relevância, pois permite a previsão das cláusulas da
condição, do termo e do modo, para que à Administração seja dada a
possibilidade de actuar, procedendo à actualização do que tiver sido objecto de
regulação anterior, em atenção ao novo contexto fáctico verificado.
Contudo, há dois problemas
associados a este preceito do CPA:
1) O que consiste em saber se se poderá admitir no seu âmbito uma reserva
de modo que determine, desde logo, a revogação do acto perante o incumprimento
deste, em virtude do carácter algo restritivo ou defensivo do regime da
revogabilidade dos actos válidos, previsto nos artigos 140.º e ss do CPA;
2) O de saber como tratar uma situação em que foi exigida uma
alteração ao conteúdo da autorização, devido a uma actualização técnica que
venha pôr em causa a estabilidade financeira do titular daquele documento.
De referir que, quanto a 1) não existe consenso no sentido de se
concluir ou não pela aplicação das normas do CPA com vista a criar um regime de
revisão do acto autorizativo em matéria de ambiente. CARLA AMADO GOMES aceita a
criação de um regime deste tipo, mas fora daquilo que resulta das normas do CPA[11];
ao passo que LUÍS PEREIRA COUTINHO critica a aplicação dessas normas gerais, só
a admitindo em situações excepcionais de estado de necessidade[12].
No entendimento de CARLA AMADO
GOMES, “o acto administrativo emitido num cenário de incerteza constitui um
acto intrinsecamente provisório”[13], sendo
que uma tal incerteza poderá ocorrer desde logo quando a Administração aprova o
acto, não se podendo aferir de tudo quanto diga respeito ao “se”, ou quanto ao
“como e ao quando”. Em qualquer caso, acaba por chegar à mesma conclusão de
VASCO PEREIRA DA SILVA, caracterizando o conteúdo da autorização como
“precário”[14].
Este
tipo de acto pode ser definido como aquele que “estabelece a regulação de uma situação individual e
concreta, com efeitos jurídicos externos, salvaguardando, porém, o poder de
definir com conteúdo diferente aquela situação, sempre que o interesse público
o reclame”[15].
É, então, um acto dirigido à prossecução do interesse público, sempre
relacionado com os conhecimentos adquiridos, a nível técnico e científico.
O artigo 120.º do CPA exige que,
para além da consideração pelo fim a que o acto se destina, se actue em
conformidade com a lei, o que significa, por exemplo, o respeito pelo disposto
no artigo 140.º/1,b) do mesmo diploma, quanto à tendencial irrevogabilidade dos
actos constitutivos de direitos ou de interesses legalmente protegidos,
excepcionada no número 2 deste último preceito.
Mas atenção porque, e ainda que
se considere que os actos precários aqui em questão não são verdadeiros actos
constitutivos de direitos (devido ao facto de visarem em primeira linha a
prossecução do interesse público e só depois a protecção de um interesse do
particular, que fica dependente da alteração ditada pelas exigências daquele
primeiro interesse), mais difícil será concluir pela sua integração, ou não, no
grupo dos actos constitutivos de interesses legalmente protegidos (merecendo a
protecção indirecta das normas subjacentes ao poder de emitir tais actos).
Se se aceitar tal integração,
estar-se-á a conferir um cunho demasiado garantístico ao referido artigo[16], no
sentido de se incluir aí qualquer interesse reflexamente criado à margem de uma
norma que prevê a prossecução de um certo interesse público, passando a ser
unicamente admissível um acto administrativo de revogação que afectasse os
interesses simples ou de facto – o que não parece corresponder ao espírito da
norma, sob pena de se subalternizar uma alteração superveniente necessária do
interesse público, em prol de uma tutela da confiança realizada à revelia da
ponderação exigida no contexto dos actos autorizativos em matéria ambiental.
Assim, haverá quem tenha um
entendimento mais restrito do que sejam “interesses legalmente protegidos”,
integrando na categoria dos actos que criam tais interesses apenas aqueles “(…)
que investem o seu titular numa posição jurídica estável e consistente e que
após a prática daqueles, deixou de ser protegida apenas em função dos
interesses públicos que estão directamente na origem da sua constituição
(reflexa), passando a ser vistos como bens dignos de uma protecção substantiva
própria”[17].
Desta feita, os actos precários,
construídos com base no artigo 120.º do CPA, não serão uma excepção à
irrevogabilidade dos actos constitutivos de direitos e interesses legalmente
protegidos, pois é apenas a sua natureza precária que interfere com a
estabilidade das posições jurídicas criadas por si. Por isso, será de entender
que “a ratio legis do art. 140, n.º
1, al. b) é proteger a confiança dos titulares daqueles interesses, na medida
em que essa confiança deva ser protegida. Mas se essa confiança não existe,
nada há a proteger, porque a Administração quando confere determinadas
vantagens, chama a atenção dos destinatários para a sua precariedade,
subordinando-as totalmente ao interesse público. Os interesses constituídos
pelo acto precário só são protegidos enquanto a Administração não decidir que o
interesse público exige a alteração da situação jurídica. (…) A referida
protecção só existe enquanto o interesse público o permitir, o que significa
que apenas actuará contra condutas arbitrárias da Administração ou que visem
outro fim que não o interesse público específico tipificado na norma que serviu
de base à emanação do acto precário”[18]. Só
assim seria, então, possível, conciliar o regime do artigo 140.º/1, b) do CPA,
com o do 121.º, também do CPA, sem pôr em causa o princípio da legalidade.
Pode aqui referir-se também,
como o fazem GARCIA DE ENTERRIA e FERNANDEZ RODRIGUEZ[19] que, no
que respeita à revogação de autorizações, a Administração se depara mais com um
limite material – que é o do esgotamento de todas as possibilidades de
adaptação da actividade autorizada às novas circunstâncias e a normas
entretanto aprovadas –, do que como um limite formal – como o é a suposta
intangibilidade dos actos constitutivos de direitos.
Há ainda que referir a
necessidade de a actuação administrativa se basear no princípio da
proporcionalidade, evitando tornar inviável a actividade, de modo a que o
interesse público e o particular não sejam prejudicados.
Ainda
neste âmbito, cabe referir, a solução de CARLA AMADO GOMES[20]
que, para atenuar a tendencial instabilidade dos actos autorizativos em matéria
ambiental, propõe a aplicação da teoria da imprevisão e do mecanismo da rebus sic stantibus – com previsão no
artigo 437.º do Código Civil – atendendo “à equivalência formal entre acto e
contrato estabelecida no CPA, que possibilita o apelo a um mecanismo de revisão
do acto fundado na superveniência de factores de risco desconhecidos à data da
modelação inicial da relação autorizativa, bem como na disponibilização de
novas técnicas de minimização de riscos já conhecidos”[21].
Enfim,
tratar-se-ia de assegurar a possibilidade de reponderação dos actos autorizativos,
através de um procedimento em que se provaria a necessidade de proceder a uma
alteração de conteúdo do acto, com a garantia de salvaguarda dos efeitos
produzidos até essa data[22].
No que diz respeito a 2) há que referir a possibilidade de atribuir
ao operador lesado uma compensação pelo sacrifício – nos termos do artigo 16.º
da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro – bem como, a garantia de prestar o apoio
necessário em relação a operadores industriais em que surjam técnicas de uma
onerosidade considerável, tendo sempre como pano de fundo a harmonização entre
o fim da prevenção ambiental e a garantia do desenvolvimento da actividade
económica.
Com efeito, a insegurança que
decorre da possibilidade de restrição da expectativa jurídica do titular da autorização
ambiental justifica tal compensação, desde que se trate de uma actuação
administrativa discricionária e que haja identidade de facto com uma situação
de expropriação[23]
[24].
Contudo,
a exigência de discricionariedade referida parece enquadrar-se melhor no que se
referiu no ponto 1), por pressupor a existência de facto de uma escolha entre
alternativas – o que sucede mais aquando da mudança dos parâmetros decisórios,
e não tanto (ainda que não em absoluto) perante a revogação motivada pela
evolução tecnológica, pois esta não depende da vontade da Administração, antes
se repercutindo no que dela resultar, sempre com respeito pelo princípio da
legalidade e da imparcialidade.
Com efeito, discricionariedade
sempre haverá, com maior ou menor intensidade, verificando-se no caso de
evolução tecnológica uma menor previsibilidade e voluntariedade do acto
revogatório, atendendo a que o facto científico que é ponderado revestir um
carácter externo.
Relacionado
com este critério de decisão temos o princípio da imparcialidade decisória, o
qual exige a ponderação de todos os interesses relevantes no âmbito do próprio
acto revogatório – os quais variam consoante o fundamento da revogação a considerar.
V.
Conclusão
É da moderna Administração infra-estrutural e prestadora que emerge um novo
acto administrativo, relacionado com a noção ampla do artigo 120.º do CPA, mas
que procura ir mais além, ao emprestar a sua força normativa e reguladora de
condutas a um ramo relativamente novo do Direito Administrativo – o Direito do
Ambiente. E é precisamente neste que nos surge o acto administrativo sob a
veste incontornável de um acto autorizativo, cuja estabilidade é constantemente
ameaçada pela necessidade de gestão do risco – elemento característico deste
ramo em especial.
Ora, e perante tudo aquilo que
se referiu ao longo deste texto, várias conclusões haverá a retirar da
importância da figura do acto administrativo autorizativo em matéria de
ambiente.
Em
primeiro lugar, há que constatar que
“se assiste a um novo fôlego da teoria do acto administrativo (…) e que vai
obrigar à superação dos traumas de infância do Direito Administrativo,
recentrando-o nos institutos da relação jurídica (multilateral) e do
procedimento, e procurando a sua reconstrução já não em razão do poder mas da
função administrativa”[25].
Com efeito, da multilateralidade daquela relação decorre o carácter
multilateral do próprio acto autorizativo, que produzirá efeitos em relação a
todos os agentes cuja esfera jurídica seja influenciada por essa conduta da
Administração – pois a autorização ambiental é já uma importante técnica de
limitação das pretensões dos particulares – e cuja participação para a
concretização do interesse público não deve ser esquecida.
Em
segundo lugar, e perante a instabilidade
que está associada aos fenómenos naturais e ao entendimento (não consensual) do
direito ao ambiente como um direito fundamental, eis que surge a necessidade de
remeter para a Administração o preenchimento das lacunas deixadas pelo
legislador, mas nunca sem esquecer os ditames impostos pelo princípio da
legalidade que, conjugado com os do princípio da imparcialidade, deverão alcançar
um nível óptimo de tutela em termos ambientais.
Com
efeito, há que concretizar o dever fundamental de protecção do ambiente
previsto no artigo 66.º/1, 2.ª parte da Constituição, através da definição de
obrigações de non facere e de pati, por um lado e, do reconhecimento
de obrigações de facere, por outro
lado. A Lei Fundamental assim o prevê e a prática assim o exige. A determinação
do conteúdo daquele dever envolve a consideração de diversos aspectos – como o
tipo de actividade do destinatário e o respectivo potencial lesivo, os bens
naturais cuja subsistência possa ser afectada e, até, as condições e os limites
de procedibilidade da intervenção da Administração –, cujo tratamento a dar é
apenas aflorado na lei, para depois ser completada pela Administração,
consoante as exigências do caso concreto e as exigências mínimas de
previsibilidade quanto às obrigações que venham a ser impostas ao titular da
autorização.
Em
terceiro lugar, poder-se-á afirmar
que este tipo de acto é essencial para permitir afastar, em situações
concretas, certas limitações legais ao livre desenvolvimento de actividades
pelos particulares. Assim, também será de considerar a possibilidade de
autorizações provisórias e/ou parciais, até porque a Administração pode
considerar que a prossecução do interesse público será mais eficaz através da
criação de situações jurídicas precárias – reconhecidas no art. 121.º do CPA –
adaptáveis consoante a mutação e evolução do interesse público definido – o que
não vem bulir com o art. 140.º/1, b) do CPA se se aceitar que este último
preceito apenas se aplica a situações jurídicas estáveis (não obstante a sua
constituição por actos discricionários), sob pena de a actividade
administrativa ficar demasiado restringida.
Em quarto
lugar, um facto incontornável a ter em conta será o de que a Administração
deverá actuar com todos os instrumentos necessários a permitir um juízo de
prognose capaz de assegurar que o acto administrativo se adeque a eventuais
circunstâncias surgidas a título superveniente.
Ora,
para assegurar esta adequação, terá de se aceitar a sujeição da autorização
ambiental, pelo menos, a uma cláusula implícita de reserva de modificabilidade,
em nome da prevenção de danos potencialmente irreversíveis, dada a incerteza do
“como” e do “quando” da ocorrência desses danos.
Mas
isto não legitima a ideia de que esta instabilidade relativa ao acto
autorizativo prevalece, sempre e em qualquer caso, sobre a desejada
estabilização da pretensão do seu destinatário. Com efeito, devemos considerar
que o seu direito a ver garantida tal pretensão permanece ao longo da vigência da
autorização podendo, quando muito, alterar-se a sua expectativa quanto à
duração temporal dos efeitos inicialmente previstos.
A
juntar a isto, temos como parte fundamental do conteúdo da autorização
ambiental a cláusula das MTD, no sentido de obrigar o operador a adoptá-las
enquanto perdurar o acto considerado e procurando assegurar sempre a maior
aptidão preventiva possível quanto à ocorrência de riscos ambientais – em
atenção à actividade económica desenvolvida em concreto pelo titular da
autorização.
Actuando
desta forma, estar-se-á a garantir a concretização efectiva do dever de
protecção ambiental e a vincular a Administração a uma fiscalização do
cumprimento desse dever, com vista a satisfazer as necessidades de
actualização, inerentes a esse dever.
Enfim, e perante a análise que foi feita,
podemos dizer que assistimos a um enfraquecimento da função estabilizadora do
“velho” acto administrativo, em virtude da adequação dos actos autorizativos à
necessária actualização motivada pelos deveres de protecção do ambiente, em
face do factor risco – cada vez mais
presente como pano de fundo das relações jurídico-ambientais, na medida em que
surge como elemento omnipresente na encruzilhada entre a indispensabilidade de
protecção da confiança criada pelo destinatário da autorização e o
acompanhamento necessário do que é imposto pelo interesse público em questão.
Bibliografia consultada:
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Direito e Justiça, vol. VI, 1992
CALVÃO, Filipa Urbano, Os Actos
Precários e os Actos Provisórios no Direito Administrativo, Universidade
Católica Portuguesa, Porto, 1998
CANOTILHO, Gomes, Direito Constitucional e Teoria da
Constituição, Coimbra, Almedina, 2003
CANOTILHO, Gomes (coord.), Introdução
ao Direito do Ambiente, Lisboa, Universidade Aberta, 1998
CANOTILHO, Gomes, Actos Autorizativos
Jurídico-Públicos e Responsabilidade por Danos Ambientais, in BFDUC, vol.
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COUTINHO, Luís Pereira, Notas sobre a alteração da licença
urbanística, Revista de Direito do Ambiente e Ordenamento
do Território, n.º 14-15, 2010
ENTERRÍA, Garcia de/ RODRÍGUEZ, Fernandez, Curso de Derecho Administrativo, II, 4.ª
ed., Madrid, 1993
GOMES, Carla
Amado, Da aceitação de um regime de modificação do acto
administrativo por alteração superveniente dos pressupostos, e do controlo
jurisdicional desta competência: pistas de reflexão, in Revista da Ordem dos Advogados, 2007
GOMES, Carla Amado, Risco e
Modificação do Acto Autorizativo Concretizador de Deveres de Protecção do
Ambiente, Edição Digital e-book da Autora, Lisboa, 2012
GOMES, Carla Amado, Introdução ao
Direito do Ambiente, Lisboa, AAFDL, 2014
OLIVEIRA, Esteves de/ GONÇALVES, Costa/ AMORIM, Pacheco de, Código do Procedimento Administrativo
comentado, Coimbra, 1997
SILVA, Vasco Pereira da, Em Busca do
Acto Administrativo Perdido, Coimbra, Almedina, 1996
SILVA, Vasco Pereira da, Verde Cor de
Direito – Lições de Direito do Ambiente, Coimbra, Almedina, 2002
SOUSA, Marcelo Rebelo de/ MATOS, André Salgado de, Direito Administrativo Geral, tomos I e III, Lisboa, D. Quixote,
2010
Mara Afonso, n.º 20684, subturma 2
[1] Mas isto não significa que o acto
administrativo tenha um carácter irrevogável ou que possa perdurar ad eternum, pois ele poderá sempre
sofrer alguma modificação, substituição ou revogação, no sentido de satisfazer
o interesse público cuja prossecução seja definida como prioritária num dado
momento. Deve, no entanto, atender-se, por exemplo, à limitação dos poderes de
revogação, nomeadamente quanto a decisões constitutivas de direitos – artigo
140.º/1, b) do Código de Procedimento Administrativo, salvo o disposto no seu
número 2 – em prol da segurança jurídica e da protecção da confiança
legitimamente formada, vide infra ponto IV
[2] GOMES
CANOTILHO, Direito Constitucional e
Teoria da Constituição, p. 265
[3] Para um aprofundamento da evolução histórica
do conceito de acto administrativo e das funções que desempenha na acção
administrativa ver MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Direito Administrativo Geral, Tomo III,
pp. 86 a 91
[4] De notar que, estando numa área em que a
actividade da Administração Pública é deveras necessária para a satisfação das
exigências ambientais, deverão ter-se em conta os vários princípios que
norteiam a actividade administrativa em geral, nomeadamente o da legalidade em articulação
com uma necessária margem de livre decisão administrativa; o da prossecução do
interesse público previamente definido sem esquecer o princípio do respeito
pelas posições jurídicas subjectivas dos particulares; o da proporcionalidade e
imparcialidade, sempre com base no princípio da boa fé administrativa e, ainda,
os princípios da descentralização e da desconcentração, destinados a aproximar
a administração das populações. Para um desenvolvimento das noções destes
princípios vide MARCELO REBELO DE
SOUSA e ANDRÉ SALGADO MATOS, Direito
Administrativo Geral, Tomo I,
pp. 142 a 232
[5] CARLA
AMADO GOMES, Introdução ao Direito do
Ambiente, p. 114
[6] Como bem refere GOMES CANOTILHO (coord.), Introdução ao Direito do Ambiente, p.
115, “(…) desde há muito se reconheceu que não são apenas interesses
particulares – com o seu lugar de regulação próprio no âmbito do Direito Civil
– que estão aqui em causa, mas também interesses genéricos da colectividade
nacional, o que mostra a insuficiência da abordagem civilística (ou seja, de
uma regulação jurídica do ambiente a efectuar apenas pelo Direito Civil) e
realça a necessidade de uma regulação a efectuar pelo Direito Público”.
[7]
Quanto a esta matéria e à sua relação com a necessidade de se assegurar
também uma política de desenvolvimento sustentável, há que referir o mecanismo
da Avaliação de Impacte Ambiental (AIA), regulado no DL n.º 151-B/2013, de 31
de Outubro, alterado pelo DL n.º 47/2014, de 24 de Março.
[8] De
referir que, e não obstante a mais valia de tais instrumentos no que diz
respeito à conformação dos deveres de prevenção pelos diferentes operadores,
com base em orientações uniformes ou tendencialmente uniformes para cada sector
e que permite a redução da desigualdade entre operadores do mesmo sector, a
verdade é que é questionável que tais directivas revistam eficácia externa,
dada a proibição expressa do art. 112.º/5 da Constituição, merecendo, por isso,
a desconfiança de CARLA AMADO GOMES, idem,
p. 121, o disposto no artigo 8.º/4 do DL 127/2013, de 30 de Agosto, que terá
subjacente uma interpretação autêntica, proibida por aquele dispositivo
constitucional.
[9] CARLA
AMADO GOMES, idem, nota 176, p. 122
[10] Como
exemplo da constante mutação do conteúdo do acto administrativo autorizativo
poderá referir-se o artigo 26.º/6 do DL n.º 151-B/2013, de 30 de Outubro em
que, já depois da avaliação, se atribui à Autoridade da Avaliação de Impacto
Ambiental, a possibilidade de alterar o conteúdo da declaração de impacto
ambiental, no sentido de a adaptar a factos não previstos.
[11] CARLA AMADO GOMES, Risco e Modificação…, p. 390 e ss
[12] LUÍS PEREIRA COUTINHO, Notas sobre a alteração da licença urbanística, Revista de Direito do Ambiente e Ordenamento do Território,
pp. 9 a 32
[13] CARLA AMADO GOMES, Risco e Modificação…, p. 390
[14] CARLA AMADO GOMES, idem, p.395 e VASCO PEREIRA DA SILVA, Verde Cor de Direito, p.203
[15] FILIPA URBANO CALVÃO, Os Actos Precários e os Actos Provisórios
no Direito Administrativo, p. 27
[16] Aliás, como bem nota VIEIRA DE ANDRADE, Revogação do acto administrativo, p. 62
[17] ESTEVES DE OLIVEIRA/ P. GONÇALVES/ P. DE
AMORIM, Código do Procedimento comentado,
p. 678
[18] FILIPA URBANO CALVÃO, idem, p. 197
[19] GARCIA DE ENTERRIA e FERNANDEZ RODRIGUEZ, Curso de Derecho Administrativo, II, p.
143
[20] CARLA AMADO GOMES, Da aceitação de um regime de modificação do acto administrativo…,
pp. 1041 e ss
[21] CARLA AMADO GOMES, ibidem
[22] Esta teoria foi tida em conta no Projecto
de Revisão do CPA, nomeadamente no seu novo artigo 166.º/2, c), que irá prever
o seguinte: “Os actos constitutivos de direitos só podem ser revogados com
fundamento em alteração objectiva das circunstâncias ou na superveniência de
conhecimentos técnicos e científicos em face dos quais eles não poderiam ter
sido praticados”.
[23]
VASCO PEREIRA DA SILVA, idem,
p. 205
[24]
GOMES CANOTILHO, Actos
Autorizativos Jurídico-Públicos…, p. 42
[25] VASCO PEREIRA DA SILVA, idem, p. 195
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