O problema da codificação em
matéria ambiental está intimamente ligado às próprias fontes de Direito do
Ambiente, sendo que, para melhor compreender uma matéria cabe explicitar outra.
Assim sendo, cabe fazer uma análise prévia das fontes de Direito do Ambiente
para posteriormente assumir posição relativamente à justificabilidade da
Codificação em matéria ambiental.
Tendo conhecimento de que estas
fontes, no quadro do Direito Ambiental, são muito diversificadas e se inserem
em diferentes níveis, penso que se justifique começar a análise das fontes pelas
que têm natureza Internacional, uma vez que o Direito do Ambiente nasceu
primeiro à escala internacional.
No domínio
internacional foram convenções e declarações dos finais dos anos 60 que
vieram dar vida às preocupações em matéria de ambiente, e à formação de
princípios consuetudinários de preservação da Natureza. Estas fontes podem
assumir um âmbito multilateral ou bilateral. A saber:
- As fontes de âmbito multilateral são as
que são emitidas no quadro de organizações internacionais, como por exemplo a
O.C.D.E, a O.N.U. ou a O.U.A.. Como
exemplos de fontes de âmbito multilateral temos a Declaração da Conferências
das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano (de Estocolmo, datada de 1972) ou as
Convenções-Quadro da Conferência do Rio de Janeiro (datada de 1992).
- As fontes de âmbito bilateral consistem
nas fontes que regulam as relações de vizinhança em matéria ambiental, racionalizando
o aproveitamento de recursos comuns ou prevenindo a poluição transfronteiriça.
Pode neste caso dar-se como exemplo mais próximo os tratados celebrados entre
Portugal e Espanha relativos à gestão dos recursos hídricos.
No ordenamento jurídico português estabelece-se a receção
imediata das normas e princípios de Direito Internacional geral ou comum pelo
artigo 8º, nº1 da Constituição, considerando que as mesmas “fazem parte
integrante do direito português”; já no nº2 do mesmo artigo estatui-se
relativamente às normas constantes de convenções internacionais que estas vigoram,
pelo princípio da receção, após ratificação ou aprovação e publicação oficial.
De acordo com a conceção monista
com primado do Direito Internacional (consagrada na Constituição) as normas
internacionais ocupam a posição de topo na hierarquia das fontes de direito,
ainda que haja que distinguir entre as normas e os princípios de direito
internacional geral ou comum, que prevalecem sobre qualquer outra fonte, e as
normas constantes de tratados e convenções internacionais, às quais a lei
fundamental parece ter atribuído valor supra-legislativo mas infra-constitucional,
ao submete-las à fiscalização da constitucionalidade (artigos 277º e
seguintes).
É, no entanto, importante
chamar à atenção que para além das fontes tradicionais - aquelas que
correspondem a tratados internacionais, e que têm as
suas regras específicas - no quadro do Direito do Ambiente tem surgido e tem
tido uma grande importância o surgimento da chamada “soft law”. Dá-se o nome de “soft law” porque do ponto de vista
jurídico não têm as mesmas
condições de vinculatividade do que as convenções internacionais, mas, apesar de não ter a mesma vinculatividade, o que é facto é que
esse “direito brando” acaba por ter uma influência
determinante. Vejamos como
exemplo desta “soft law” as
grandes declarações em matéria
ambiental, consequência de
todas as cimeiras, desde Estocolmo ao Rio de Janeiro, à África do Sul. Estas declarações são
isso mesmo, declarações. Não
têm uma eficácia imediata, no entanto, o facto de surgirem cria nos Estados
convicções de obrigatoriedade de
mudança, mudança essa que se verifica na adoção de regras.
Para além das fontes internacionais existem ainda as fontes europeias. E, no entender do
Professor Vasco Pereira da Silva, “europeu não é internacional”[1].
A justificação do Professor para o afirmar é o facto de na Europa existir uma
ordem jurídica comum que por um lado, integra normas com fontes comunitárias,
com as normas jurídicas nacionais. Diz o Professor que se assemelha a um Estado
Federado, mas que na realidade não é uma Federação, é, sim, uma realidade sui generis que está a meio caminho
entre o Direito Internacional e o Direito Interno, não podendo no entanto ser
considerada apenas como Direito Internacional (como faziam/tendem a fazer os
constitucionalistas). Esta realidade é de tal maneira importante que na Europa há mesmo uma
Constituição em sentido material, porque na Europa há regras acerca da divisão
de poderes, não só entre os órgãos da União, como entre os órgãos da União e os
órgãos de diferentes países.
Ora, no ordenamento comunitário,
a matéria do ambiente encontrava-se ausente dos tratados constitutivos das
comunidades europeias[2], mas isso iria ser
remediado a partir do Ato Único de 1987, tendo passado a ser objeto de
tratamento autonomizado ao nível dos “textos fundadores”.
No entanto, desde pelo menos os anos setenta que as
preocupações de natureza ambiental se manifestam no quadro da Comunidade
Europeia, seja:
a) Ao
nível das políticas comuns
(agrícola, de pescas);
b) Ao
nível de específicas manifestações
normativas, podendo assumir a forma:
a. De regulamentos - imediatamente
aplicáveis.
(Exemplo: Regulamento do Parlamento Europeu e do
Conselho nº 1980/2000/CE, de 17 de Julho de 2000, que estabelece um sistema
comunitário de atribuição do rótulo ecológico)
b. De diretivas - que impõem um fim a
atingir mas deixam aos países membros a escolha dos meios para o realizar.
(Exemplo: Diretiva nº 85/337/CEE, do Conselho, de 27
de Junho de 1985, alterada pela Diretiva nº 97/11/CE, do Conselho, de 3 de
Março de 1997, que estabelece o regime europeu de avaliação de impacte
ambiental)
c. De decisões - que são obrigatórias para
os respetivos destinatários
(Exemplo: Decisão
do Conselho 97/872, de 1997, que estabelece um programa de apoio às organizações
não-governamentais de proteção do meio-ambiente)
d. De recomendações e de resoluções - que,
apesar de não vinculativas, não deixam de ser importantes enquanto instrumentos
de afirmação de princípios e de valores ambientais
(Exemplo: Recomendação 79/3, de 19 de Dezembro de
1978, que propõe um sistema uniforme de avaliação dos custos da proteção ambiental
na atividade industrial)
Todas estas “disposições” justificam o surgimento de um
verdadeiro Direito Europeu do Ambiente, cuja importância não decorre apenas do
facto das respetivas normas gozarem de aplicabilidade direta e de primazia
sobre as fontes internas, nem também da existência de mecanismos jurisdicionais
destinados à sua efetivação (mesmo contra a vontade dos Estados), como
sobretudo do seu papel dinamizador de uma “consciência jurídica” ambiental a
nível europeu.
Analisado o plano externo (quanto às fontes) segue-se o
plano interno (plano nacional). No plano nacional há que distinguir os
diferentes níveis que compõem as fontes de direito ambiental.
Escusado será dizer que é primordial começar pela Constituição, a “nossa” Lei
Fundamental. Na CRP as questões ambientais assumem uma dupla dimensão, a
objetiva e a subjetiva. Em primeiro lugar consagra a proteção do ambiente
enquanto bem objetivo, reconduzindo ao artigo 9º alíneas d) e f) da
Constituição e assumindo como uma tarefa fundamental do Estado. Por outro lado,
consagra um direito fundamental ao ambiente no artigo 66º da Constituição[3]. Considera o Professor
Vasco Pereira da Silva que os dois vetores fundamentais apontados dão origem a
uma verdadeira Constituição do Ambiente.
De referir ainda a Legislação
Ordinária onde há que considerar, no nosso ordenamento jurídico, múltiplas
fontes ambientais nas diferentes modalidades:
a)
Lei
de Bases
(Exemplo: Lei de Bases do Ambiente, Lei 11/87, de 7 de
Abril)[4];
b)
Lei
(Exemplo: Lei das Organizações Não-Governamentais de
Ambiente, Lei nº 35/98, de 18 de Julho);
c)
Decreto-Lei
(Exemplo: Decreto-Lei nº 194/2000, que estabelece o
regime da licença ambiental);
d)
Decreto-Legislativo
Regional
(Exemplo: Decreto-Legislativo Regional nº 15/2000/A,
de 21 de Junho, que cria a reserva florestal de recreio do Pinhal da Paz ou da
Mata das Criações, na ilha de São Miguel);
a)
Os
Planos
(Exemplo: o Plano Diretor Municipal);
b)
Outros
regulamentos administrativos
(Exemplo: Decreto-Regulamentar nº 9/2000, de 22 de Agosto, que cria o
Parque Natural do Tejo Internacional);
Trata-se
de uma atividade de produção normativa a cargo da Administração de que resultam
múltiplas disposições reguladoras de problemas ambientais.
Para
finalizar a matéria das fontes existem ainda outras formas de atuação
administrativa, como sejam os atos e os
contratos administrativos[5].
Como exemplos desta situação podemos apresentar os
seguintes:
- O ato administrativo de licenciamento de uma urbanização,
que fica condicionado à realização e manutenção de espaços verdes pelo
particular;
- O contrato de concessão de exploração da ponte Vasco da
Gama, que estabelece obrigações contratuais em matéria de ambiente, a cargo do
contraente privado, como sejam a utilização de técnicas e materiais de
construção não poluentes, a escolha de candeeiros de iluminação pública que
apenas incidam sobre o tabuleiro da ponte, de modo a não encandear os peixes,
ou o encargo de recuperação das salinas do Samouco.
Concluindo, é óbvio que perante uma tal diversidade de
fontes, a que se veio juntar a “tendência
infantil” dos fenómenos emergentes para a proliferação e a dispersão de textos
normativos, se veio acentuar o risco de o universo do direito do ambiente
parecer uma “selva”.
Para nos orientarmos na “selva” convém haver um “mapa do
tesouro”, e se “é difícil encontrar o mapa do tesouro” mais será orientarmo-nos
sem ele.
Esta metáfora[6] ilustra bem a confusão e
desorganização presente no direito ambiental. É realmente difícil saber qual a
norma jurídica aplicável porque estas normas muitas vezes repetem-se umas às
outras, não estabelecendo muitas vezes regimes completos, detalhados.
É precisamente por existirem muitas zonas no direito ambiental que apesar de reguladas, essa
regulação é incompleta, repetida ou não se encontra sequer realizada, que se
discute a necessidade de fazer apelo ao legislador no sentido da codificação jurídica
no domínio ambiental.
Este problema da codificação
em matéria ambiental surgiu com especial foco na Alemanha, sobretudo na
sequência da nomeação de uma comissão de especialistas que apresentou em 1997
(após cinco anos de trabalho) um projeto de “Código do Ambiente”.
Contudo, o
Professor Vasco Pereira da Silva discorda da ideia de códigos do século XIX. Os
códigos positivistas (fechados, sistemáticos e científicos) cederiam perante
uma lógica de código aberto, que introduza uma simplificação no âmbito da
realidade administrativa. Como se diz no Direito Alemão neste caso a
codificação pode trazer mais direito com menos normas - “mehr recht mit weniger
normen”[7].
A codificação
serviria para introduzir alguma racionalidade nas questões ambientais, ainda
que outros países tenham feito esta experiência e esta nem sempre tenha sido bem-sucedida.
No quadro da
Alemanha, há um código ambiental que nunca chegou a ser aprovado, mas há, a
nível setorial, numerosas tentativas de codificação que foram bem-sucedidas.
Podemos então
falar em duas perspetivas de codificação no domínio ambiental:
- A codificação
geral, no quadro dos domínios comuns a todas as questões ambientais;
- Ou modelos de
codificação especial, em relação a certos bens, por exemplo a água, as questões
do ar, o ruído. Podendo haver, portanto, codificações parcelares, no quadro de
uma determinada realidade.
Na perspetiva do
Professor tanto umas como outras “são igualmente necessárias, porque elas
correspondem ao criar do “mapa do tesouro” nesta realidade confusa em que há
muitas leis e muitas vezes pouco direito, que corresponde ao quadro do direito
do ambiente”[8].
Apresentemos
então as vantagens e os inconvenientes à codificação.
Do lado dos
inconvenientes apontados estão a rigidez e a estagnação decorrentes da
codificação de realidades novas e em constante mutação. Contrapõe esta crítica
o Professor Vasco Pereira da Silva defendendo que a codificação deve ser
permanente e regular.
O professor
defende que deve haver um esforço de racionalização e de sistematização que se
revelaria como essencial. No quadro de alguns domínios parcelares ela inclusive
já existe, também por causa da influência europeia, como por exemplo a lei da
água ou a lei do ruído que, de alguma maneira, são codificações parcelares. No
entanto, para além dessas codificações parcelares, era importante também
insistir no quadro de uma codificação geral das questões do ambiente que são
comuns a todos. E se, ainda assim as desvantagens residissem na lógica da
rigidez, esta deveria ser ultrapassada pela lógica da flexibilidade. Assumir as
normas de Direito do Ambiente como normas abertas para uma sociedade aberta. As
vantagens seriam inúmeras, desde logo, porque quer a administração pública,
quer os cidadãos, com essa codificação, sabem qual é o direito aplicável, e não
é fácil saber sempre qual é o direito aplicável, uma vez que há inclusive ainda
diplomas em vigor que datam de 1910.
Assim, ainda que
já brevemente apresentadas na oposição às desvantagens, as vantagens na
codificação residem essencialmente na certeza e na segurança jurídica
relativamente à aplicação do Direito do Ambiente por parte das autoridades
públicas e mesmo à proteção dos direitos dos particulares em matéria ambiental.
A possibilidade de unificação e de sistematização do domínio ambiental,
permitindo a simplificação e harmonização das disposições aplicáveis, assim
como a eliminação de repetições e contradições inúteis em diplomas seriam
apenas outras das vantagens no caso de seguir o caminho da codificação.
Acompanho o
Professor Vasco Pereira da Silva no sentido favorável à codificação uma vez que
de facto parece-me que as vantagens suplantam as desvantagens apresentadas
pelos opositores à codificação, já para não falar que todas as desvantagens por
estes apresentadas são críticas “pensadas” para modelos de código “fechados”,
que vigoravam no século XIX. Apoio a posição do Professor ao defender uma
codificação aberta e flexível, que deve ser submetida a periódicas revisões.
________________________________________________________________________
BIBLIOGRAFIA:
- ARAGÃO, Maria Alexandra de Sousa, “Direito
Comunitário do Ambiente”;
- CANOTILHO, Gomes (coordenação), “Introdução
ao Direito do Ambiente”;
- GOMES, Carla Amado, “Introdução ao
Direito do Ambiente”, 2012, AAFDL;
- KISS, Alexandre, “Direito Internacional
do Ambiente”;
- ROCHA, Mário de Melo, “Direito
Internacional e Direito Europeu e o Direito do Ambiente”;
- SILVA, Vasco Pereira da, “Verde Cor de
Direito - Lições de Direito do Ambiente”, 2002, Almedina
Nota: Escrito ao abrigo do novo Acordo
Ortográfico
Rodrigo Manuel Figueiredo Rocha
Nº 18386
[1]
No entender do Professor Vasco Pereira da Silva as normas comunitárias não são
internas pois não são exatamente iguais às leis produzidas pelo Estado
Português mas é uma realidade comum à dimensão interna. Não será, assim, uma
realidade de direito internacional.
[2]
Tratado de Roma de 1957
[3]
Questão muito debatida na doutrina é a de existir ou não, efetivamente, um
Direito Fundamental do Ambiente
[4] Na visão do Professor Vasco Pereira da Silva a lei que está em vigor, praticamente não é
aplicável, ainda que continue em vigor. Revela ainda o Professor que houve recentemente uma tentativa de fazer uma nova lei de bases do ambiente, tendo o Governo apresentado um projeto que, diferentemente do outro, não era programático. No entanto,
informa o Professor que tanto quanto sabe a proposta está “morta” na Assembleia da República (após
aprovação por todos os partidos na generalidade passou mais de um ano e nunca
houve discussão na especialidade).
[5] Considerar estes como
fontes «decorre da ideia de que a Administração, na sua tarefa da satisfação
das necessidades coletivas, ao interpretar e aplicar normas jurídicas, também desempenha
uma função de “criação do direito do caso concreto”».
[6]
Da autoria do Professor Vasco Pereira da Silva
[7]
Posição transmitida pelo Professor na Aula Teórica de Direito do Ambiente de
27/02/2014
[8]
Posição transmitida pelo Professor na Aula Teórica de Direito do Ambiente de
27/02/2014
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