O Direito do Ambiente é um
Direito Fundamental, com consagração no artigo 66º CRP. Daqui resulta, por um
lado, um dever geral dos cidadãos e do Estado absterem-se de condutas
lesivas do ambiente, e por outro lado, um dever da sociedade e do Estado em
preservar o ambiente e zelar pelo património natural.
Para
além disso, o Direito do Ambiente exige a criação de relações jurídicas
diferentes da clássica relação jurídica bilateral. A
doutrina cedo se apercebeu de que a formulação clássica não resolvia a grande
maioria das situações em que se lesavam direitos ambientais.
Nos
dias de hoje, a maior parte das relações administrativas de ambiente possuem
natureza multilateral, pois trata-se de relações em que existem várias partes,
onde a Administração e os diferentes particulares se envolvem numa rede de
ligações jurídicas, de que resultam Direitos e Deveres recíprocos.
O
professor Vasco Pereira da Silva dá o exemplo do “pescador de Chalupa”:
trata-se de uma relação jurídica de ambiente criada por uma autorização
administrativa ilegal, concedida a uma indústria poluente. Neste caso para além
da autoridade administrativa (que praticou o acto de autorização) e do dono da
fábrica (o destinatário do acto) existe ainda o pescador (que foi lesado nos
seus direitos fundamentais) e tal como ele poderiam existir muitos mais
sujeitos (vizinhos da fábrica, outros pescadores etc.), lesados de forma grave
nos seus direitos constitucionalmente protegidos. Ora todos estes sujeitos, na
medida em que são afectados por uma decisão administrativa, encontram-se
ligados numa teia de múltiplas ligações.
A teorização da
relação jurídica multilateral surgiu primeiro e teve uma importância maior nos
ramos do direito administrativo especial como o Direito do urbanismo, do
ordenamento do território, da economia e claro do Direito do ambiente. Este
motivo explica o facto de essas relações terem sido primeiramente estudadas ao
nível dessas áreas científicas e só mais tarde se terem transformado em
categoria do Direito Administrativo geral.
Quanto à questão
muito debatida na doutrina alemã sobre a designação dessas relações como
poligonais, multipolares ou multilaterais, o professor Vasco Pereira da Silva
defende esta última, uma vez que um polígono é uma figura geométrica, pelo que
a ligação entre os seus diferentes pontos apresenta um carácter fechado, apenas
se estabelecendo uma ligação entre dois polos contíguos. Também a designação
multipolares refere-se a uma representação fechada, em vez de aberta como é a
realidade ambiental. A designação multilateral é a que permite descrever melhor
a relação entre os sujeitos, que podem apresentar múltiplas configurações,
pautado por uma lógica de flexibilidade.
Já o professor
Gomes Canotilho designa-as por relações jurídicas poligonais ou multipolares e
apresenta quatro traços estruturais dessas relações, seguindo assim o que foi
defendido primeiramente por Rudolf Steinberg:
1 – Programação
legal relativamente Ténue;
2 – Complexidade de
situações e tarefa de avaliação de riscos apelativos de conhecimentos técnico-jurídicos;
3 – Pluralização e
interpenetração de interesses públicos e privados;
4 – Legitimidade de
intervenção dos interessados no acto procedimental praticado pela
administração.
Eu concordo com a
posição do professor Vasco Pereira da Silva porque penso que é a que melhor
descreve as relações entre os vários sujeitos da relação.
Os sujeitos das
relações administrativas multilaterais do ambiente tanto podem ser particulares
como entidades públicas. A qualidade de sujeito assume uma tripla dimensão:
substantiva, procedimental e processual.
Quanto aos sujeitos
privados estes podem ser os indivíduos e as pessoas colectivas (associações,
fundações, sociedades) que podem ser enquadradas da seguinte forma:
1 - Titulares de
Direitos Subjectivos, ou seja, todos aqueles indivíduos que possam alegar uma
posição subjectiva de vantagem (artigo 53 do CPA);
2 - Pessoas
Colectivas Privadas: veja-se o artigo 12/2CRP, no domínio ambiental são
essencialmente as ONGA´S reguladas pelo D-L 35/98 de 18 de Julho;
3- Cidadãos, associações
e fundações destinadas à defesa do ambiente, no exercício do Direito de
Participação Popular, para defesa da colectividade e dos interesses públicos.
Quanto aos sujeitos
públicos eles podem ser agrupados da seguinte forma:
1 – A administração
estadual, que é prosseguida por órgãos e serviços integrados no Estado, desde
logo o Ministério do Ambiente do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento
Regional;
2- A administração
indirecta, que é prosseguida por órgãos e serviços organizados em pessoas
colectivas distintas do Estado, mas que prosseguem os fins deste, alguns
exemplos são: o Instituto Geográfico Português, o Instituto de Conservação da
Natureza, o Instituto da Água;
3- A administração
autónoma, que é realizada por órgãos e serviços que se integram em entidades
distintas do Estado, que prosseguem fins próprios, de forma própria, através de
órgãos livremente escolhidos pelos seus membros, em Portugal temos os
municípios, as freguesias e as associações de municípios;
4- A administração
Pública sob forma privada, que integra entidades constituídas nos termos do
direito privado mas que têm capitais exclusiva ou maioritariamente públicos,
são geridos de forma pública e existem para prossecução de fins que se integram
no âmbito da função administrativa, alguns exemplos são a EPAL S.A e a Águas de
Portugal.
Todos estes
sujeitos estabelecem ligações uns com os outros, numa teia de vínculos
jurídicos em que podem ocupar as mais distintas posições, dando origem a
relações jurídicas de ambiente, de conteúdo muito diversificado, respeitantes
aos diferentes componentes ambientais naturais (ar, luz, água, solo vivo e
subsolo, flora, fauna).
Quanto aos aspectos
processuais da tutela do ambiente nas relações de vizinhança, importa
distinguir os meios processuais de que dispõe o terceiro vizinho para reagir às
lesões no seu Direito ao Ambiente e à qualidade de vida. Ele tem meios de
tutela jurídico-civis (dirigidos a actuação dos particulares) e meios de tutela
jurídico – administrativos (dirigidos à actuação da administração).
Importa distinguir
consoante o acto administrativo autorizativo seja legal ou ilegal.
Começando pelo acto
ilegal, o terceiro prejudicado pode propor uma acção especial de impugnação,
para anular ou declarar nulo o acto administrativo (artigo 50º do CPTA). Outro
meio processual a que o terceiro pode recorrer é a providência cautelar de
suspensão de eficácia dos actos administrativos (artigos 2º/2/m, 112º/1e2/a do
CPTA). O terceiro tem ainda a possibilidade de recorrer á acção de intimação
para protecção de direitos, liberdades e garantias, embora esta seja
subsidiária em relação ao decretamento de providências cautelares, no sentido
de só se poder dela lançar mão se a providência cautelar não for suficiente
para garantir a tutela plena do Direito do ambiente, o particular poderá
recorrer a esta acção quando se mostre indispensável para assegurar o exercício
em tempo útil do Direito a uma decisão de mérito que imponha à administração
uma conduta positiva ou negativa. Para além disso pode intentar uma acção
administrativa comum de condenação da administração à reintegração natural ou
ao pagamento de uma indemnização pecuniária (artigos 2º/2/f e 37º/1e2/f e g do
CPTA). O terceiro pode ainda cumular a acção de impugnação do acto com a acção
de condenação à reintegração natural dos danos (artigos 4º/1e2/aef e 47º do
CPTA).
O terceiro lesado
tem ainda meios jurídico-civilistas, nomeadamente invocando a violação dos
artigos 1346º e 1347º do CC (partindo do principio, tal como Vaz Serra, que a
expressão “prejuízo substancial para o uso do prédio”, não abrange somente os
danos surgidos da relação de vizinhança que atingissem o proprietário do imóvel
mas também as lesões dos direitos de personalidade dos habitantes do mesmo).
Se o acto for
legal, o terceiro não pode impugnar o acto, mas ele continua a ser afectado no
seu direito ao ambiente e à qualidade de vida. Para esta questão ou se
considera que o acto autorizativo é causa justificativa da produção de efeitos
lesivos na esfera jurídica de terceiros ou então defende-se que apesar daquela
autorização, pode a actuação do particular ao abrigo daquela ser considerada um
ilícito na ordem jurídico-civil e como tal ser objecto das acções de defesa
previstas nesse ordenamento.
Ora tal como
defende o professora Filipa Urbano Calvão, não faz sentido que uma dada conduta
seja considerada válida em sede jurídico-administrativa e já o não seja aos
olhos do direito civil ou do direito penal. Não é tanto pelo princípio da
unidade da ordem jurídica mas pela necessidade prática de evitar contradições
normativas e proteger a confiança dos particulares.
Para o professor
Gomes Canotilho quando há um conflito entre uma norma fixadora da ilicitude e
uma norma que consagra uma causa justificativa, normas essas pertencentes a
diferentes ramos da mesma ordem jurídica deve prevalecer a norma de
justificação, desde que isso resulte inequivocamente da lei. Assim a norma deve
consagrar expressamente a existência de um direito, cujo exercício importa
lesões para terceiros ilícitas à luz do direito civil e deve ainda prever a
exclusão de acções de defesa por parte de terceiros. Acresce que tais efeitos
não podem violar os princípios básicas da ordem jurídico-constitucional. O
sacrifício que recaia sobre terceiros deve resultar da lei (sendo o acto
autorizativo mera concretização daquela), pois tratando-se de direitos fundamentais
vale o princípio da reserva de lei. Tem de se respeitar também o princípio da
proibição do excesso, pelo que a restrição tem de ser adequada, necessária e
proporcional à prossecução do fim legalmente e constitucionalmente protegido.
O terceiro lesado
pode, no entanto, propor uma acção de indemnização por factos lícitos. Neste
caso deve ser o particular beneficiado com o acto autorizativo quem responde a
título principal e a administração apenas a título subsidiário, havendo direito
de regresso do Estado sobre o particular beneficiado com o acto. Neste sentido
está-se a garantir uma protecção adequada do Direito do Ambiente e da qualidade
de vida.
Na hipótese de o
acto autorizativo ser legal, cumpre apresentar a situação em que o
estabelecimento industrial (por exemplo) não cumpre as condições impostas na
autorização ou não obedece aos requisitos aí requeridos. Neste caso o terceiro
lesado pode intentar uma acção de responsabilidade civil por factos ilícitos,
dirigido contra o particular destinatário do acto. No CPTA o terceiro pode
intentar uma acção comum de simples apreciação (artigo 2/2/a do CPTA), mas como
esta acção em geral não basta, deve cumular com aquele pedido ou então
limitar-se a propor uma acção administrativa comum de condenação da administração
à prática de actos e operações necessários ao restabelecimento da situação
jurídica, nos termos do artigo 2º/2/j do CPTA).
Eventualmente, na
medida em que o cumprimento do dever de controlo da actividade autorizada se
traduza na emissão de actos administrativos pode justifica-se a proposição da
acção administrativa especial de condenação da Administração à prática de acto
legalmente devido (artigos 2/2/i, 46º e 66º), quer se trate de uma omissão de
um acto vinculado quer se trate da omissão de um acto discricionário.
O terceiro pode
ainda propor uma acção urgente de intimação para a protecção de direitos,
liberdades e garantias, se estiverem reunidos os requisitos do artigo 109/1 do
CPTA, sendo que no artigo 109/2 se prevê a possibilidade de a acção ser
dirigida também contra o particular lesante.
Por último, o
Artigo 37º/3 do CPTA prevê ainda a intimação para a um comportamento, que ao
contrário do que estava previsto na LPTA (era um meio cautelar) passou a
funcionar autonomamente.
Bibliografia:
Calvão, Filipa
Urbano, Direito ao Ambiente e Tutela processual das Relações de Vizinhança, in
estudos de Direito do Ambiente, Porto, UCP, 2003;
Canotilho, J.J
Gomes, Actos Autorizativos Juridico-públicos e Responsabilidade por Danos
Ambientais, in BFDUC, Vol LXIX, 1993;
Canotilho, J.J
Gomes, Relações Jurídicas Poligonais, ponderação Ecológica de bens e controlo
judicial preventivo, in RJUA, nº1, 1994 ;
Silva, Vasco
Pereira, Verde Cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente, Coimbra,
Almedina, 2002
Maria
Inês Alves, Aluna do 4º Ano, da Subturma 2, nº 20909
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