12 de abril de 2014

Relações Jurídicas Multilaterais Ambientais, Sujeitos das Relações Administrativas Ambientais e Tutela Processual das Relações de Vizinhança


O Direito do Ambiente é um Direito Fundamental, com consagração no artigo 66º CRP. Daqui resulta, por um lado, um dever geral dos cidadãos e do Estado absterem-se de condutas lesivas do ambiente, e por outro lado, um dever da sociedade e do Estado em preservar o ambiente e zelar pelo património natural.
Para além disso, o Direito do Ambiente exige a criação de relações jurídicas diferentes da clássica relação jurídica bilateral. A doutrina cedo se apercebeu de que a formulação clássica não resolvia a grande maioria das situações em que se lesavam direitos ambientais.
Nos dias de hoje, a maior parte das relações administrativas de ambiente possuem natureza multilateral, pois trata-se de relações em que existem várias partes, onde a Administração e os diferentes particulares se envolvem numa rede de ligações jurídicas, de que resultam Direitos e Deveres recíprocos.
O professor Vasco Pereira da Silva dá o exemplo do “pescador de Chalupa”: trata-se de uma relação jurídica de ambiente criada por uma autorização administrativa ilegal, concedida a uma indústria poluente. Neste caso para além da autoridade administrativa (que praticou o acto de autorização) e do dono da fábrica (o destinatário do acto) existe ainda o pescador (que foi lesado nos seus direitos fundamentais) e tal como ele poderiam existir muitos mais sujeitos (vizinhos da fábrica, outros pescadores etc.), lesados de forma grave nos seus direitos constitucionalmente protegidos. Ora todos estes sujeitos, na medida em que são afectados por uma decisão administrativa, encontram-se ligados numa teia de múltiplas ligações.
A teorização da relação jurídica multilateral surgiu primeiro e teve uma importância maior nos ramos do direito administrativo especial como o Direito do urbanismo, do ordenamento do território, da economia e claro do Direito do ambiente. Este motivo explica o facto de essas relações terem sido primeiramente estudadas ao nível dessas áreas científicas e só mais tarde se terem transformado em categoria do Direito Administrativo geral.
Quanto à questão muito debatida na doutrina alemã sobre a designação dessas relações como poligonais, multipolares ou multilaterais, o professor Vasco Pereira da Silva defende esta última, uma vez que um polígono é uma figura geométrica, pelo que a ligação entre os seus diferentes pontos apresenta um carácter fechado, apenas se estabelecendo uma ligação entre dois polos contíguos. Também a designação multipolares refere-se a uma representação fechada, em vez de aberta como é a realidade ambiental. A designação multilateral é a que permite descrever melhor a relação entre os sujeitos, que podem apresentar múltiplas configurações, pautado por uma lógica de flexibilidade.
Já o professor Gomes Canotilho designa-as por relações jurídicas poligonais ou multipolares e apresenta quatro traços estruturais dessas relações, seguindo assim o que foi defendido primeiramente por Rudolf Steinberg:
1 – Programação legal relativamente Ténue;
2 – Complexidade de situações e tarefa de avaliação de riscos apelativos de conhecimentos técnico-jurídicos;
3 – Pluralização e interpenetração de interesses públicos e privados;
4 – Legitimidade de intervenção dos interessados no acto procedimental praticado pela administração.
Eu concordo com a posição do professor Vasco Pereira da Silva porque penso que é a que melhor descreve as relações entre os vários sujeitos da relação.

Os sujeitos das relações administrativas multilaterais do ambiente tanto podem ser particulares como entidades públicas. A qualidade de sujeito assume uma tripla dimensão: substantiva, procedimental e processual.
Quanto aos sujeitos privados estes podem ser os indivíduos e as pessoas colectivas (associações, fundações, sociedades) que podem ser enquadradas da seguinte forma:
1 - Titulares de Direitos Subjectivos, ou seja, todos aqueles indivíduos que possam alegar uma posição subjectiva de vantagem (artigo 53 do CPA);
2 - Pessoas Colectivas Privadas: veja-se o artigo 12/2CRP, no domínio ambiental são essencialmente as ONGA´S reguladas pelo D-L 35/98 de 18 de Julho;
3- Cidadãos, associações e fundações destinadas à defesa do ambiente, no exercício do Direito de Participação Popular, para defesa da colectividade e dos interesses públicos.

Quanto aos sujeitos públicos eles podem ser agrupados da seguinte forma:
1 – A administração estadual, que é prosseguida por órgãos e serviços integrados no Estado, desde logo o Ministério do Ambiente do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional;
2- A administração indirecta, que é prosseguida por órgãos e serviços organizados em pessoas colectivas distintas do Estado, mas que prosseguem os fins deste, alguns exemplos são: o Instituto Geográfico Português, o Instituto de Conservação da Natureza, o Instituto da Água;
3- A administração autónoma, que é realizada por órgãos e serviços que se integram em entidades distintas do Estado, que prosseguem fins próprios, de forma própria, através de órgãos livremente escolhidos pelos seus membros, em Portugal temos os municípios, as freguesias e as associações de municípios;
4- A administração Pública sob forma privada, que integra entidades constituídas nos termos do direito privado mas que têm capitais exclusiva ou maioritariamente públicos, são geridos de forma pública e existem para prossecução de fins que se integram no âmbito da função administrativa, alguns exemplos são a EPAL S.A e a Águas de Portugal.
Todos estes sujeitos estabelecem ligações uns com os outros, numa teia de vínculos jurídicos em que podem ocupar as mais distintas posições, dando origem a relações jurídicas de ambiente, de conteúdo muito diversificado, respeitantes aos diferentes componentes ambientais naturais (ar, luz, água, solo vivo e subsolo, flora, fauna).

Quanto aos aspectos processuais da tutela do ambiente nas relações de vizinhança, importa distinguir os meios processuais de que dispõe o terceiro vizinho para reagir às lesões no seu Direito ao Ambiente e à qualidade de vida. Ele tem meios de tutela jurídico-civis (dirigidos a actuação dos particulares) e meios de tutela jurídico – administrativos (dirigidos à actuação da administração).
Importa distinguir consoante o acto administrativo autorizativo seja legal ou ilegal.
Começando pelo acto ilegal, o terceiro prejudicado pode propor uma acção especial de impugnação, para anular ou declarar nulo o acto administrativo (artigo 50º do CPTA). Outro meio processual a que o terceiro pode recorrer é a providência cautelar de suspensão de eficácia dos actos administrativos (artigos 2º/2/m, 112º/1e2/a do CPTA). O terceiro tem ainda a possibilidade de recorrer á acção de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, embora esta seja subsidiária em relação ao decretamento de providências cautelares, no sentido de só se poder dela lançar mão se a providência cautelar não for suficiente para garantir a tutela plena do Direito do ambiente, o particular poderá recorrer a esta acção quando se mostre indispensável para assegurar o exercício em tempo útil do Direito a uma decisão de mérito que imponha à administração uma conduta positiva ou negativa. Para além disso pode intentar uma acção administrativa comum de condenação da administração à reintegração natural ou ao pagamento de uma indemnização pecuniária (artigos 2º/2/f e 37º/1e2/f e g do CPTA). O terceiro pode ainda cumular a acção de impugnação do acto com a acção de condenação à reintegração natural dos danos (artigos 4º/1e2/aef e 47º do CPTA).
O terceiro lesado tem ainda meios jurídico-civilistas, nomeadamente invocando a violação dos artigos 1346º e 1347º do CC (partindo do principio, tal como Vaz Serra, que a expressão “prejuízo substancial para o uso do prédio”, não abrange somente os danos surgidos da relação de vizinhança que atingissem o proprietário do imóvel mas também as lesões dos direitos de personalidade dos habitantes do mesmo).
Se o acto for legal, o terceiro não pode impugnar o acto, mas ele continua a ser afectado no seu direito ao ambiente e à qualidade de vida. Para esta questão ou se considera que o acto autorizativo é causa justificativa da produção de efeitos lesivos na esfera jurídica de terceiros ou então defende-se que apesar daquela autorização, pode a actuação do particular ao abrigo daquela ser considerada um ilícito na ordem jurídico-civil e como tal ser objecto das acções de defesa previstas nesse ordenamento.
Ora tal como defende o professora Filipa Urbano Calvão, não faz sentido que uma dada conduta seja considerada válida em sede jurídico-administrativa e já o não seja aos olhos do direito civil ou do direito penal. Não é tanto pelo princípio da unidade da ordem jurídica mas pela necessidade prática de evitar contradições normativas e proteger a confiança dos particulares.
Para o professor Gomes Canotilho quando há um conflito entre uma norma fixadora da ilicitude e uma norma que consagra uma causa justificativa, normas essas pertencentes a diferentes ramos da mesma ordem jurídica deve prevalecer a norma de justificação, desde que isso resulte inequivocamente da lei. Assim a norma deve consagrar expressamente a existência de um direito, cujo exercício importa lesões para terceiros ilícitas à luz do direito civil e deve ainda prever a exclusão de acções de defesa por parte de terceiros. Acresce que tais efeitos não podem violar os princípios básicas da ordem jurídico-constitucional. O sacrifício que recaia sobre terceiros deve resultar da lei (sendo o acto autorizativo mera concretização daquela), pois tratando-se de direitos fundamentais vale o princípio da reserva de lei. Tem de se respeitar também o princípio da proibição do excesso, pelo que a restrição tem de ser adequada, necessária e proporcional à prossecução do fim legalmente e constitucionalmente protegido.
O terceiro lesado pode, no entanto, propor uma acção de indemnização por factos lícitos. Neste caso deve ser o particular beneficiado com o acto autorizativo quem responde a título principal e a administração apenas a título subsidiário, havendo direito de regresso do Estado sobre o particular beneficiado com o acto. Neste sentido está-se a garantir uma protecção adequada do Direito do Ambiente e da qualidade de vida.
Na hipótese de o acto autorizativo ser legal, cumpre apresentar a situação em que o estabelecimento industrial (por exemplo) não cumpre as condições impostas na autorização ou não obedece aos requisitos aí requeridos. Neste caso o terceiro lesado pode intentar uma acção de responsabilidade civil por factos ilícitos, dirigido contra o particular destinatário do acto. No CPTA o terceiro pode intentar uma acção comum de simples apreciação (artigo 2/2/a do CPTA), mas como esta acção em geral não basta, deve cumular com aquele pedido ou então limitar-se a propor uma acção administrativa comum de condenação da administração à prática de actos e operações necessários ao restabelecimento da situação jurídica, nos termos do artigo 2º/2/j do CPTA).
Eventualmente, na medida em que o cumprimento do dever de controlo da actividade autorizada se traduza na emissão de actos administrativos pode justifica-se a proposição da acção administrativa especial de condenação da Administração à prática de acto legalmente devido (artigos 2/2/i, 46º e 66º), quer se trate de uma omissão de um acto vinculado quer se trate da omissão de um acto discricionário.
O terceiro pode ainda propor uma acção urgente de intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, se estiverem reunidos os requisitos do artigo 109/1 do CPTA, sendo que no artigo 109/2 se prevê a possibilidade de a acção ser dirigida também contra o particular lesante.
Por último, o Artigo 37º/3 do CPTA prevê ainda a intimação para a um comportamento, que ao contrário do que estava previsto na LPTA (era um meio cautelar) passou a funcionar autonomamente.



Bibliografia:
Calvão, Filipa Urbano, Direito ao Ambiente e Tutela processual das Relações de Vizinhança, in estudos de Direito do Ambiente, Porto, UCP, 2003;

Canotilho, J.J Gomes, Actos Autorizativos Juridico-públicos e Responsabilidade por Danos Ambientais, in BFDUC, Vol LXIX, 1993;

Canotilho, J.J Gomes, Relações Jurídicas Poligonais, ponderação Ecológica de bens e controlo judicial preventivo, in RJUA, nº1, 1994 ;

Silva, Vasco Pereira, Verde Cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente, Coimbra, Almedina, 2002

Maria Inês Alves, Aluna do 4º Ano, da Subturma 2, nº 20909


Sem comentários:

Enviar um comentário