12 de abril de 2014

Princípio da Precaução

A autonomização do princípio da precaução não é pacífica entre a doutrina. Uma parte da doutrina considera que este princípio está integrado num outro mais amplo – o princípio da prevenção. Por outro lado, há quem defenda que o princípio da precaução vale por si só, sendo um princípio autónomo ao da prevenção (Gomes Canotilho e Alexandra Aragão). Para este último entendimento, o principal argumento é o de que quando estamos perante perigos ambientais, rege o princípio da prevenção e, quando estão em causa riscos ambientais, entramos no âmbito de aplicação do princípio da precaução. Gomes Canotilho alerta que a autonomia dos princípios encontra-se bem patente, quer a nível europeu (art. 191º/2 TUE), quer a nível interno (nomeadamente, na Lei da Água – art.3º/1 e) da L.: 58/2005 de 29 Dez; na Lei de Bases de Protecção Civil – art.5ºc) da L.: 27/2006 de 3 Julho e na Lei da Conservação da Natureza e da Biodiversidade – art.4º e) do DL.: 142/2008 de 24 Julho), ainda que não encontre previsão expressa na CRP. De facto, parece de admitir tal autonomia visto que o princípio da precaução abrange riscos hipotéticos, ainda não comprovados, coisa que o princípio da prevenção não faz. Este limita-se a ter por base estudos científicos que, divergindo entre si, podem levar à inércia da gestão preventiva, originando aquilo a que Alexandra Aragão designa de “parálise pela análise”. Ainda assim, este é apenas um dos muitos argumentos que deitam por terra as críticas apontadas ao princípio, designadamente, a estagnação do desenvolvimento científico, a insegurança jurídica na gestão do risco ou até mesmo a existência de definições conflituantes que fariam do princípio da precaução um corolário bastante vago. Apesar de todas estas críticas, não se pode negar que o principio da precaução vai mais longe do que a mera perspectiva preventivista uma vez que aquele visa tutelar a parte mais fraca, não só no actual contexto como para futuro, sendo que, neste último caso, estão em causa riscos ainda não totalmente determináveis. O mesmo será dizer que o princípio da precaução apela a um conceito de justiça alargado (justiça intrageracional e intergeracional). Vasco Pereira da Silva considera esta “indeterminação mitigada” como pouco racional visto ter de existir um nexo causal entre a acção e os seus efeitos danosos para o ambiente. Contudo, admitir a ocorrência futura de riscos não determináveis no imediato, não significa negar tal critério jurídico. Na verdade, os juízos de prognose são bastante frequentes em diversas áreas do Direito pelo que não se vê obstáculos à sua utilização. O nexo causal deve ser então aferido num momento prévio, sem ter de ficar dependente de pareceres científicos. Por outro lado, temos ainda a componente da responsabilização relativamente a quem tem o dever de controlar os riscos, responsabilidade essa que advém das designadas “medidas evitatórias” promovidas pelo princípio da precaução. Este princípio assenta, sobretudo, em dois pressupostos: a existência de riscos ambientais e a incerteza quanto a esses riscos. Quanto ao primeiro pressuposto, note-se que importam os riscos globais (abrangem várias regiões do planeta – p.ex. caso Chernobil), retardados (desenvolvem-se ao longo dos tempos, acabando por atingir dimensões catastróficas sem solução possível – p.ex. extinção de espécies) e irreversibilidade (riscos que, concretizados, adquirem efeitos permanentes, sem possibilidade de retorno). Em Portugal, a irreversibilidade é um elemento omisso, o que leva Alexandra Aragão a desenvolver uma solução alternativa. Segundo a Profª., para termos um risco relevante não basta existir incerteza jurídica, sendo também necessário que, no mínimo, o dano potencial seja grave ou irreversível. A lógica aqui existente é a de que o contrário de irreversibilidade é sustentabilidade (i.e, apelo à preservação do ambiente e ao desenvolvimento económico e social) e não reversibilidade. No que diz respeito à incerteza científica dos riscos, podem-se apontar três tipos de incerteza: desconhecimento da causa que deu origem ao dano já produzido, incerteza quanto ao nexo de causalidade entre a causa hipotética e o dano e meras suspeitas quanto ao dano que possa vir a ocorrer. É nesta última situação que a aplicação do princípio da precaução coloca mais dúvidas. Ainda assim, Gomes Canotilho tem entendido que basta uma probabilidade mínima para que ele possa intervir. Alexandra Aragão prefere a expressão “verosimilhança”, admitindo que esta “é o limite mínimo da relevância da incerteza científica”. Sob pena de insuficiência de argumentos, parece aceitável o entendimento de que, nesta matéria, é imperioso chamar à colação o princípio da proporcionalidade, exigindo-se uma actuação por parte do aplicador das medidas baseada no bom-senso. Para finalizar, no que à aplicação deste princípio diz respeito, devem ser tidos em conta três momentos, tal como sugere Alexandra Aragão. São eles: ponderação dos prós e dos contras da acção pretendida (é o caso do procedimento de AIA, regulado pelo RJAIA, aplicável a determinados projectos onde cabe à autoridade de AIA ou às CCDRs – art. 8º RJAIA – a ponderação dos impactes ambientais e sociais, nos termos das als. j) e k) do art.2º RJAIA); a aceitabilidade social do risco (ponderação realizada por parte dos cidadãos sobre as vantagens e inconvenientes e adequação da protecção dos riscos que, neste último caso, pertence ao poder político); e escolha das medidas (urgentes, provisórias e proporcionais). Quanto às medidas provisórias de carácter autorizativo (p.ex. a decisão emanada no procedimento de AIA), existe uma inversão do ónus da prova no que respeita à investigação científica, ou seja, o interessado na autorização é que tem de provar que o desenvolvimento da actividade pretendida não provoca lesões ambientais. É a posição defendida por Gomes Canotilho a qual colide com o entendimento de Vasco Pereira da Silva, o qual não considera haver, nestas situações, qualquer manifestação da máxima in dúbio pro ambiente. Bibliografia: - Introdução ao Direito do Ambeinte - coordenação de José Joaquim Gomes Canotilho; - Revista de Estudos Politécnicos - O Principio da sustentabilidade comoprincipio estruturante do Direito Constitucional, José Joaquim Gomes Canotilho; - Revista do Centro de Estudos de Direito do Ordenamento, do Urbanismo e do Ambiente - Principio da Precaução: manual de instruções, Alexandra Aragão; - Verde cor de Direito - Vasco Pereira da Silva

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