14 de abril de 2014

DIA: Privilégio, batata quente, ou algo mais?


O procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental (AIA), regulado actualmente pelo DL n.º 151-B/2013, de 31 de Outubro, conforme refere Carla Amado Gomes, assume um papel de extrema importância no Direito do Ambiente, a ponto de ser considerado, por várias Constituições, como imprescindível para a tutela do ambiente e de ter sido elevado a princípio de Direito Internacional geral, tanto pelo Tribunal Internacional de Justiça como pelo Tribunal Internacional para o Direito do Mar, visão esta seguida em Portugal por autores como o Mário de Melo Rocha.
Neste contexto, a Declaração de Impacto Ambiental (DIA), que surge no final deste procedimento e é o seu acto central, vai igualmente assumir uma grande importância, por tudo aquilo que implica. Com efeito, se é certo que uma DIA em sentido favorável, ou favorável condicionada, por si só, não é condição suficiente para que determinado projecto venha a ser executado, é condição necessária para o mesmo, não havendo lugar a licenciamento ou autorização de projectos se a DIA for desfavorável (sem prejuízo, é certo, do caso de deferimento tácito, previsto no Art.19.º/2 do D.L). Por outro lado, o conteúdo da DIA, nomeadamente condições nela contidas devem constar do licenciamento ou autorização do projecto, conforme refere o Art.22.º/2 do D.L, enquanto o nº3 prevê a nulidade de todos os actos praticados em desrespeito das exigências referidas acima.
Feitas estas considerações introdutórias, resulta de forma clara que estamos perante um campo fértil para discussões. A que me traz aqui hoje, neste belo dia de Primavera, prende-se com a questão da competência para a sua emissão.
Se é certo que o actual regime prevê, como analisarei infra, soluções altamente criticadas por alguma doutrina, um estudo mais aprofundado mostra que este sempre foi um tema que levantou algumas questões e inquietações. Proponho então, uma pequena viagem na máquina do tempo, para melhor compreendermos a matéria em causa.
A nossa primeira paragem dá-se no final da década de 90. Surgira recentemente a Directiva 97/11/CE, que o Estado Português deveria transpor até Março de 99, pelo que se vaticinavam algumas alterações.
Nesta altura, não existia ainda o conceito de DIA, como hoje a conhecemos. Existia, sim, a decisão de AIA, que cabia ao Ministério do Ambiente. Até aqui, nos termos do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 186/90 (com a redacção do Decreto-Lei n.º 278/97) estávamos perante um parecer que, se bem que obrigatório, se apresentava como não vinculativo, tendo em conta que o Art.6.º deste diploma previa que “A entidade competente para a aprovação do projecto deve ter em consideração, no respectivo licenciamento ou aprovação, o parecer da AIA (…) e, no caso da sua não adopção, incorporar as razões de facto e de direito que para tal foram determinantes.” Umas das alterações previsíveis era precisamente que este parecer se tornasse vinculativo.
Mas voltando à questão da competência, é de sublinhar, conforme notam Alexandra Aragão, Figueiredo Dias e Maria Ana Barradas, que este regime era criticado por implicar uma excessiva centralização de competências e pela circunstância de as comissões de avaliação serem compostas por técnicos pertencentes aos serviços do Ministério, o que vinha onerando o procedimento em termos da sua celeridade e eficácia. Por estes motivos, previam os Autores que o novo regime viria estabelecer centros de decisão decentralizados, bem como garantir a independência entre que realizaria as tarefas técnicas de avaliação e quem tomaria a decisão final.
É ainda de notar que, sobre o primeiro ponto, consideravam que, tendo em conta o princípio da organização administrativa de que as responsabilidades públicas coubessem prioritariamente a entidades mais próximas da população, para uma maior eficácia. Desta forma, defendiam que, se a entidade licenciadora fosse um organismo da administração estadual periférica ou da administração local, a autoridade da AIA deveria ser a Direcção Regional do Ambiente com jurisdição sobre a área onde o projecto se iria localizar. Se o projecto se localizasse na área de jurisdição de duas ou mais Direcções Regionais do Ambiente, a autoridade da AIA seria a Direcção Regional do Ambiente com maior área abrangida, podendo a outra ou outras Direcções Regionais participar nos trabalhos do “órgão avaliador”. Esta reflexão era concluída com a ressalva de que esta descentralização, embora bastante aconselhável, nunca deveria vir desacompanhada do “reforço dos recursos humanos, técnicos e financeiros dos organismos aos quais forem conferidas novas ou acrescidas competências”, sob pena de a intervenção legislativa não conseguir atingir os benefícios pretendidos.
E com isto, estamos prontos para avançar um pouco mais no tempo e perceber o que efectivamente mudou com este novo regime, que acabou por vigorar durante mais de uma década, até ser revogado pelo actual.
Estamos agora no ano de 2000. Nova década, novo século e novas normas sobre o procedimento de AIA, com o D.L nº 69/2000, de 3 de Maio.
Se é certo que este regime trouxe vários aspectos positivos, entre os quais o significativo reforço da força jurídica da decisão final do procedimento de AIA (o conceito de DIA surgiu com este regime), em relação a vários outros aspectos, são notórios os recuos em relação a soluções contidas na proposta de regime de AIA que em 1999 tinha sido levada à discussão pelo Ministério do Ambiente. Um desses aspectos foi precisamente o da competência decisória.
Com efeito, contrariamente ao que era previsto e desejado pelos Autores acima referidos, com o novo regime, a competência para a decisão final do procedimento, agora DIA, manteve-se com o membro do Governo encarregue da área do Ambiente, mais concretamente, o Ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território, por via do Art.18.º/1. Tendo posteriormente escrito sobre o tema, estes lamentaram o facto de a intenção proclamada de estabelecer níveis decisórios desconcentrados no procedimento. Com efeito, e como referem, “na proposta para discussão pública determinava-se que somente em relação aos projectos constantes do Anexo I a decisão final de AIA caberia ao Ministro do Ambiente, sendo que nos restantes casos seriam competentes o Director-Geral do Ambiente ou o Director Regional do Ambiente, consoante a Autoridade de AIA fosse a DGA ou uma DRA. Procurava-se, pelo menos em alguns procedimentos, aproveitar as vantagens declaradamente reconhecidas à desconcentração administrativa.”
Outro Autor que encontra problemas no regime decisório é o Prof. Vasco Peeira da Silva. Com efeito, o Autor não concorda com a complexidade da “cadeia” decisória, que conta com a intervenção de três entidades diferentes: a Comissão de Avaliação que, no prazo de 25 dias a contar da recepção do relatório de consulta pública, e em face do conteúdo dos pareceres técnicos recebidos de apreciação técnica do EIA, daquele relatório e de outros elementos de relevante interesse, elabora e remete à AIA o parecer final do procedimento; a própria AIA, que deverá remeter ao Ministro competente a proposta de DIA; e o Ministro responsável pela área do Ambiente que, no espaço de 15 a contar da recepção desta proposta, deve emitir a DIA.
Segundo o Professor, existe uma diluição da competência por vários órgãos, naquilo que considera um bom exemplo de “passar de culpas”, além de uma ausência de parâmetros legais de decisão (isto sem prejuízo da regra da necessidade de fundamentação das decisões da autoridade de AIA ou do Ministro, quando contrárias à proposta da comissão, sob pena de invalidade).
Por outro lado, e à semelhança do que haviam feito outros Autores, como Figueiredo Dias, também o Prof. Vasco Pereira da Silva aponta neste sistema uma possível tendência concentradora, que teria levado à criação da AIA. Esta, parecendo à partida uma entidade autónoma, corresponderia, na realidade, a serviços do Ministério, e não tinha competência decisória própria.
Em conclusão, defendia como possíveis soluções para esta situação, e de forma a tornar o sistema mais simples, as seguintes:
- Ou se passava da proposta da Comissão de avaliação directamente para a decisão do Ministro, dispensando-se a intervenção intermédia (e supérflua) da autoridade da AIA,
- Ou a autoridade da AIA, “fazendo jus ao seu nome”, se tornava a entidade central do procedimento, sendo ela a emitir a DIA, mediante delegação de competência decisória para o efeito, delegada pelo Ministro, nos termos do Art.35.º e seguintes do CPA.
Em relação a estes últimos aspectos, não posso deixa de concordar com o Professor.
Em primeiro lugar, é certo que, por todas as implicações e condicionalismos que a DIA traz consigo (e que já acima referi), e apesar de a defesa do Ambiente ter a importância que lhe é reconhecida, para as entidades decisoras é sempre uma posição algo desconfortável a de tomar uma decisão tão importante, seja em que sentido for (e dar a cara por isso). A diluição de competência, que o Professor aponta, seria efectivamente uma maneira de dividir as culpas entre as entidades intervenientes, como que dizendo “Eu realmente decidi desta forma, mas x e y também diziam que deveria ser assim.” Como refere o Professor, todos são responsáveis, e ninguém é responsável. Mas penso que quando é atribuída uma responsabilidade desta dimensão, a(s) entidade(s) em causa deve apenas desempenhar o seu papel com o foco e, acima de tudo, a coragem que aquela exige. Mais importante do que “parecer bem ou não parecer mal”, deveria ser o efectivo cumprimento dos objectivos que norteiam o procedimento da AIA.
Em segundo lugar, parecem-me também oportunas as críticas feitas ao carácter concentrador deste sistema, pois que, a bem da agilização e desburocratização de todo este procedimento, qualquer uma das soluções apresentadas pelo Professor poderia ser acolhida, com efeitos benéficos.
Feita a visita deste regime, cumpre-nos fazer a última viagem na nossa máquina do tempo. Avancemos então treze Primaveras, até 2013, altura em que surge nova alteração de regime, com o D.L nº 151-B/2013, de 31 de Outubro (pelo meio, ainda houve alterações ao anterior regime, com o D.L nº 197/2005, mas estas não incidiram de forma significativa sobre a matéria deste texto).
Tendo os regimes anteriores, no que respeita à competência para emissão de DIA, sido alvo de largas e, a meu ver, fundadas críticas, eis que surge nova oportunidade de aperfeiçoar esta matéria.
Olhando então para a lei, percebemos que se mantém a elaboração de parecer técnico final de AIA pela Comissão de Avaliação, a remeter à autoridade de AIA, conforme dispõe o Art.16.º/1 do D.L, dispondo o nº6 que a DIA é emitida pela autoridade de AIA. À partida, parece ter sido adoptada a segunda solução proposta pelo Prof. Vasco Pereira da Silva, na sua crítica feita ao anterior regime. Contudo, logo a seguir, o nº7 estipula que, havendo fundamentos para a autoridade de AIA julgar que se justifica a emissão de DIA desfavorável, deve remeter a sua proposta para o membro do Governo responsável pela área do Ambiente. O Art.19.º/1 vem depois confirmar que a DIA é emitida por uma destas entidades, nos termos das disposições que acabei de referir.
Numa evolução surpreendente, o sentido que previsivelmente tomará a DIA determinará quem tem competência para a emitir. Mais, é o juízo de uma entidade (a autoridade de AIA), que vai levar a que seja esta ou o Ministro a emitir a DIA, resultando de forma clara da letra da lei, que a autoridade da AIA não tem competência para emitir DIA’s desfavoráveis.
Esta opção do legislador, pese embora o seu carácter recente, já foi alvo de alguma crítica.
Nesse sentido, cumpre desde já notar que, como refere Rui Lanceiro, sendo a proposta de DIA remetida ao Ministro, o que ocorrerá apenas quando, segundo o juízo da autoridade de AIA, esta deverá ser desfavorável, aquele membro do Governo não está vinculado a essa apreciação, podendo perfeitamente emitir uma DIA favorável ou favorável condicionada, sem prejuízo do dever agravado de justificação para o afastamento daquele primeiro juízo, que daí advirá. Da lei não resulta o contrário, ao que acresce o facto de o Ministro ser superior hierárquico da autoridade de AIA.
Para o Autor, o grande problema que se coloca está ao nível do princípio da legalidade administrativa, extraído dos Arts.2.º, 3.º/3 e 266.º/2 da CRP. “Este princípio tem, tradicionalmente, dois fundamentos principais: o fundamento democrático (a administração deve estar submetida ao poder legislativo, democraticamente legitimado); e o fundamento garantístico (garantia de previsibilidade da actuação administrativa e possibilidade de controlo judicial da actividade administrativa, nomeadamente a pedido dos cidadãos lesados por essa actividade). Trata-se, no fundo, da garantia do respeito pelo princípio do Estado de direito democrático.”
Do princípio da legalidade retira o subprincípio da precedência da lei, segundo o qual todos os actos da Administração deviam ter por base uma lei prévia, que determine as atribuições e competências das entidades administrativas. Por outro lado, a fixação legislativa da competência destes órgãos permite o seu controlo judicial.
Ora, neste regime, a alternância de competência para a emissão de DIA está dependente não de uma lei, mas do juízo de um órgão, pelo que à partida existe sempre um elevado grau de indeterminação, não sendo possível antecipar de forma segura, logo de início, a quem pertencerá a competência, o que consubstancia uma violação do princípio da legalidade, além do que dificulta o referido controlo judicial.
O Autor conclui assim que este regime é inconstitucional, por violação deste princípio da legalidade da Administração, isto sem prejuízo de eventuais questões passíveis de ser colocadas ao nível dos princípios da segurança e da igualdade.
Outro crítico deste regime é o Dr. Tiago Antunes, que considera a solução inaceitável.
Antes de mais, pois coloca obstáculos extra à emissão de DIA’s desfavoráveis, na medida em que estas têm de “subir” ao gabinete do Ministro para serem despachadas, o que exige que a autoridade da AIA finalize a sua apreciação até 10 dias ante do prazo de decisão, de forma a respeitar o tempo de actuação do Ministro, isto sob pena de já não ser possível emitir uma DIA desfavorável, mas apenas condicionalmente favorável. O Autor considera inadmissível que a lei estabeleça preferências apriorísticas por um determinado sentido de decisão, especialmente quando a decisão “desfavorecida” é aquela que mais protege o Ambiente, pondo fim ao projecto. Assim, considera estar em causa uma violação do principio da prevenção.
Por outro lado, critica também o facto de ser o sentido provável de uma decisão que vai determinar a competência para a sua tomada. Desta forma, poderia estar em causa o princípio da legalidade da competência, pois esta é manipulada consoante as inclinações decisoras de uma entidade individual, sendo a autoridade da AIA a decidir se intervém ou não.
Por tudo isto, Tiago Antunes conclui que estamos perante uma verdadeira “aberração normativa, a qual deverá ser corrigida o mais brevemente possível”.
Pela minha parte, e como já acima referi, considero que o anterior regime poderia e deveria receber uma alteração, a bem da celeridade e eficácia de todo o procedimento. Com o regime actual já não é sempre necessário que a proposta de DIA chegue ao nível ministerial. No entanto, mantém-se uma certa burocracia de processo no caso de DIA’s potencialmente desfavoráveis, que não me parece justificável. Tal como não me parece justificável o critério que o determina.
É certo que uma decisão, quando tomada por um Ministro tem todo um outro peso. É certo também que, em certos casos, pela particular importância ou sensibilidade da matéria, talvez até seja necessário fazer o procedimento avançar mais um degrau, antes de ser proferida uma decisão.
Nessa medida, não me chocaria, até pelo contrário, me pareceria perfeitamente justificável, que, regra geral, a decisão devesse caber à autoridade de AIA, por todos os motivos já referidos, e deveria esta entidade ser competente para emitir não apenas DIA’s favoráveis e favoráveis condicionadas, mas também desfavoráveis. A eventual remissão da proposta de AIA parecer-me-ia perfeitamente admissível, mas em casos expressamente determinados na lei, que poderiam abranger certas matérias sobre as quais (como já referi, pela sua importância, sensibilidade, etc.) só o Ministro devesse poder decidir ou até mesmo casos de fundadas dúvidas da autoridade da AIA.
Em suma, estabelecer-se um critério objectivo para determinar quando o procedimento poderia ou não chegar ao Ministro competente, em vez de um critério como o actual, que varia de situação para situação. Dessa forma, estaria respeitado o princípio da legalidade.

Bibliografia
- ANTUNES, Tiago, A decisão do procedimento de AIA in Revisitando a avaliação de impacto ambiental
- ARAGÃO, Alexandra/DIAS, José Eduardo Figueiredo/BARRADAS, Maria Ana, Presente e Futuro da AIA em Portugal, in Revista do CEDOUA, 1, ano I, 1998
- ARAGÃO, Alexandra/DIAS, José Eduardo Figueiredo/BARRADAS, Maria Ana, O novo regime da AIA: a avaliação de previsíveis impactes legislativos, in Revista do CEDOUA, 5, ano III, 2000
- GOMES, Carla Amado, Introdução ao Direito do Ambiente, Lisboa, AAFDL, 2012
- LANCEIRO, Rui, A instrução do procedimento de AIA – uma primeira análise do novo RJAIA in Revisitando a avaliação de impacto ambiental
- PINA, Catarina Moreno, Os Regimes de Avaliação de Impacte Ambiental e de Avaliação Ambiental Estratégica, Lisboa AAFDL, 2011
- SILVA, Vasco Pereira da, Verde Cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente, Coimbra, Almedina, 2002


Bruno Girão
Nº 20851


4º Ano, subturma 2

13 de abril de 2014

PRINCÍPIO DO POLUIDOR PAGADOR

            O presente trabalho, apresentado na forma de post da disciplina de Direito do Ambiente, sob a regência do Senhor Professor Vasco Pereira da Silva, tem por objetivo analisar o princípio o poluidor-pagador.
            O princípio do poluidor pagador, doravante PPP, surge como princípio internacional de política do ambiente na Primavera de 1972, numa Recomendação adotada pelo Conselho da OCDE em 26 de Maio[1].
            O ponto 4 do anexo à referida recomendação da OCDE definia o PPP nos seguintes termos: "O princípio que se usa para afetar os custos das medidas de prevenção e controlo da poluição, para estimular a utilização racional dos recursos ambientais escassos e para evitar distorções ao comércio e ao investimento internacionais, é o designado "princípio do poluidor pagador". Este princípio significa que o poluidor deve suportar os custos do desenvolvimento das medidas acima  mencionadas decididas pelas autoridades públicas para assegurar que o ambiente esteja num estado aceitável. Por outras palavras, o custo destas medidas deveria refletir-se no preço dos bens e serviços que causam poluição na produção ou no consumo."
            A origem económica do PPP retira-se das duas finalidades formuladas pela OCDE ("(...) utilização racional dos recursos ambientais escassos e para evitar distorções ao comércio e ao investimento internacionais, (...)").
            Em Novembro de 1973, o PPP é reconhecido como princípio base da ação comunitária em matéria de ambiente e é tratado em especial pela Recomendação do Conselho n.º75/436 de 3 de Março de 1975, relativa à imputação dos custos e à intervenção dos poderes públicos em matéria de ambiente.[2]
            No entanto, é através do Acto Único Europeu que o PPP se torna um Princípio Constitucional do Direito Comunitário do Ambiente, no artigo 174.º, n.º2 do Tratado da Comunidade Europeia.[3] São 4 os princípios aqui enunciados:
- o da prevenção;
- o da ação preventiva;
- o da correção, prioritariamente na fonte, dos danos causados ao ambiente;
- poluidor pagador;
            Na opinião da PRF. MARIA ALEXANDRA ARAGÃO, os três princípios enunciados no art. 174.º/2, juntamente com o PPP, - o da precaução, o da acção preventiva e o da correção, prioritariamente na fonte, dos danos causados ao ambiente - são subprincípios concretizadores do PPP.
            O PPP não é um princípio constitucional. O PRF. DOUTOR VASCO PEREIRA DA SILVA entende que o PPP goza de natureza constitucional, uma vez que representa um corolário necessário da norma da alínea h) do n.º2 do artigo 66.º
            Atualmente o PPP tem tido uma relevância particular por respeito a novas Diretivas Comunitárias, com ênfase para a Directiva 35/2004/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho.[4] Esta directiva surge no quadro da responsabilidade ambiental, baseado no PPP, com o objetivo de prevenir e reparar danos ambientais de forma a criar um regime de responsabilidade ambiental por danos ecológicos na União Europeia. A diretiva, tendo como base o PPP, prevê apenas a reparação de danos ecológicos e não danos pessoais e patrimoniais, não permitindo qualquer entregar de quantias pecuniárias a particulares.[5]
            Esta directiva foi transporta através do Decreto-lei n.º 147/2008. Este Decreto estabelece o Regime Jurídico da Responsabilidade por Danos Ambientais, doravante RJRDA. Ao contrário da diretiva que estabelecia um regime de prevenção e reparação de danos ecológicos, afastando a possibilidade de indemnizar particular, o RJRDA prevê a indemnização de danos individuais.


Os fins do Princípio do Poluidor Pagador

            Há uma grande divergência nesta matéria. A finalidade do PPP, varia de acordo com a interpretação que se faz, isto é, se o PPP se identifica ou não com o princípio da responsabilidade. Autores como Araújo de Barros, Jean Duren e Manuela Flores defendem que o PPP é um princípio de responsabilidade civil, pelo contrário, Gomes Canotilho e Maria Alexandra Aragão não seguem este entendimento. Estes defendem que os fins do PPP são a precaução e prevenção de danos ao ambiente e a justiça redistributiva dos custos das medidas públicas de luta contra a degradação do ambiente.[6]
            Há no entanto, um consenso generalizado em considerar que o PPP comporta uma característica preventiva e uma característica reparatória.
            A prevenção ocorre quando há certeza de que a atividade irá produzir dano. O poluidor tem duas escolhas: ou pára de poluir ou suporta um custo económico em favor do Estado que deve afetar as verbas obtidas a ações de proteção do ambiente. No ordenamento jurídico interno encontramos o princípio da prevenção consagrado na Constituição da República Portuguesa (CRP), no artigo 66.º, n.º2, alínea a).
            A precaução aplica-se quando há suspeitas de uma atividade poder provocar danos ao ambiente - atividade potencialmente poluente.
            O fim de prevenção-precaução do PPP significa que os poluidores devem suportar os custos de todas as medidas, adotadas por si próprios ou pelos poderes públicos, necessários para precaver e prevenir a poluição e ainda os custos de atualização das medidas.[7]
            Como já referido anteriormente, outra das finalidades do PPP é a redistribuição. A redistribuição implica que haja um equilíbrio entre as receitas públicas que resultam de pagamentos dos poluidores ao Estado e as despesas públicas que devem visar a proteção preventiva do ambiente e a reconstituição in natura, ou seja, reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o dano, quando esta seja possível.
            Refletindo um pouco sobre o princípio da prevenção, quando dá a hipótese de o poluidor escolher parar de poluir ou suportar um custo económico, poderemos colocar a seguinte questão: não será o PPP uma permissão para poluir?
À primeira vista, a resposta parece ser afirmativa, uma vez que no caso de o poluidor ter possibilidades, suportará sempre o custo económico, em prol da sua atividade económica e em prejuízo do ambiente. No entanto, ao concretizarmos o PPP, compreendemos que não será bem assim. O PPP não se baseia numa fórmula automática de compensação pelo dano causado. A finalidade do PPP é e deve ser a reparação do dano através de uma reconstituição in natura. Deverá haver sempre, em primeira linha, uma reparação o mais próximo possível.
A reparação natural concretiza-se de duas formas: recuperação in natura e compensação ecológica. Esta última só deverá aplicar-se quando a primeira não seja possível.
            Vejamos um exemplo em que a reparação natural se concretizou numa compensação:
- "Caso das Cegonhas de Coruche" nos anos 90, a lesante foi obrigada nos termos do art. 48.º da Lei de Bases do Ambiente, a ressarcir o dano ambiental através de suportes artificiais que funcionassem como habitat dos ninhos abatidos. Há uma substituição do bem lesado por outro semelhante.
            No caso de haver impossibilidade se aplicar qualquer uma das medidas da reparação natural, recorre-se à última possibilidade: indemnização pecuniária. Esta medida levanta numerosas questões, nomeadamente, como se calcula esta indemnização? Como se indemniza economicamente um dano ambiental? De que forma se defende o ambiente através de uma indemnização pecuniária? Qual o destinatário da mesma?
Esta indemnização deverá ser entregue a um Fundo específico. Este deverá usar a indemnização na prevenção, precaução e reparação do ambiente.


Quem é o poluidor?

            Quando a poluição decorre do processo produtivo de um bem, o poluidor será o produtor desse bem. Esta é uma situação de solução fácil. No entanto, nem sempre será assim. Quem é o poluidor que deve pagar se:[8]
- a poluição não decorre do processo produtivo, mas do bem produzido?
-a poluição decorre do processo e do produto?
- a poluição resulta da conjugação simultânea de várias causas - poluição cumulativa?
- a poluição decorre da sucessão de várias dessas causas - poluição em cadeia?
A posição da Comunidade Europeia sobre esta questão vem expressa na Comunicação anexa à Recomendação do Conselho 75/436, de 1975. O poluidor é definido como "aquele que degrada direta ou indiretamente o ambiente ou cria condições que levam à sua degradação." A referida comunicação estabelece ainda dois critérios práticos para a imputação de custos quando a determinação do poluidor se revele impossível:
a) eficiência económica e administrativa da imputação dos custos;
b) capacidade de internalização dos custos pelos visados;
            Com a aplicação destes critérios, os custos da poluição são imputados à categoria de poluidores mais fácil de controlar e que poderão contribuir mais eficazmente para a melhoria do ambiente. Há no entanto que notar o seguinte: uma das consequências desta imputação aos produtores, será o aumento dos preços dos bens produzidos. Irá haver uma  repercussão da imputação dos custos nos consumidores. Perguntamos o seguinte: Quem é afinal o verdadeiro pagador?
            Nas palavras de MARIA ALEXANDRA ARAGÃO, nos casos de poluição cumulativa (a poluição é ocasionada por uma atividade semelhante e contemporânea desenvolvida por vários sujeitos) os poluidores que devem pagar são todos, pois todos contribuem, com a sua conduta, para a poluição.[9] Já nas cadeias de poluidores (há diversos sujeitos a contribuir, com as respetivas atividades, para a poluição, mas as atividades desenvolvidas são diferentes - extração, transformação, transporte, abandono ou reciclagem) há que averiguar, no caso concreto, quem é o poluidor que melhor pode controlar as condições que estão na origem da poluição.


            Por tudo o que aqui foi dito, em nossa opinião, a principal finalidade do PPP é reparar o dano ocorrido através de um ressarcimento in natura. O PPP concretiza-se na reparação do dano ambiental. Não defendemos que o PPP se identifica com a responsabilidade civil, no entanto aquele só se é eficaz se interagir com este. Isto é, havendo um dano é necessário proceder à sua reparação, aquele que polui deve ser responsabilizado, através da responsabilidade civil.  Caso contrário, o PPP poderia não ter a eficácia que pretende, uma vez que como dito anteriormente, poderíamos cair num "direito de comprar poluição".




[1] Intitulada "Guiding Principles Concerning International Economic Aspects of Environmental Policies"
[2] MARIA ALEXANDRA ARAGÃO, "O princípio do poluidor pagador - Pedra Angular da política comunitária do ambiente", Coimbra, 1997
[3] Art. 174.º/2 TCE - "A política da Comunidade no domínio do ambiente visará a um nível de proteção elevando, tendo em conta a diversidade das situações existentes nas diferentes regiões da Comunidade. Basear-se-á nos princípios da precaução e da ação preventiva, da correção, prioritariamente na fonte, dos danos causados ao ambiente, e do poluidor pagador."
[4] Doravante desiganda por Diretiva.
[5] JOSÉ DE SOUSA CUNHAL SENDIM, Responsabilidade Civil por Danos Ecológicos - Da Reparação do Dano através de Restauração Natural, Coimbra Editora, 1998, caracteriza dano ecológico como uma "perturbação do património natural que afecte a capacidade funcional ecológica e a capacidade de aproveitamento humano de tais bens tutelada pelo sistema jurídico-ambiental".
[6] JOSÉ GOMES CANOTILHO, Introdução ao Direito do Ambiente, Universidade Aberta, 1998
[7]MARIA ALEXANDRA ARAGÃO, "O princípio do poluidor pagador - Pedra Angular da política comunitária do ambiente", Coimbra, 1997

[8] ISABEL MARQUES DA SILVA, Estudos do Direito do Ambiente, Porto, 2003
[9] MARIA ALEXANDRA ARAGÃO, "O princípio do poluidor pagador - Pedra Angular da política comunitária do ambiente", Coimbra, 1997

O princípio da prevenção e as consequências imagináveis


“…se antes de cada acto nosso nos puséssemos a prever todas as consequências dele, a pensar nelas a sério, primeiro as imediatas, depois as prováveis, depois as possíveis, depois as imagináveis, não chegaríamos sequer a mover-nos de onde o primeiro pensamento nos tivesse feito parar. Os bons e maus resultados dos nossos ditos e obras vão-se distribuindo, supõe-se que de uma forma bastante uniforme e equilibrada, por todos os dias do futuro, incluindo aqueles, infindáveis, em que já cá não estaremos para poder comprová-lo, para congratular-nos ou pedir perdão…” José Saramago

A consciência do impacto que a actuação do Homem pode ter no meio, aliada à perceção da fragilidade e perenidade dos recursos naturais, constituem as principais causas do despoletar da importância do Direito do Ambiente na actualidade. Na verdade, é com a crise do Estado Social, no final dos anos 60 e início dos anos 70, que a crise petrolífera originou uma “tomada de consciência dos limites do crescimento económico e da esgotabilidade dos recursos naturais”[i]. Em Portugal, foi apenas depois do 25 de Abril, já em 1976 que o Direito ao Ambiente foi consagrado constitucionalmente – no artigo 66º.

Antes de mais, cabe acrescentar que o princípio da prevenção, no seu sentido amplo, tem de ser transversal a qualquer política de protecção do ambiente. Este será o primeiro dos princípios, considerado o pilar do Direito do Ambiente[ii].

Na Conferência do Rio, em 1992, foi apresentado formalmente o princípio da precaução, como “garantia para potenciais riscos que, de acordo com o actual estado do conhecimento, não possam ainda ser identificados.” Mais complexo é determinar em que ponto este se autonomiza do princípio da prevenção. Existe alguma indeterminabilidade quanto aos critérios utilizados para delimitar este princípio: “É ainda difícil apresentar uma formulação consensual do princípio da precaução”[iii]. A formulação da precaução enquanto princípio molda-se em torno da incerteza científica quanto ao nexo de causalidade entre a acção humana e o dano produzido no ambiente, e a graus de probabilidade, o que torna muito difícil a sua aplicação.

Vasco Pereira da Silva, considera inadequado distinguir a prevenção da lógica da precaução[iv] – argumentos que reconduz a três ordens de razão: de natureza linguística, que se prendem com a inutilidade de introduzir uma diferenciação aparente entre os termos que não encontra correspondência na linguagem comum; de técnica jurídica, pois como a prevenção em matéria ambiental é consagrada constitucionalmente, ao adoptarmos uma visão ampla do preceito, garantimos uma melhor tutela do ambiente; por último, razões que se prendem com critérios materiais, pois defende-se que o princípio da prevenção se referiria a perigos com certa actualidade e causados por factores naturais, enquanto a precaução aludiria a riscos de danos futuros e causados por acções humanas. A este entendimento, obsta a distinção entre prevenção e precaução não ser inequívoca, dada a interligação dos fenómenos e a pluralidade de causas que os originam, pelo que não são líquidas as causas e os agentes de determinado fenómeno. Também envolve arrojados juízos de prognose aquando da valoração de uma acção como danosa para o ambiente.

 
Assim sendo, o professor considera que a melhor forma de tutelar os valores ambientais é encarar o princípio da prevenção num sentido amplo, segundo uma lógica de bom-senso e razoabilidade. É necessário cuidado, "precaução", na aplicação destes critérios, nunca esquecendo que "O bom senso é a coisa mais bem distribuída do mundo: todos pensamos tê-lo em tal medida que até os mais difíceis de se contentar nas outras coisas não costumam desejar mais bom senso do que têm.".

 
Se é verdade que a precaução pretende compreender riscos com um grau de probabilidade de verificação muito diminuto, não é menos verdade que os mesmos possam ser inseridos na lógica da prevenção. Também este último conceito tem de ser suficientemente maleável e abrangente, de forma a integrar situações em que certos interesses, pela importância que revestem, têm de prevalecer face aos riscos eventuais, ainda que de verificação muito pouco provável – atendendo à lógica de causalidade entre a acção e o dano. Podemos assim acrescentar outro critério aos do bom-senso e razoabilidade, o da verosimilhança[v], que determina que, independentemente das probabilidades serem diminutas, é importante apurar a ocorrência do dano ser plausível, crível.

 No fundo, precaução e prevenção podem reconduzir-se a um só princípio, sem se evitar os excessos que a autonomização deste último poderia potenciar – em última análise, não podemos falar em “risco zero” em matéria ambiental, como também é naturalisticamente impossível prever todos os efeitos de uma determinada acção.

Se adoptássemos um entendimento estrito do princípio da precaução, isso conduzir-nos-ia a uma paralisação de qualquer actividade potencialmente danosa para o ambiente. Em primeiro lugar, determinar quais os critérios para aferir se um comportamento acarretará riscos, actual ou futuramente, para o ambiente, parece inviável e impossível. Por outro lado, estamos perante um conflito entre o direito ao ambiente (art.66º CRP) e o direito à livre iniciativa económica (art.61º CRP), ambos consagrados constitucionalmente.

Em relação ao princípio da precaução, o meu entendimento é de que, no seguimento das posições dos Professores Vasco Pereira da Silva[vi] e José Gomes Canotilho, uma vez que o princípio da precaução não tem expressa consagração constitucional, este nunca poderia restringir a livre iniciativa económica[vii].

A actividade económica ficar condicionada por riscos que não reúnem consenso na comunidade científica, parece-me excessivo, bastante condicionador e restritivo das necessidades da vida contemporânea.

Em suma, aceito uma visão abrangente, ampla, do princípio da prevenção. Esta noção não pode ser fechada, e deve conseguir incluir situações que se consubstanciem em verdadeiros “riscos”, quando, atendendo ao bom-senso, razoabilidade e verosimilhança, possa ocorrer um verdadeiro dano. Contudo, uma concepção demasiado restritiva do princípio da precaução pode ser perigosa, na medida em que pode motivar eco-fundamentalismos[viii] e uma paralisação da actividade económica. No limite, e numa visão bastante extremista, qualquer actividade é idónea a provocar danos ambientais, imediata ou futuramente.
 Inês Tamissa de Barros, aluna 20813




[i] Pereira da SIlva, Vasco; Verde Cor de Direito, pag.18;
[ii] Amado Gomes, Carla; Introdução ao Direito do Ambiente, pag. 89;
[iii] Amado Gomes, Carla; A prevenção à prova no direito do ambiente, pag.32;
[iv] Pereira da SIlva, Vasco;Verde Cor de Direito, pags. 68-70;
[v]  Sousa Aragão, Maria ALexandra; O princípio do dNível Elevado de Protecção e a Renovação Ecológica do Direito do AMbiente e dos Resíduos, pag.212;
[vi] Pereira da Silva, Vasco; Verde Cor de Direito, pag. 71;
[vii] Contra esta posição, o Professor Jorge Reis Novais, “(…) o candidato a prevalecer sobre o direito fundamental, ou, mais rigorosamente, sobre o interesse jusfundamentalmente protegido, seja um bem, princípio ou interesse que não possua reconhecimento constitucional expresso mas que, todavia, possa reivindicar nas circunstâncias do caso concreto, não obstante a sua natureza infraconstitucional, um peso substancial que se imponha ao peso, de sentido oposto, do bem jusfundamental.”
[viii] Pereira da Silva, Vaco; Verde Cor de Direito, pag.70.

Da “poluição jurídica” à Codificação? Será a solução?


O problema da codificação em matéria ambiental está intimamente ligado às próprias fontes de Direito do Ambiente, sendo que, para melhor compreender uma matéria cabe explicitar outra. Assim sendo, cabe fazer uma análise prévia das fontes de Direito do Ambiente para posteriormente assumir posição relativamente à justificabilidade da Codificação em matéria ambiental.

Tendo conhecimento de que estas fontes, no quadro do Direito Ambiental, são muito diversificadas e se inserem em diferentes níveis, penso que se justifique começar a análise das fontes pelas que têm natureza Internacional, uma vez que o Direito do Ambiente nasceu primeiro à escala internacional.

No domínio internacional foram convenções e declarações dos finais dos anos 60 que vieram dar vida às preocupações em matéria de ambiente, e à formação de princípios consuetudinários de preservação da Natureza. Estas fontes podem assumir um âmbito multilateral ou bilateral. A saber:

- As fontes de âmbito multilateral são as que são emitidas no quadro de organizações internacionais, como por exemplo a O.C.D.E, a O.N.U. ou a O.U.A..  Como exemplos de fontes de âmbito multilateral temos a Declaração da Conferências das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano (de Estocolmo, datada de 1972) ou as Convenções-Quadro da Conferência do Rio de Janeiro (datada de 1992).

- As fontes de âmbito bilateral consistem nas fontes que regulam as relações de vizinhança em matéria ambiental, racionalizando o aproveitamento de recursos comuns ou prevenindo a poluição transfronteiriça. Pode neste caso dar-se como exemplo mais próximo os tratados celebrados entre Portugal e Espanha relativos à gestão dos recursos hídricos.

No ordenamento jurídico português estabelece-se a receção imediata das normas e princípios de Direito Internacional geral ou comum pelo artigo 8º, nº1 da Constituição, considerando que as mesmas “fazem parte integrante do direito português”; já no nº2 do mesmo artigo estatui-se relativamente às normas constantes de convenções internacionais que estas vigoram, pelo princípio da receção, após ratificação ou aprovação e publicação oficial.

De acordo com a conceção monista com primado do Direito Internacional (consagrada na Constituição) as normas internacionais ocupam a posição de topo na hierarquia das fontes de direito, ainda que haja que distinguir entre as normas e os princípios de direito internacional geral ou comum, que prevalecem sobre qualquer outra fonte, e as normas constantes de tratados e convenções internacionais, às quais a lei fundamental parece ter atribuído valor supra-legislativo mas infra-constitucional, ao submete-las à fiscalização da constitucionalidade (artigos 277º e seguintes).

É, no entanto, importante chamar à atenção que para além das fontes tradicionais - aquelas que correspondem a tratados internacionais, e que têm as suas regras específicas - no quadro do Direito do Ambiente tem surgido e tem tido uma grande importância o surgimento da chamada “soft law. Dá-se o nome de “soft law” porque do ponto de vista jurídico não têm as mesmas condições de vinculatividade do que as convenções internacionais, mas, apesar de não ter a mesma vinculatividade, o que é facto é que esse “direito brando” acaba por ter uma influência determinante. Vejamos como exemplo desta “soft law” as grandes declarações em matéria ambiental, consequência de todas as cimeiras, desde Estocolmo ao Rio de Janeiro, à África do Sul. Estas declarações são isso mesmo, declarações. Não têm uma eficácia imediata, no entanto, o facto de surgirem cria nos Estados convicções de obrigatoriedade de mudança, mudança essa que se verifica na adoção de regras.

Para além das fontes internacionais existem ainda as fontes europeias. E, no entender do Professor Vasco Pereira da Silva, “europeu não é internacional”[1]. A justificação do Professor para o afirmar é o facto de na Europa existir uma ordem jurídica comum que por um lado, integra normas com fontes comunitárias, com as normas jurídicas nacionais. Diz o Professor que se assemelha a um Estado Federado, mas que na realidade não é uma Federação, é, sim, uma realidade sui generis que está a meio caminho entre o Direito Internacional e o Direito Interno, não podendo no entanto ser considerada apenas como Direito Internacional (como faziam/tendem a fazer os constitucionalistas). Esta realidade é de tal maneira importante que na Europa há mesmo uma Constituição em sentido material, porque na Europa há regras acerca da divisão de poderes, não só entre os órgãos da União, como entre os órgãos da União e os órgãos de diferentes países.

Ora, no ordenamento comunitário, a matéria do ambiente encontrava-se ausente dos tratados constitutivos das comunidades europeias[2], mas isso iria ser remediado a partir do Ato Único de 1987, tendo passado a ser objeto de tratamento autonomizado ao nível dos “textos fundadores”.

No entanto, desde pelo menos os anos setenta que as preocupações de natureza ambiental se manifestam no quadro da Comunidade Europeia, seja:

a)      Ao nível das políticas comuns (agrícola, de pescas);

b)      Ao nível de específicas manifestações normativas, podendo assumir a forma:

a.   De regulamentos - imediatamente aplicáveis.
(Exemplo: Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho nº 1980/2000/CE, de 17 de Julho de 2000, que estabelece um sistema comunitário de atribuição do rótulo ecológico)

b.  De diretivas - que impõem um fim a atingir mas deixam aos países membros a escolha dos meios para o realizar.
(Exemplo: Diretiva nº 85/337/CEE, do Conselho, de 27 de Junho de 1985, alterada pela Diretiva nº 97/11/CE, do Conselho, de 3 de Março de 1997, que estabelece o regime europeu de avaliação de impacte ambiental)

c.     De decisões - que são obrigatórias para os respetivos destinatários
(Exemplo: Decisão do Conselho 97/872, de 1997, que estabelece um programa de apoio às organizações não-governamentais de proteção do meio-ambiente)

d. De recomendações e de resoluções - que, apesar de não vinculativas, não deixam de ser importantes enquanto instrumentos de afirmação de princípios e de valores ambientais
(Exemplo: Recomendação 79/3, de 19 de Dezembro de 1978, que propõe um sistema uniforme de avaliação dos custos da proteção ambiental na atividade industrial)

Todas estas “disposições” justificam o surgimento de um verdadeiro Direito Europeu do Ambiente, cuja importância não decorre apenas do facto das respetivas normas gozarem de aplicabilidade direta e de primazia sobre as fontes internas, nem também da existência de mecanismos jurisdicionais destinados à sua efetivação (mesmo contra a vontade dos Estados), como sobretudo do seu papel dinamizador de uma “consciência jurídica” ambiental a nível europeu.

Analisado o plano externo (quanto às fontes) segue-se o plano interno (plano nacional). No plano nacional há que distinguir os diferentes níveis que compõem as fontes de direito ambiental.

Escusado será dizer que é primordial começar pela Constituição, a “nossa” Lei Fundamental. Na CRP as questões ambientais assumem uma dupla dimensão, a objetiva e a subjetiva. Em primeiro lugar consagra a proteção do ambiente enquanto bem objetivo, reconduzindo ao artigo 9º alíneas d) e f) da Constituição e assumindo como uma tarefa fundamental do Estado. Por outro lado, consagra um direito fundamental ao ambiente no artigo 66º da Constituição[3]. Considera o Professor Vasco Pereira da Silva que os dois vetores fundamentais apontados dão origem a uma verdadeira Constituição do Ambiente.

De referir ainda a Legislação Ordinária onde há que considerar, no nosso ordenamento jurídico, múltiplas fontes ambientais nas diferentes modalidades:

a)      Lei de Bases
(Exemplo: Lei de Bases do Ambiente, Lei 11/87, de 7 de Abril)[4];

b)      Lei
(Exemplo: Lei das Organizações Não-Governamentais de Ambiente, Lei nº 35/98, de 18 de Julho);

c)       Decreto-Lei
(Exemplo: Decreto-Lei nº 194/2000, que estabelece o regime da licença ambiental);

d)      Decreto-Legislativo Regional
(Exemplo: Decreto-Legislativo Regional nº 15/2000/A, de 21 de Junho, que cria a reserva florestal de recreio do Pinhal da Paz ou da Mata das Criações, na ilha de São Miguel);

 No plano interno identificamos ainda:

a)      Os Planos
(Exemplo: o Plano Diretor Municipal);

b)      Outros regulamentos administrativos
(Exemplo: Decreto-Regulamentar nº 9/2000, de 22 de Agosto, que cria o Parque Natural do Tejo Internacional);

Trata-se de uma atividade de produção normativa a cargo da Administração de que resultam múltiplas disposições reguladoras de problemas ambientais.

Para finalizar a matéria das fontes existem ainda outras formas de atuação administrativa, como sejam os atos e os contratos administrativos[5].
  
Como exemplos desta situação podemos apresentar os seguintes:

- O ato administrativo de licenciamento de uma urbanização, que fica condicionado à realização e manutenção de espaços verdes pelo particular;

- O contrato de concessão de exploração da ponte Vasco da Gama, que estabelece obrigações contratuais em matéria de ambiente, a cargo do contraente privado, como sejam a utilização de técnicas e materiais de construção não poluentes, a escolha de candeeiros de iluminação pública que apenas incidam sobre o tabuleiro da ponte, de modo a não encandear os peixes, ou o encargo de recuperação das salinas do Samouco.

Concluindo, é óbvio que perante uma tal diversidade de fontes, a que se veio juntar a “tendência infantil” dos fenómenos emergentes para a proliferação e a dispersão de textos normativos, se veio acentuar o risco de o universo do direito do ambiente parecer uma “selva”.

Para nos orientarmos na “selva” convém haver um “mapa do tesouro”, e se “é difícil encontrar o mapa do tesouro” mais será orientarmo-nos sem ele.

Esta metáfora[6] ilustra bem a confusão e desorganização presente no direito ambiental. É realmente difícil saber qual a norma jurídica aplicável porque estas normas muitas vezes repetem-se umas às outras, não estabelecendo muitas vezes regimes completos, detalhados.

É precisamente por existirem muitas zonas no direito ambiental que apesar de reguladas, essa regulação é incompleta, repetida ou não se encontra sequer realizada, que se discute a necessidade de fazer apelo ao legislador no sentido da codificação jurídica no domínio ambiental.

Este problema da codificação em matéria ambiental surgiu com especial foco na Alemanha, sobretudo na sequência da nomeação de uma comissão de especialistas que apresentou em 1997 (após cinco anos de trabalho) um projeto de “Código do Ambiente”.

Contudo, o Professor Vasco Pereira da Silva discorda da ideia de códigos do século XIX. Os códigos positivistas (fechados, sistemáticos e científicos) cederiam perante uma lógica de código aberto, que introduza uma simplificação no âmbito da realidade administrativa. Como se diz no Direito Alemão neste caso a codificação pode trazer mais direito com menos normas - “mehr recht mit weniger normen”[7].

A codificação serviria para introduzir alguma racionalidade nas questões ambientais, ainda que outros países tenham feito esta experiência e esta nem sempre tenha sido bem-sucedida.

No quadro da Alemanha, há um código ambiental que nunca chegou a ser aprovado, mas há, a nível setorial, numerosas tentativas de codificação que foram bem-sucedidas.

Podemos então falar em duas perspetivas de codificação no domínio ambiental:

- A codificação geral, no quadro dos domínios comuns a todas as questões ambientais;

- Ou modelos de codificação especial, em relação a certos bens, por exemplo a água, as questões do ar, o ruído. Podendo haver, portanto, codificações parcelares, no quadro de uma determinada realidade.

Na perspetiva do Professor tanto umas como outras “são igualmente necessárias, porque elas correspondem ao criar do “mapa do tesouro” nesta realidade confusa em que há muitas leis e muitas vezes pouco direito, que corresponde ao quadro do direito do ambiente”[8].

Apresentemos então as vantagens e os inconvenientes à codificação.

Do lado dos inconvenientes apontados estão a rigidez e a estagnação decorrentes da codificação de realidades novas e em constante mutação. Contrapõe esta crítica o Professor Vasco Pereira da Silva defendendo que a codificação deve ser permanente e regular.

O professor defende que deve haver um esforço de racionalização e de sistematização que se revelaria como essencial. No quadro de alguns domínios parcelares ela inclusive já existe, também por causa da influência europeia, como por exemplo a lei da água ou a lei do ruído que, de alguma maneira, são codificações parcelares. No entanto, para além dessas codificações parcelares, era importante também insistir no quadro de uma codificação geral das questões do ambiente que são comuns a todos. E se, ainda assim as desvantagens residissem na lógica da rigidez, esta deveria ser ultrapassada pela lógica da flexibilidade. Assumir as normas de Direito do Ambiente como normas abertas para uma sociedade aberta. As vantagens seriam inúmeras, desde logo, porque quer a administração pública, quer os cidadãos, com essa codificação, sabem qual é o direito aplicável, e não é fácil saber sempre qual é o direito aplicável, uma vez que há inclusive ainda diplomas em vigor que datam de 1910.

Assim, ainda que já brevemente apresentadas na oposição às desvantagens, as vantagens na codificação residem essencialmente na certeza e na segurança jurídica relativamente à aplicação do Direito do Ambiente por parte das autoridades públicas e mesmo à proteção dos direitos dos particulares em matéria ambiental. A possibilidade de unificação e de sistematização do domínio ambiental, permitindo a simplificação e harmonização das disposições aplicáveis, assim como a eliminação de repetições e contradições inúteis em diplomas seriam apenas outras das vantagens no caso de seguir o caminho da codificação.

Acompanho o Professor Vasco Pereira da Silva no sentido favorável à codificação uma vez que de facto parece-me que as vantagens suplantam as desvantagens apresentadas pelos opositores à codificação, já para não falar que todas as desvantagens por estes apresentadas são críticas “pensadas” para modelos de código “fechados”, que vigoravam no século XIX. Apoio a posição do Professor ao defender uma codificação aberta e flexível, que deve ser submetida a periódicas revisões.






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BIBLIOGRAFIA:


- ARAGÃO, Maria Alexandra de Sousa, “Direito Comunitário do Ambiente”;

- CANOTILHO, Gomes (coordenação), “Introdução ao Direito do Ambiente”;

- GOMES, Carla Amado, “Introdução ao Direito do Ambiente”, 2012, AAFDL;

- KISS, Alexandre, “Direito Internacional do Ambiente”;

- ROCHA, Mário de Melo, “Direito Internacional e Direito Europeu e o Direito do Ambiente”;

- SILVA, Vasco Pereira da, “Verde Cor de Direito - Lições de Direito do Ambiente”, 2002, Almedina

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Nota: Escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico




Rodrigo Manuel Figueiredo Rocha
Nº 18386







[1] No entender do Professor Vasco Pereira da Silva as normas comunitárias não são internas pois não são exatamente iguais às leis produzidas pelo Estado Português mas é uma realidade comum à dimensão interna. Não será, assim, uma realidade de direito internacional.
[2] Tratado de Roma de 1957
[3] Questão muito debatida na doutrina é a de existir ou não, efetivamente, um Direito Fundamental do Ambiente
[4] Na visão do Professor Vasco Pereira da Silva a lei que está em vigor, praticamente não é aplicável, ainda que continue em vigor. Revela ainda o Professor que houve recentemente uma tentativa de fazer uma nova lei de bases do ambiente, tendo o Governo apresentado um projeto que, diferentemente do outro, não era programático. No entanto, informa o Professor que tanto quanto sabe a proposta está “morta” na Assembleia da República (após aprovação por todos os partidos na generalidade passou mais de um ano e nunca houve discussão na especialidade).
[5] Considerar estes como fontes «decorre da ideia de que a Administração, na sua tarefa da satisfação das necessidades coletivas, ao interpretar e aplicar normas jurídicas, também desempenha uma função de “criação do direito do caso concreto”».
[6] Da autoria do Professor Vasco Pereira da Silva
[7] Posição transmitida pelo Professor na Aula Teórica de Direito do Ambiente de 27/02/2014
[8] Posição transmitida pelo Professor na Aula Teórica de Direito do Ambiente de 27/02/2014