1 de junho de 2014

Responsabilidade Civil por Dano Ambiental 
Nexo de causalidade e seus problemas 

A Responsabilidade Civil por dano ambiental assume uma enorme importância na tutela do ambiente. A Declaração do Rio compreendeu no princípio 13 que “Os Estados deverão elaborar legislação nacional relativa à responsabilidade civil e à compensação das vítimas da poluição e de outros prejuízos ambientais". Assim como, no princípio 15 dispõe "para que o ambiente seja protegido, serão aplicadas pelos Estados, de acordo com as suas capacidades, medidas preventivas. Onde existam ameaças de riscos sérios ou irreversíveis não será utilizada a falta de certeza científica total como razão para o adiamento de medidas eficazes em termos de custo para evitar a degradação ambiental".                               
Os danos ambientais são, na maioria das vezes, de difícil reparação. Isto porque, são irreversíveis; a poluição tem efeitos cumulativos; os efeitos dos danos ecológicos podem manifestar-se além das proximidades vizinhas; são danos coletivos e difusos em sua manifestação e no estabelecimento do nexo de causalidade; têm repercussão direta nos direitos coletivos e indiretamente nos individuais.                     

No nosso ordenamento jurídico, a responsabilidade civil por dano ambiental está regulada no Decreto- Lei nº 147/2008, de 29 de Julho, que resultou da transposição da Directiva 2004/35/CE. Este diploma é aplicável em sede de prevenção e reparação de dano ecológico (artigo 11º/1/d) do RPRDE, ou seja, toda "a alteração adversa mensurável de um recurso natural ou a deterioração mensurável do serviço de um recurso natural que ocorram directa ou indirectamente"). A responsabilidade subjectiva vem regulada no artigo 8º onde (semelhante ao artigo 483º do CC) estabelece que “quem, com dolo ou mera culpa, ofender direitos ou interesses alheios por via da lesão de um componente ambiental fica obrigado a reparar os danos resultantes dessa ofensa”. Quanto à responsabilidade objectiva, encontra-se no artigo 7º, onde se prevê que “quem, em virtude do exercício de uma actividade económica enumerada no Anexo III ao presente decreto-lei, que dele faz parte integrante, ofender direitos ou interesses alheios por via da lesão de um qualquer componente ambiental é obrigado a reparar os danos resultantes dessa ofensa, independentemente da existência de culpa ou dolo”.                        
                  
 Contudo, o objecto deste post será a problemática levantada em torno do nexo de causalidade. Uma das questões que se coloca é saber “como estabelecer o nexo de causalidade entre um acto que prejudica o ambiente (como, por exemplo, a poluição do ar e da água), em relação a danos surgidos a centenas de quilómetros de distância, e que ocorrem muito tempo depois (ex: aparecimento de cancros e desaparecimento de espécies vivas)?”[1]              
              
 O nexo causal encontra –se no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 147/2008, de 29 de Junho podendo extrair -se do artigo o grau do risco, normalidade da acção lesiva, possibilidade de prova científica do percurso causal e o cumprimento ou não de deveres de protecção. No entanto, nem sempre será fácil determinar o nexo causal do dano ambiental, isto porque muitas vezes são várias as causas ou pode haver uma longa distância entre a fonte emissora e o resultado lesivo.             

Como se determina o nexo de causalidade? Ou, como se imputam obejectivamente os danos ambientais? Estas questões não têm sido pacíficas na doutrina. A doutrina moderna colocou de parte a solução legal da causalidade adequada e adoptou a doutrina do escopo da norma violada, imputando ao agente, através da conditio sine qua no, os danos correspondentes às posições que são garantidas pelas normas violadas. Contudo, este entendimento não parece satisfatório, uma vez que a própria demonstração da conditio sine qua non dificilmente é determinável em sede ambiental, pois a prova da causalidade é normalmente limitada a estatísticas, ocorrendo também situações em que apenas se sabe que os autores da lesão são vários agentes, mas não se sabendo em concreto qual deles é o causador do dano. Menezes Cordeiro, entende para estes casos “hipóteses de facilitação da causalidade, designadamente aceitando a relevância da causalidade estatística ou responsabilizando todos os participantes no caso de causalidade alternativa.”[2] Menezes Leitão refere que quanto à relevância da causalidade estatística, já será possível hoje em dia a prova da causalidade por essa via através das presunções judiciais do artigo 351º do Código Civil. Todavia, o Professor já se mostra mais reticente quanto à aceitação de causalidades relativas, apontando que uma solução possível seria a aplicação das teorias anglo-saxónicas da responsabilidade segundo a quota de mercado (market-share liability) ou da responsabilidade segundo o nível das emissões poluentes (pollution-share liability). Enquanto “na primeira concepção, a responsabilidade é repartida segundo a presença de cada empresa no mercado, na segunda a repartição da responsabilidade dá-se de acordo com o nível das emissões poluentes, sem necessidade de demonstrar qual foi a concreta emissão que conduziu ao dano.[3]                                                                     

O artigo 5º do Decreto-Lei nº 147/2008 estabelece que “a apreciação da prova do nexo de causalidade assenta num critério de verosimilhança e de probabilidade de o facto danoso ser apto a produzir a lesão verificada, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto e considerando, em especial, o grau de risco e de perigo e a normalidade da acção lesiva, a possibilidade de prova científica do processo causal e o cumprimento, ou não, de deveres de proteção”. Carla Amado Gomes entende que esta norma assenta na teoria da causalidade adequada, além de apontar para a prova científica do processo causal, o que reduz grandemente a margem de construção de situações de imputação menos firmes. Por sua vez, Menezes Leitão entende que esta é uma norma muito ampla para permitir ao julgador o estabelecimento de presunções judiciais de causalidade. Ana Perestrelo de Oliveira, por seu turno, reprova as teorias clássicas sobre o nexo de causalidade, desde a conditio sine qua non, à causalidade adequada e à teoria do fim da norma, uma vez que, todas elas assentam na causalidade naturalística, cuja aplicação é difícil no plano ambiental. Assim sendo, defende “que a imputação objectiva deve assentar, antes, na ideia de conexão do risco: o facto é objectivamente imputável ao agente quando este tiver criado/aumentado o risco da verificação do resultado lesivo e esse risco se tiver materializado no resultado”. É difícil verificarmos a relação entre a causa e efeito entre o dano ambiental e o respectivo processo causal. Esta teoria vem restringir os danos a ser imputados ao agente através de uma interpretação teleológica da norma jurídica, a responsabilidade só terá lugar se a conduta do agente for, em concreto, susceptível de lesar bens jurídicos protegidos pela fattispecie normativa, oferecendo ao mesmo tempo um critério susceptível de identificar em concreto o nexo de causalidade. Além disso, a ideia de risco suporta o princípio da prevenção. O risco para o Direito do Ambiente traduz-se na ameaça de deterioração ou destruição, ou seja, existe risco quando estiver em causa a subsistência de um bem natural ou a sua capacidade de regeneração.         

O artigo 5º do Decreto –Lei nº 147/2008, refere –se ao “critério de verosimilhança e probabilidade” como possibilidade de causar a lesão e à eventualidade danosa potencial da actuação. Esta probabilidade acaba por facilitar a prova do lesado. Este, apenas terá de provar que é provável a criação ou aumento do risco para um bem jurídico ambiental. Face a isto presume-se que o risco se materializou no resultado.                                                                                 
O juiz deverá ter “em conta as circunstâncias do caso concreto”, tal como a natureza do dano, factores meteorológicas, se tratam de instalações modernas com as melhores técnicas disponíveis, entre outros. O problema é que a lei não densifica quais as circunstâncias relevantes do caso concreto. Em relação ao “grau de risco e de perigo”, Ana Perestrelo entende que se deverá proceder a uma interpretação ab-rogante lógica do preceito em causa, já que parece ser um pouco incoerente, na medida em que para se fazer prova da probabilidade de risco se apela ao próprio risco. Por fim, «O cumprimento, ou não, de deveres de protecção» Trata-se de em que ver com os cuidados que devem ser tidos em conta a fim de evitar danos a terceiros e ainda deveres de funcionamento impostos pelas autoridades administrativas.                                                                                                                           

Outro problema que se coloca é, precisamente, o grau ou medida da prova. O referido artigo 5º adopta o critério da probabilidade do facto. Quer isto dizer, que a mera justificação de que o facto será verosímil é suficiente. Ana Perestrelo critica este critério, considerando o insuficiente. Em relação ao ónus da prova admite –se a presunção de causalidade. A questão é, bastará uma abstracta susceptibilidade de lesão? Ou deverá ser concreta?  

Vasco Pereira da Silva defende, segundo o princípio da prevenção em sentido amplo, que no caso de incerteza se deve optar pelo ambiente. Este entendimento, parece aceitar que a imputação do dano seja feita de forma abstracta. A acção preventiva é antecipada e o ónus da prova inverte -se. Contudo, não poderá ser qualquer tipo abstrato de risco que irá relevar, apenas os que têm fortes probabilidades de ocorrer. A regra da probabilidade do artigo 5º reporta - se apenas à criação ou aumento do risco mas nao já a materialização do risco no resultado lesivo. Não se exigir ao lesado a sua prova, basta que e provável a criação/aumento do risco e se tanto é suficiente para se afirmar o nexo causa então é porque, apesar da lei não o prever expressamente, se presume a materialização no resultado (presunção implícita). Carla Amado Gomes e Vasco Pereira da Silva criticam este artigo por não consagrar expressamente esta presunção de causalidade e entendem que, desta forma, relativamente à repartição do ónus da prova se deve exigir ao lesado prova da criação ou aumento do risco e, demonstrando-a, o juiz deveria presumir a materialização do risco, havendo aqui depois de feita a demonstração, uma inversão do ónus da prova. Todavia, a presunção é legítima tendo em conta a dificuldade de prova por parte do lesado, fundamentando-se, em geral, nos princípios de tutela do ambiente e, em especial, no risco criado e aumentado pela acção do agente. O juiz deverá exigir que o lesado prove a aptidão abstracta da acção causadora do dano - presunção de imputação.                                                                            
A solução legal não é a mais feliz, contudo é este o caminho a seguir para uma tutela ambiental cada vez mais rigorosa.


Bibliografia

MENEZES, Leitão, Luís, “A Responsabilidade Civil por Danos causados ao Ambiente”in Actas Do Colóquio A Responsabilidade Civil Por Dano Ambiental.

OLIVEIRA, Ana Perestrelo De, “A Prova do Nexo de Causalidade na Lei da Responsabilidade Ambiental” in Temas Direito do Ambiente, nº 6,  2011.

SILVA, Vasco Pereira da, Verde Cor de Direito, Lições de Direito do Ambiente, Almedina, 2002.

GOMES, Carla Amado, “Introdução ao Direito Do Ambiente”, AAFDL, 2012.




[1] Menezes, Leitão, Luís - A RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS CAUSADOS AO AMBIENTE, in Actas do Colóquio – A responsabilidade Civil por dano ambiental; pág, 24.
[2] Menezes, Cordeiro, António -"Tutela do Ambiente e Direito Civil" em AVV, Direito do Ambiente, Lisboa, INA, 1994, pp. 377-396 (390).
[3] Menezes, Leitão, Luís - “A Responsabilidade Civil por Danos causados ao Ambiente”in Actas Do Colóquio A Responsabilidade Civil Por Dano Ambiental; pág. 28-29

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