O DL 147/2008, de 29
de Julho era um diploma há muito aguardado. Na união europeia já existia a
directiva nº 2004/35/CE, mas esta necessitava de ser transposta para a
ordenamento jurídico nacional. Em Portugal não existia um sistema estruturado
de responsabilidade por danos causados ao ambiente, sendo esta regulado por
diversas leis avulsas, pelo que a sua revisão era muito esperada.
No entanto o DL 147/2008
foi alvo de duras críticas ao seu conteúdo, fruta da sua falta de clareza.
Comparando a directiva nº
2004/35/CE (posteriormente apenas designada como directiva) com o decreto de
lei 147/2008 (posteriormente designado como DL) é visível que o legislador
comunitário e o legislador nacional têm preocupações diferentes. Enquanto o
primeiro apenas se ocupou dos danos ecológicos, o segundo para além dos danos
ecológicos pretendeu abarcar também os danos pessoais e patrimoniais (chamados
danos ambientais). Enquanto o legislador comunitário visou a prevenção da
ocorrência de danos, ou sendo impossível, a sua reparação in natura o
legislador nacional admitiu diferentes formas de compensação, incluindo o
pagamento de uma indemnização (na falta de outras alternativas).
Assim, para o doutor Tiago
Antunes o DL contemplou dois tipos distintos de responsabilidade ambiental (o
de inspiração jurídico-pública definido a nível europeu mas também o civilista
clássico).
O Doutor Tiago Antunes analisa o
DL sob quatro ângulos distintos onde comprova essa natureza dúplice.
Quanto ao tipo de danos
ambientais a responsabilidade civil pode ter uma natureza mais ecocêntrica ou
mais antropocêntrica. No primeiro caso trata-se de reparar os danos à natureza
em si mesma (danos ecológicos). No segundo trata-se de ressarcir os danos que
embora causados por uma ofensa ambiental, se projectam sobre o património ou a
personalidade de certos indivíduos (danos ambientais). A directiva apenas trata
dos danos ecológicos, o DL trata dos danos ecológicos (artigo 11º/1/e), mas
também dos danos causados por uma ofensa ambiental que se projectam no
patrimoniais e personalidade dos indivíduos (capítulo II - artigos 7º-10º).
Quanto ao tipo de obrigações que
gera a responsabilidade ambiental, esta pode ter uma natureza preventiva ou
reparadora (dentro desta pode ainda ser de tipo restaurativo ou do tipo
ressarcitório). A directiva consagrou um modelo ao mesmo tempo preventivo e
reparador (anexo II da directiva - qualquer uma das três modalidades de
reparação diz respeito à reparação in natura e não por equivalente pecuniário).
Quanto ao DL, no capítulo III as coisas passam-se da mesma forma que na
directiva. Já no capítulo II as coisas são bem diferentes. Aqui já não há
qualquer referência à prevenção de danos e admite-se que o seu ressarcimento
possa assumir a forma de indemnização (o artigo 10º/1 refere-se igualmente à
reparação ou indemnização de danos, e uma vez que não há qualquer ressalva esta
pode ser por equivalente pecuniário).
Outra diferença está na ambiência
de direito público ou de direito privado que caracteriza cada um dos modelos em
presença. Na directiva e no capítulo III do DL encontramos um regime com
características jurídico-públicas. Ao contrário do capítulo III do DL onde encontramos
um modelo tipicamente privatista.
O Doutor Tiago Antunes dá três
exemplos: o primeiro resulta do facto de a directiva e do capítulo III do DL
darem muito relevo ao papel das autoridades administrativas, à actuação das
entidades públicas (O DL, no capítulo III faz várias referências à APA -
agência Portuguesa do ambiente). Já o capítulo II do DL não prevê a intervenção
de qualquer entidade administrativa (os artigos 7º a 10º referem-se
exclusivamente a uma relação obrigacional ente o autor do dano e a respectiva
vítima). O segundo depreende-se do capítulo III do DL - artigo 20º/1e 3. Estas
normas dizem respeito a um conjunto de situações em que a actividade do
operador causou o dano ambiental mas o dano não lhe deve ser imputado (o
operador deve levar a cabo todas as medidas de prevenção e/ou reparação que se
revelem necessárias, embora não tenha que assumir os respectivos custos). Já no
capítulo II do DL, só está obrigado a reparar o dano quem seja responsável subjectiva
ou objectivamente por ele. Por último a relevância contra-ordenacional do
incumprimento das obrigações decorrentes do capítulo III. A directiva e o
capítulo III do DL impõem aos operadores, sob pena de contra-ordenações, um
conjunto de deveres de prevenção e reparação de danos ambientais. Já no
capítulo II o que está em causa é só uma relação civilista entre um lesante e
um lesado, pela qual o primeiro fica obrigado a ressarcir o segundo pela lesão
que lhe infligiu.
Por último quanto à necessidade
ou não de culpa, a responsabilidade ambiental pode ser subjectiva ou objectiva.
No primeiro caso o agente apenas responde aos danos a que deu origem se actuou
com dolo ou negligência. No segundo caso, o agente responde pelos danos a que
deu origem, independentemente da culpa. Aqui quer o capítulo II quer o capítulo
III do DL prevêem ambos os tipos de responsabilidade.
A responsabilidade objectiva está
prevista quanto ao capítulo II no artigo 7º, e quanto ao capítulo III no artigo
12º e ambos remetem para o anexo III do DL, onde está listada um conjunto de
actividades que se presumem perigosas.
A responsabilidade subjectiva
está prevista quanto ao capítulo II, no artigo 8º e, quanto ao capítulo III, no
artigo 13º Este tipo de responsabilidade aplica-se a todos aqueles que se
dediquem a actividades não previstas no anexo III.
O regime que consta do DL
constitui um alargamento face ao que consta da directiva, já que esta apenas
prevê a responsabilidade subjectiva para os danos à biodiversidade. O legislador
nacional não efectuou tal restrição de âmbito (no ordenamento jurídico nacional
a responsabilidade subjectiva abrange também os danos à água e ao solo).
Em jeito de conclusão o doutor
Tiago Antunes considera que esta natureza dúplice acabou por se revelar uma boa
solução e justifica esta posição. Uma lesão ambiental pode gerar diferentes
tipos de danos, com características bem diferentes. Assim faz sentido que a lei
consagre diferentes tipos de responsabilidade ambiental adaptados à
especialidade de cada tipo de dano (com a vantagem de estarem ambos regulados
no mesmo DL). Para o doutor estas modalidades são mutuamente complementares e
enriquecem o ordenamento jurídico-ambiental.
Mas podem-se levantar algumas
dúvidas na aplicação destes dois regimes.
Uma dúvida que pode surgir é
quanto à articulação entre o artigo 10º/1 e os artigos 12º/2 e 13º/2 do DL. Quando
os danos resultarem da mesma conduta o DL manda aplicar primariamente as
medidas de prevenção e/ou reparação do capítulo III, se essas medidas permitirem
cobrir os danos individuais e ecológicos então já não haverá ressarcimento por
via do capítulo II (artigo 10º/1). Se as medidas não permitirem por cobro total
ou parcialmente aos danos individuais, então aplica-se a responsabilidade civil
clássica nos termos do capítulo II.
Outra dúvida diz respeito aos
danos ecológicos não abrangidos pelo capítulo III (danos ao ar e ao solo). O
doutor Tiago Antunes defende que a solução deve passar pelo recurso às normas
que antes do DL se aplicavam à responsabilidade ambiental, que embora
imperfeitas evitam um vazio legal nessa matéria e a isenção da
responsabilidade.
Por último, outra dúvida que se
coloca é se a reparação dos danos subjectivos por via do capítulo II for
accionada antes das medidas do capítulo III. Aqui tem de se abrir duas
sub-hipóteses: se a reparação dos danos subjectivos for alcançada através de
uma reconstituição in natura, então os objectivos do capítulo III ficarão
automaticamente satisfeitos. Mas se não for assim a APA pode exigir a adopção de
medidas de reparação dos danos ambientais afectados, não podendo o operador
invocar a proibição da dupla cobrança de custos para se escusar a efectuar as
medidas de reparação.
A professora Carla Amado Gomes
critica esta bipolaridade da responsabilidade ambiental. A professora considera
que o legislador nacional no capítulo III foi coerente com os objectivos da
directiva. Porém ao inserir o capítulo II introduziu um elemento de dúvida,
pois faz crer que no capítulo III não se trata de responsabilidade civil, que a
responsabilidade de reparação do dano é primariamente da administração e não do
operador (ou que se aplicaria apenas a entidades públicas, o que geraria um
problema de articulação com a lei 67/2007). Para ela as situações do capítulo
II estão cobertas pelas normas do CC nos artigos 483º ss (só o dano ecológico
puro recomenda um regime especial de reparação e compensação de lesões, em
virtude da especialidade dos bens).
No entanto apesar desta falsa
bipolaridade jurídica a professora Carla Amado Gomes considera que existe uma
autêntica dualidade de natureza fáctica, que se traduz na dupla faceta de
praticamente todos os bens ambientais, corpórea e ecológica. Uma lesão num bem
ambiental natural pode revelar-se andrógina, na medida em que quando o bem for
corpóreo aos olhos do seu proprietário há um dano patrimonial, mas aos olhos de
uma ONGA, de um autor popular ou da administração há um dano ecológico. Assim compreende-se
a referência no artigo 10º/1 à proibição da dupla reparação, uma vez que a reparação
do dano ecológico (que é prioritária) pode satisfazer plenamente o interesse
indemnizatório do lesado, embora nem sempre. Tem de se articular a reparação do
dano ecológico com a reparação do dano patrimonial do proprietário do bem.
A professora considera ainda que
há outra bipolaridade dispensável, no que diz respeito à articulação entre o DL
e a LBA (lei de bases do ambiente). O Dl (tal como a directiva), no artigo
11º/1/e não contempla os danos ao ar e ao solo. A professora propõe uma
interpretação conforme à LBA, para por fim a esta dualidade prejudicial para a
coerência do Direito do ambiente e da noção de dano ecológico.
Podemos assim concluir que o
doutor Tiago Antunes é favorável a esta bipolaridade de regimes da
responsabilidade presentes no DL 147/2008 porque considera que estas
modalidades são mutuamente complementares e enriquecem o ordenamento
jurídico-ambiental.
Já a professora Carla Amado Gomes
apresenta uma visão crítica quanto a esta bipolaridade. Para a professora
apenas o capítulo III devia constar do DL, sendo que o capítulo II se devia ter
por não escrito, até porque as situações aí presentes estariam cobertas pelas
normas do CC (artigo 483º ss).
Eu concordo com a posição do
doutor Tiago Antunes porque considero que esta bipolaridade não prejudica o
ordenamento jurídico-ambiental mas antes o enriquece.
Biografia:
Antunes, Tiago, Da natureza
jurídica da Responsabilidade Ambiental, in Actas do colóquio – A
Responsabilidade civil por dano Ambiental, e-book, Lisboa, ICJP, 2010, PP
121-152;
Gomes, Carla Amado, De que
falamos quando falamos de Dano Ambiental? Direito, mentiras e críticas, in
Actas do colóquio – A responsabilidade civil por Dano Ambiental, e-book,
Lisboa, ICPJ, 2010, pp 153-171;
Leitão, Luís Manuel de Menezes, A
Responsabilidade civil por Danos causados ao Ambiente, in Actas do colóquio – A
Responsabilidade civil por Dano Ambiental, e-book, Lisboa, ICPJ, 2010 pp 21-41;
Silva, Vaco Pereira da, verde Cor
de Direito – Lições de Direito do Ambiente, Coimbra, Almedina, 2002, pp
248-271.
Maria
Inês Alves, Ano 4º, subturma 2, aluna nº 20909
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