1 de junho de 2014

Considerações sobre Contra-Ordenações Ambientais

                 Considerações sobre Contra-ordenações Ambientais*



   Como nos diz o Professor Vasco Pereira da Silva, é recente a tutela sancionatória ambiental, isto porque também é recente a consideração do ambiente como um bem jurídico objectivo fundamental e constitucionalmente protegido, nos termos do artigo 66º da Constituição da República Portuguesa, e como uma tarefa fundamental do Estado, de acordo com a previsão constitucional presente nas alíneas d) e e) do artigo 9º da Lei Fundamental.

   A tutela sancionatória dos ilícitos ambientais, levada a cabo através da via administrativa apresenta inúmeras vantagens, entre as quais são de destacar:
  • a possibilidade de aplicação de sanções a pessoas colectivas por adopção de um comportamento delitual que, ao facilitar a imputação objectiva do delito, permite amenizar as dificuldades relativas à apreciação do nexo de causalidade em matéria de ambiente. A responsabilização das pessoas colectivas, por infracções ao bem jurídico ambiente, tem sido, também, preconizada pela União Europeia, o que é evidenciado pelo artigo 6º da Directiva 2008/99/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Novembro de 2008, transposta para o ordenamento jurídico português pela Lei 56/2011 de 15 de Novembro;
  • maior celeridade e eficácia na punição dos ilícitos ambientais, uma vez que o procedimento administrativo em comparação com o procedimento em sede de Tribunais judiciais, é bem mais simplista.

   Mas esta via administrativa de punição das contra-ordenações ambientais, em detrimento de uma tutela penal do Ambiente apresenta também algumas desvantagens:
  • ficam diminuídas as garantias de defesa do infractor, uma vez que o processo penal tem, desde logo, que respeitar as garantias de processo criminal constitucionalmente consagradas nos termos do artigo 32º da C.R.P., disposição a que não está igualmente obrigado a processo administrativo;
  • desconsideração da importância que se deve reconhecer aos ilícitos ambientais, uma vez preconizada na sociedade a ideia de que a tutela penal pune as condutas mais graves, ao passo que a tutela ambiental levada a cabo pela administração pune condutas de natureza bagatelar;
  • o facto de, pela natureza pecuniária da sanção administrativa, se poder considerar que estamos perante um mero “custo” inerente à actividade poluente e não uma verdadeira punição, comprometendo-se o efeito que se pretende dissuasor de comportamentos gravosos para o ambiente.

   A União Europeia parece estar também alerta para as vantagens que podem advir da tutela penal do Ambiente, tendo em conta os motivos elencados pela Professora Carla Amado Gomes:
  • o direito penal traduz, na sociedade, uma reprovação mais intensa, uma vez que na maioria dos casos culmina com a privação da liberdade, ao passo que o direito sancionatório de via administrativa se centra antes no pagamento de coimas;
  • o facto de, por vezes, os infractores não terem possibilidade de pagamento da coima acabando por sair impunes;
  • o facto de a cooperação entre os vários membros da União Europeia ser muito mais intensa a nível penal do que a nível administrativo, o que permitiria um melhor conhecimento e controlo da realidade ambiental, partindo da certa ideia de que os danos ambientais não se circunscrevem a uma determinada área e que constituem uma preocupação transfronteiriça;
  • o processo penal demonstra-se seguramente mais imparcial, uma vez que sendo um tribunal judicial a julgar, estará livre de interesses e de intervenção na apreciação da infracção.

   Parece então ser vantajoso equilibrar sanções penais com sanções de natureza administrativa, tendo em conta o caso concreto e a gravidade da conduta, a fim de se conseguir uma efectiva tutela do bem jurídico ambiente. É de reconhecer, neste âmbito, que um mesmo comportamento pode dar origem aos dois tipos de sanções. Veja-se o caso do nº 2 do artigo 47º da Lei de Bases do Ambiente (Lei 11/87, de 7 de Abril), que estipula que em caso de uma “mesma conduta constituir crime e contra-ordenação, será o infractor punido a título de crime, sem prejuízo da aplicação de sanções acessórias previstas para a contra-ordenação.”

   Independentemente do que se considere ser a melhor via sancionatória para a salvaguarda do bem jurídico ambiente, hoje o caminho eleito para a sua tutela é, sem dúvida, a via administrativa e isto decorre do facto de a maior parte dos ilícitos ambientais darem lugar a sanções de natureza administrativa, e só uma pequena parcela ser tipo objectivo de conduta criminosa e, portanto, dar origem a sanções penais, sendo que, mesmo nestas situações, se estará sempre dependente de considerações relativas à actuação da Administração. Veja-se, por exemplo, o caso do artigo 279º do Código Penal, relativo ao crime de poluição, que faz depender, no seu nº1, da violação de “disposições legais, regulamentares ou obrigações impostas pela autoridade competente em conformidade com aquelas disposições”, um elemento do tipo.

   Corrobora esta ideia a Professora Heloísa Oliveira quando diz que “as infracções ambientais são de natureza essencialmente administrativa: trata-se da violação de obrigações de obtenção de licenças ou autorizações, da violação de condições impostas pela autoridade administrativa (nomeadamente das condições anexas a licenças e autorizações deferidas); e, mais raramente, violação de obrigações materiais impostas directamente pela lei. Ou seja, a vasta maioria das infracções ambientais resultam da violação de obrigações perante a Administração ou que foram por esta impostas”.

   As contra-ordenações ambientais, cujo regime está consagrado na Lei-Quadro das Contra-Ordenações Ambientais, Lei 50/2006, de 29 de Agosto, com alteração e republicação datada de 31 de Agosto de 2009, pela Lei 89/2009, estão essencialmente a cabo de Autoridades Administrativas, organismo a quem compete legalmente a instauração, a instrução e a aplicação das sanções em matéria ambiental, nos termos do artigo 73º da referida Lei. Tem competência genérica, para os mesmos efeitos, o Inspector-Geral do Ambiente e do Ordenamento do Território, segundo o disposto pelo nº 1 do artigo 71º da mesma Lei.

   Podem ser de três tipos as contra-ordenações visadas estatuídas por esta lei: leves, graves e muito graves. Isto é-nos ditado desde logo pelo artigo 21º da referida lei.

   Esta graduação classificativa de gravidade, determinada conforme a intenção preventiva do legislador face ao caso tipificado na lei, nos termos do artigo 23º da Lei 89/2009, faz variar a coima aplicável consoante se trate de uma pessoa singular ou de uma pessoa colectiva e do seu respectivo grau de culpa.





Contra-ordenação

Pessoa singular

Pessoa colectiva

dolo

negligência

dolo

negligência

leve

€ 400 a
€ 2000

€ 200 a
€ 1000

€ 6000 a
€ 22 500

€ 3000 a
€ 13 000

grave

€ 6000 a
€ 20 000

€ 2000 a
€ 10 000

€ 30 000 a
€ 48 000

€ 15 000 a
 € 30 000

muito grave

€ 30 000 a
€ 37 500

€ 20 000 a
€ 30 000

€ 200 000 a
€ 2 500 000

€ 38 000 a
€ 70 000


               









               
                








          

   
   Podem ser, para além das coimas, aplicadas por lei, no âmbito de um processo contra-ordenacional, relativamente a infracções graves e muito graves, e nos termos do artigo 29º da Lei 89/2009, sanções acessórias cujo conteúdo se determina, na maioria dos casos, pela determinação de uma acção negativa ou de “non facere” imposta ao infractor, como por exemplo “interdição do exercício de funções …”, “privação do direito de …” ou “encerramento de estabelecimento …”.

   Estas sanções estão previstas no artigo 30º da mencionada Lei, e a sua aplicação depende da verificação de pressupostos determinados, de acordo com o previsto no artigo 31º do mesmo diploma legal.

   Tanto as coimas como as sanções acessórias serão as consequências jurídicas advindas da decisão no âmbito de um processo contra-ordenacional de carácter administrativo

   Mas, por motivos de precaução, quer relativos à instrução do processo, quer relativos à salvaguarda de bens jurídicos como a saúde, a segurança de pessoas ou de bens e o ambiente, podem ser estabelecidas medidas anteriores à decisão da causa, nos casos previstos no artigo 41º da Lei 89/2009. Estas medidas cautelares têm carácter provisório, facto constatável pelo nº 2 do mesmo artigo 41º, que determina o momento da sua caducidade.

   Em sede de regime de contra-ordenações ambientais, e quando haja lugar a uma infracção de tipo leve, pode dar-se lugar ao processo sumaríssimo, presente no artigo 56º da Lei 89/2009. Neste tipo de processo, informa-se por forma escrita o arguido de que lhe será aplicada uma determinada sanção, antes mesmo de se proceder à acusação formal, e por que motivos essa sanção será aplicada, tendo em consideração as disposições legais violadas.

   Caso o arguido, sem mais, aceite o disposto na decisão em sede de processo sumaríssimo, essa mesma decisão passa a decisão condenatória definitiva, fazendo-se valer o princípio non bis in idem, pelo qual o arguido não pode vir depois a ser acusado e punido de novo pelo mesmos crime e pelos mesmos factos, de acordo também com o estipulado pelo nº 6 do referido artigo. Esta decisão, em processo sumaríssimo, implica que o arguido não possa dela recorrer. Aqui se consubstancia, por exemplo, uma situação em que a preferência pela tutela administrativa dos ilícitos ambientais coloca em causa as garantias de defesa dos particulares.

   Se, por outro lado, o arguido fizer uso das faculdades que lhe são atribuídas pelo nº 4, ainda do artigo 56º, recusando a decisão ou não se pronunciando sobre ela no tempo de 5 dias úteis desde a data da respectiva notificação, não pagando a coima ditada pela decisão, não acatando o comportamento devido ou requerendo alguma diligência complementar, deve o processo prosseguir a forma ordinária, nos termos dos artigos 43º e seguintes da Lei aqui em análise, ficando, deste modo, sem efeito a decisão adoptada no processo sumaríssimo.

   Perante a determinação de uma decisão sancionatória pela autoridade administrativa pode o infractor, no prazo de 20 dias desde o seu conhecimento, e por forma escrita, provocar a impugnação judicial dessa mesma decisão, nos termos do nº 1 do artigo 59º do Regime geral das contra-ordenações (decreto-lei nº 244/95, de 14 de Setembro), ex vi segunda parte do nº 1 do artigo 2º da Lei-Quadro das Contra-Ordenações Ambientais.

   O Tribunal competente, de acordo com o artigo 61º do Regime Geral das Contra-Ordenações, não poderia vir a aplicar uma sanção mais gravosa para o arguido do que aquela que ocorreria pela decisão da Autoridade Administrativa da qual se interpôs recurso, isto porque atender-se-ia aqui à ideia da proibição da reformatio in pejus, presente no artigo 72º-A deste Regime. Contudo, existem excepções na aplicação desta proibição: a coima poderia ser agravada se as condições económicas e financeiras do arguido tivessem melhorado sensivelmente, nos termos do nº 2 do artigo referido.

   No entanto esta solução é afastada explicitamente pela Lei-Quadro das Contra-Ordenações Ambientais que, de acordo com o estipulado pelo artigo 74º dessa mesma lei, cria um regime especial e refere que não é aplicável aos processos de contra-ordenação ambiental a proibição da reformatio in pejus. Assim sendo, uma decisão final pelo Tribunal que admitira a impugnação judicial da decisão da Autoridade Administrativa, e que condene o arguido, pode fazê-lo de forma mais severa.

   É de referir que, de acordo com o estipulado pelo artigo 53º da Lei-Quadro, para além do valor da coima, nos casos em que se tenha dado lugar a impugnação judicial da decisão da Autoridade Administrativa, e a qual o Tribunal tenha confirmado total ou parcialmente, pode ao arguido ser exigido um acréscimo relativo a juros, desde a data da decisão da Administração impugnada, à taxa máxima estabelecida na lei fiscal.

   Verificando-se a manutenção ou alteração da condenação, esta deve ser devidamente fundamentada pelo juiz, no respeito pelo preceituado no nº4 do artigo 64º do Regime Geral das Contra-Ordenações.

   O valor das coimas aplicadas em sede de contra-ordenações ambientais é canalizado, segundo o disposto pelo artigo 72º da Lei-Quadro referida, em 50% para o Fundo de Intervenção Ambiental – destinado a prevenir e reparar danos resultantes de actividades lesivas para o ambiente, nomeadamente nos casos em que os responsáveis não os possam ressarcir em tempo útil – em 25% para a autoridade que aplique a sanção, em 15% para a entidade autuante e em 10% para o Estado.

   A Lei-Quadro das Contra-Ordenações Ambientais estatui também um cadastro nacional que tem por objecto, nos termos dos números 1 e 2 do artigo 63º da Lei, o registo de sanções, principais (coimas) e acessórias, de medidas cautelares adoptadas durante o processo de contra-ordenação e de decisões judiciais tomadas relativamente à aplicação definitiva de sanções, bem como o registo de suspensões, prorrogação de suspensões e de revogações das decisões tomadas.

   A entidade responsável pelos registos descritos, organizados em ficheiro central informatizado, é a Inspecção-Geral do Ambiente e do Ordenamento do Território, de acordo com o estabelecido pelo artigo 64º da Lei-Quadro, cuja actividade neste domínio deve ser baseada pelo respeito dos princípios da legalidade, da veracidade e da segurança das informações recolhidas, como obriga o artigo 62º da mesma Lei.

   De acordo com o previsto ainda pelo artigo 64º, agora nºs 2 e 3, o acesso aos dados contidos no cadastro nacional é exclusivo aos sujeitos que constam desse registo, aos magistrados judiciais e do Ministério Público, quando em causa estejam necessidades de investigação criminal e de instrução de processos criminais, a entidades que, na prática processual penal, possam ter a seu cargo actos de inquérito ou de instrução e a entidades oficiais que a seu cargo tenham a prossecução de fins públicos.

   Para além desse cadastro nacional, a Lei-Quadro em análise dá também lugar a um registo individual, este a cabo da Autoridade Administrativa, nos termos do seu artigo 65º, cujo conteúdo se prende com a catalogação dos sujeitos responsáveis por infracções ambientais, indicando-se também as medidas cautelares e as sanções principais e acessórias aplicadas nos respectivos processos de contra-ordenação ambiental. Este registo individual, ao contrário do registo relativo ao cadastro nacional, permite um acesso público aos dados, quando em causa estejam a aplicação de sanções de tipo muito grave ou de reincidências envolvendo contra-ordenações do tipo grave. Não obstante esta publicitação de dados, o registo respectivo está sujeito aos termos e limites de protecção de dados pessoais, impostos pela Lei 67/98, de 26 de Outubro, no respeito pela consagração constitucional relativa à utilização de informática, nos termos do artigo 35º da C.R.P.


   É de salientar que os dados contidos no cadastro nacional são de registo temporário, uma vez que impõe o artigo 68º da Lei-Quadro das Contra-Ordenações Ambientais que devem ser eliminados, automática e irrevogavelmente, todos os dados com existência superior a 5 ou a 3 anos, nos casos de infracções graves e muito graves ou nos casos de infracções leves, respectivamente.


Bibliografia:

  • SILVA, Vasco Pereira da, Breve Nota sobre o Direito Sancionatório do Ambiente, in Direito Sancionatório das Autoridades Reguladoras, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, pp. 271-296;
  • GOMES, Carla Amado, As contraordenações ambientais no quadro da Lei nº50/2006, de 29 de Agosto: considerações gerais e observações tópicas, in Estudos de Homenagem a Miguel Galvão Telles, I, Coimbra, Almedina, 2012, pp. 457-478;
  • OLIVEIRA, Heloísa, Eficácia e Adequação na tutela sancionatória de bens ambientais, in Revista de Concorrência e Regulação, ano 2, nº5 (Janeiro-Março), 2011, pp. 205-238

*Este texto foi redigido sem a adopção do novo acordo ortográfico


Leila Monteiro
Aluna nº 20861


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