1 de junho de 2014

A responsabilidade civil para danos ambientais


"Quando a culpa é de todos, não é de ninguém"


O ambiente não pode ser objecto de direitos privados, é insusceptível de apropriação individual. De acordo com o art.202./2 Código Civil, é um “bem fora do comércio”. Segundo, segundo Menezes Leitão, esta ideia partia do pressuposto de que o ambiente era uma realidade ilimitada e renovável.

               Sabemos que hoje não é assim. Cada vez mais, vimos a assistir à consciencialização de que o ambiente é um bem limitado, finito, e o suporte à vida, como a conhecemos. Desta forma, temos assistido a uma mudança de paradigma – de uma visão utilitarista e de domínio do Homem sobre a Terra, passamos agora para uma consciência de que os recursos são finitos, que temos um dever se preservar o planeta para as gerações vindouras. Tal como os pais que amealham dinheiro para proporcionar aos filhos um futuro melhor, mais desafogado, esta deveria ser também a relação com o meio ambiente, de forma a deixarmos o melhor planeta aos nossos descendentes – é indubitável que vivemos ainda num mundo capitalista, em que é dada uma importância desmedida ao bem dinheiro - mas é este o caminho que estamos a percorrer, passo a passo.

               É neste contexto que aparece o instituto da responsabilidade civil, para matérias ambientais – a responsabilidade civil ambiental. Contudo, a adaptação deste regime coloca inúmeros problemas, por um lado, quanto à determinação dos pressupostos, por outro, relativamente à eficácia da indemnização, neste âmbito.

               Em primeiro lugar, pode colocar-se um problema de nexo de causalidade entre o facto, que ocorre num determinado espaço, e o dano, que pode manifestar-se numa área geográfica distinta, e revelar-se de diferentes formas. Por outro lado, este dano não tem, em concreto, um único responsável, nem sequer uma pluralidade determinada ou determinável, de responsáveis. O que acontece, é que existem inúmeros agentes poluidores, e é da sua actividade cumulada que resulta o dano. Ainda que este não seja o caso, apurar quem foi o responsável por tal dano é quase impossível, a acrescentar ainda a interferência que as alterações climatéricas podem representar neste contexto, e a concorrência com essa actividade poluente. Uma solução poderia passar pela “presunção de causalidade”, quando as empresas estiverem e acordo com as circunstâncias do caso concreto, em condições de verificar os danos provocados.[1] Parece-me que esta solução é perigosa e ineficaz em muitas situações – as empresas de certo sector podem encontrar bastantes dificuldades em ilidir tal presunção, é um ónus muito penoso.

               Também se colocam problemas à determinação dos titulares do direito de indemnização, que tal como acontece com os poluidores, pode ser quase impossível sua identificação. O Professor Menezes Leitão oferece o exemplo de uma maré negra – os titulares da indemnização serão os pescadores da zona? Ou os hotéis, que perderam clientes? Ou serão ainda os turistas, que vêm as suas expectativas de viagem frustradas? Em última análise, o reconhecimento das pessoas lesadas pode ser tão abrangente, que será insustentável esta ideia de indemnização por danos sofridos.

               Relativamente à indemnização, o direito civil entende-a apenas como ressarcimento dos danos, não impendido sequer a continuação da actividade danosa. Acontece que não são estas as necessidades do Direito do Ambiente, que passam pela lógica contrária, de cessação da actividade danosa, e de prevenção.[2] Outro problema suscitado pela maioria dos autores, prende-se com as repercussões desta indemnização nos preços dos produtos. Parece-me que o problema é mais aparente, sendo que o que se pretende com a responsabilidade civil pelos danos ambientais, é exactamente o ressarcimento desses mesmos danos, antes de qualquer culpa da empresa, pressuposto que, na responsabilidade ambiental, como adianta Luís de Menezes Leitão, pode mesmo ser dispensado.  Por isso, este não é um exacto problema da aplicação da responsabilidade civil ao direito ambiental. O principal objectivo não passa por penalizar a empresa ou os consumidores, mas em indemnizar os danos causados – outro problema nada fácil de determinar. No caso apresentado da maré negra, o dano era a poluição da àgua, mas havia muitos titulares prejudicados, havia muitos “danos” decorrentes do dano principal.

               Distinguem-se danos ambientais de danos ecológicos, entendendo-se que os primeiros são aqueles que violam bens jurídicos concretos, com poluidores tendencialmente determinados ou, pelo menos, determináveis. Por seu lado, os danos ecológicos são mais abstractos, em que há um dano do sistema ecológico, mas sem haver violação de direitos individuais.

               A lógica da responsabilidade civil adequa-se muito mais aos primeiros, aos danos ambientais. No fundo, são situações mais específicas, em que se conseguem preencher os pressupostos da responsabilidade civil – facto, ilicitude, dano e nexo de causalidade (no sentido de prescindir da culpa, ainda que esta possa ter lugar na maioria dos casos).

               Desta forma, aparece o Decreto-Lei 147/2008, a consagrar o regime da responsabilidade civil ambiental, distinguindo nos seus capítulos, dano ecológico e ambiental.

               Parece-me que um dos principais problemas em toda esta lógica de responsabilidade civil por dano ambiental se prende com a impossibilidade de reparação do dano. Como se ultrapassa o problema de determinar a reparação do dano de extinção de uma determinada espécie? Através de uma indemnização? A quem?

               Temos ainda um longo caminho a percorrer em matéria de consciencialização ambiental, e de medidas concretas para dar respostas a todos estes problemas. Parece-me que a responsabilidade civil ambiental consiste numa aplicação de certa forma imperfeita – porque os danos ambientais e a sua reparação têm de ser pensados noutra perspectiva – de solidariedade, cooperação, percepção das implicações das nossas actuações para o bem comum.

 
Inês Tamissa de Barros, aluna 20813
              

 




[1] Pereira da Silva, Vasco; Verde Cor de Direito; Almedina, 2ª Reimpressão, pags. 261 e 262.
[2] Menezes Leitão, Luís Manuel de; Actas do Colóquio, Responsabilidade Civil por dano ambiental, pag.24

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