25 de maio de 2014

"Vale a pena o Direito Penal do Ambiente?"

“Vale a pena o Direito Penal do Ambiente?”[1]


“O homem submetendo a terra, violentou-se para dela tirar o seu sustento, e o mais que nela encontrasse, agindo, em ambas as hipóteses, de maneira predatória; e dominando sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu, sobre os rebanhos e sobre tudo o que vive e se move sobre a terra, determinou o desaparecimento definitivo de espécies animais e vegetais da face da terra, enquanto outras ainda, pela ação do homem, agonizam.”[2]


Ao lado da proteção direta do indivíduo que o Estado garante através do Direito Penal, vem agora também, na sua nova feição do Estado de Direito Democrático e Social estender o Direito Penal à tutela de bens e interesses difusos e sociais, assumindo a sua proteção como fim do Estado.

É pelo alargamento da tutela penal a novos bens jurídicos que se deve admitir e compreender a orientação criminalizadora de factos lesivos do meio ambiente? Pelo facto de o ambiente ser considerado um bem essencial? Bom, a verdade é que é de tal forma considerado essencial que “um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado” viria a ser consagrado a nível constitucional, não só no “nosso” artigo 66º da Constituição, como noutras Constituições[3].

A tutela penal do ambiente surge pela primeira vez com o Código Penal de 1995 que, pela primeira vez consagrou no sistema jurídico português a incriminação dos crimes ecológicos puros.

Cabe deixar uma breve distinção conceptual entre crimes ecológicos derivados e impuros e crimes ecológicos puros. Estes tutelam o ambiente diretamente, ou seja, constitui o bem jurídico imediatamente protegido pela incriminação; aqueles tutelam o ambiente de uma forma mediata, isto é, a proibição incide sobre atos de lesão de elementos do ambiente natural, por exemplo o caso do art. 280º do Código Penal em que o objeto da ação é a água, o solo e o ar.

Esta neocriminalização[4] ocorrida em 1995 criou os crimes de danos contra a natureza (art. 278º do Código Penal) e o crime de poluição (art. 279º do Código Penal), considerados como crimes ecológicos puros.

Foi a crescente consciencialização da degradação ambiental por parte da comunidade que veio justificar a autonomização da tutela ambiental em matéria penal. Acresce no entanto o facto de o legislador constitucional ter configurado o direito ao ambiente como um direito fundamental autónomo[5] e também como direito social e económico que reclama prestações positivas das autoridades estaduais que legitima o “modelo constitucional de Estado de Direito Ambiental”.

O bem jurídico ambiente relevante para o direito penal adota a conceção restritiva de ambiente e tem como objetos de proteção os componentes ambientais naturais como a água, o solo, o ar, o som, a fauna e a flora e as condições ambientais de desenvolvimento destas espécies.

Relativamente à necessidade de existir uma tutela do bem jurídico ambiente por parte do Direito Penal convém não olvidar a função orientadora de prevenção geral positiva do direito penal.

A legitimidade da intervenção penal justificar-se-ia pelo facto de considerarmos que, sendo a Constituição da República Portuguesa a lei suprema do nosso ordenamento jurídico, esta expressa o projeto que uma dada comunidade pretende prosseguir, e assim sendo deve existir uma congruência ou analogia entre os valores previstos na Constituição e os bens jurídicos protegidos pelo direito penal.

No que respeita à “real” adequação, não obstante a diversidade de opiniões doutrinárias, crescentemente favoráveis à intervenção do Direito Penal, também o Conselho da Europa tem propugnado o uso deste instrumento de prevenção como adequado à proteção do meio ambiente.

Por outro lado, há que ter em conta que o Direito Penal é um ramo de direito subsidiário consistindo, ou devendo consistir como última ratio da intervenção estadual na tutela dos valores e interesses fundamentais (art. 18º nº2 da Constituição), uma vez que recorre a sanções particularmente gravosas sob o ponto de vista dos direitos, liberdades e garantias da pessoa.

Outra característica identificável no Direito Penal “Clássico” é a natureza individual da sua responsabilidade que impede a responsabilização das pessoas coletivas, uma vez que ainda que o artigo 11º do Código Penal previsse a possibilidade de disposição em contrário, a verdade é que ao nível do código a responsabilidade penal sempre foi entendida como pessoal e individual. Esta era a maior fragilidade da tutela penal do ambiente, principalmente tendo em conta que os maiores perigos e os maiores danos para o ambiente decorrem da atividade de empresas.

Identificando a essencialidade dos bens e a necessidade da sua proteção como “pedras angulares” da discussão em torno da “real” adequação da tutela do Ambiente pelo Direito Penal convém desde logo deixar claro que para considerar essencial ou necessário deve existir um consenso social primário. A existência desse consenso social primário foi ideologicamente sustentado pelo contrato social.

“Numa primeira fase, restringiu-se, na medida da inspiração contratualista liberal, a tutela penal à proteção dos direitos fundamentais. Numa segunda fase, o objeto da tutela penal surgiu (objetivado) como bem jurídico. E, por essa via, se pôde transitar para uma relação já não estritamente liberal entre o pressuposto acordo original e os objetivos comunitários.[6]

Tem-se no entanto, assumido como dominante, o ponto de vista de que a intervenção penal é legitimada pelas razões fundamentais que justificam a anuência voluntária na sobreposição da sociedade ao indivíduo.

A questão de que é possível criminalizar condutas lesivas do ambiente parece mais que respondida. Levanta-se no entanto a questão (que carece de maior desenvolvimento) de saber se a tutela criminal será efetivamente o meio mais eficaz para reagir contra agressões ambientais. A este respeito o Professor Doutor Vasco Pereira da Silva faz uma breve exposição relativamente à maior adequação da tutela sancionatória do ambiente pela via penal ou pela via administrativa.

Apresenta o Professor como argumentos (apresentados pela doutrina) preferenciais a favor da via penal:

- a importância simbólica da existência de crimes ambientais, que para além da maior “dignidade jurídica” atribuída à defesa do ambiente, ainda atribui ao Direito penal uma função de “pedagogia social”;

- a maior intensidade da tutela ambiental, que poderá dar origem não apenas a sanções pecuniárias mas também a penas privativas da liberdade;

- a existência das garantias do processo penal (artigos 27º a 32º da Constituição).

Por outro lado, tudo o que tem vantagens pode apresentar também desvantagens ou inconvenientes. Nesse prisma o Professor aponta como argumentos (apresentados pela doutrina) os seguintes:

- a inadequação do Direito Penal para a tutela do Ambiente uma vez que este se orienta sobretudo no sentido da repressão de comportamentos anti-jurídicos graves;

- a existência no domínio do ilícito ambiental de numerosas situações danosas provocadas pela atuação das pessoas coletivas, enquanto que no Direito Penal “a imputação de responsabilidades é rigorosamente individual” (ponto supra referido);

- o perigo de descaracterização e de subalternização do Direito Penal, pois a maior parte dos crimes ambientais decorre da desobediência às prescrições de autoridades administrativas;

- a ineficácia de um sistema sancionatório do ambiente de tipo penal, dada a dificuldade prática em “apanhar” e em “condenar” os “criminosos do ambiente”.

Há, escusado será dizer, defensores de uma tutela sancionatória pela via administrativa que apresentam como vantagens as seguintes:

- a maior celeridade e eficácia na punição do infrator ambiental, que decorre da simplicidade do procedimento administrativo e que permite a prontidão da resposta punitiva ao delito cometido;

- permite a responsabilização não apenas dos indivíduos mas também das pessoas coletivas;

- salvaguarda a autonomia do Direito Penal, que não necessita de estar mais subalternizado às estatuições das autoridades administrativas.

Do lado passivo, contra a tutela pela via administrativa são alegados os seguintes inconvenientes:

- a diminuição das garantias de defesa dos particulares;

- a tendência para a “banalização” das atuações delituais em matéria de ambiente, que se remetem basicamente para sanções de natureza pecuniária;

- a tendência para a transformação da sanção pecuniária num simples “custo” da atividade económica poluente.

Fazendo um balanço dos prós e contras torna-se difícil assumir uma posição por uma das vias, uma vez que ambas as “correntes” defensoras das diferentes vias demonstram argumentos válidos.

Salvo melhor opinião, acompanho o Professor Vasco Pereira da Silva na “mistura” de ambas as vias, não se devendo adotar uma visão exclusivamente penal ou administrativa. A “mistura” de ambas as vias justifica-se pelo facto de não se dever dispensar a criminalização das condutas mais graves de lesão do ambiente, não se devendo o entanto cair na banalização do Direito Penal do Ambiente, devendo o modo “normal” de reação contra delitos ambientais ser feito pelo recurso a sanções administrativas ou contra-ordenacionais.





Rodrigo Figueiredo Rocha
nº 18386
Subturma 2


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Bibliografia

- CANOTILHO, J.J. Gomes, “Introdução ao Direito do Ambiente”

- FARIA, Paula Ribeiro de, “Do Direito Penal do Ambiente e da sua Reforma”

- PALMA, Maria Fernanda, “Direito Penal do Ambiente - Uma primeira abordagem”

- SILVA, Germano Marques da, “A tutela penal do ambiente (ensaio introdutório)”

- SILVA, Vasco Pereira da, “Verde Cor de Direito - Lições de Direito do Ambiente”, 2002, Almedina

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Nota: Escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico.





[1] Questão nº4 do ponto XVI (Direito Sancionatório do Ambiente) dos exercícios do Doutor José Duarte Coimbra
[2] “Ecologia”, ODUM, Eugene P., Rio de Janeiro, 1983 apud “A tutela penal do ambiente”, SILVA, Germano Marques da
[3] Constituições Grega de 1975, Espanhola de 1978 e Brasileira de 1988.
[4] Qualificação como crime de uma conduta até aí vista como não criminosa
[5] Segundo posição do Professor Gomes Canotilho
[6] PALMA, Maria Fernanda, “Direito Penal do Ambiente - Uma primeira abordagem”

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