“Vale a pena o Direito Penal do Ambiente?”[1]
“O homem submetendo a
terra, violentou-se para dela tirar o seu sustento, e o mais que nela
encontrasse, agindo, em ambas as hipóteses, de maneira predatória; e dominando
sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu, sobre os rebanhos e sobre tudo o
que vive e se move sobre a terra, determinou o desaparecimento definitivo de
espécies animais e vegetais da face da terra, enquanto outras ainda, pela ação
do homem, agonizam.”[2]
Ao lado da proteção direta do indivíduo que o Estado garante
através do Direito Penal, vem agora também, na sua nova feição do Estado de
Direito Democrático e Social estender o Direito Penal à tutela de bens e
interesses difusos e sociais, assumindo a sua proteção como fim do Estado.
É pelo alargamento da tutela penal a novos bens jurídicos que
se deve admitir e compreender a orientação criminalizadora de factos lesivos do
meio ambiente? Pelo facto de o ambiente ser considerado um bem essencial? Bom,
a verdade é que é de tal forma considerado essencial que “um ambiente de vida
humano, sadio e ecologicamente equilibrado” viria a ser consagrado a nível
constitucional, não só no “nosso” artigo 66º da Constituição, como noutras
Constituições[3].
A tutela penal do ambiente surge pela primeira vez com o
Código Penal de 1995 que, pela primeira vez consagrou no sistema jurídico
português a incriminação dos crimes ecológicos puros.
Cabe deixar uma breve distinção conceptual entre crimes
ecológicos derivados e impuros e crimes ecológicos puros. Estes tutelam o
ambiente diretamente, ou seja, constitui o bem jurídico imediatamente protegido
pela incriminação; aqueles tutelam o ambiente de uma forma mediata, isto é, a
proibição incide sobre atos de lesão de elementos do ambiente natural, por
exemplo o caso do art. 280º do Código Penal em que o objeto da ação é a água, o
solo e o ar.
Esta neocriminalização[4] ocorrida em 1995 criou os
crimes de danos contra a natureza (art. 278º do Código Penal) e o crime de
poluição (art. 279º do Código Penal), considerados como crimes ecológicos
puros.
Foi a crescente consciencialização da degradação ambiental
por parte da comunidade que veio justificar a autonomização da tutela ambiental
em matéria penal. Acresce no entanto o facto de o legislador constitucional ter
configurado o direito ao ambiente como um direito fundamental autónomo[5] e também como direito
social e económico que reclama prestações positivas das autoridades estaduais
que legitima o “modelo constitucional de Estado de Direito Ambiental”.
O bem jurídico ambiente relevante para o direito penal adota
a conceção restritiva de ambiente e tem como objetos de proteção os componentes
ambientais naturais como a água, o solo, o ar, o som, a fauna e a flora e as
condições ambientais de desenvolvimento destas espécies.
Relativamente à necessidade de existir uma tutela do bem
jurídico ambiente por parte do Direito Penal convém não olvidar a função
orientadora de prevenção geral positiva do direito penal.
A legitimidade da intervenção penal justificar-se-ia pelo
facto de considerarmos que, sendo a Constituição da República Portuguesa a lei
suprema do nosso ordenamento jurídico, esta expressa o projeto que uma dada
comunidade pretende prosseguir, e assim sendo deve existir uma congruência ou
analogia entre os valores previstos na Constituição e os bens jurídicos
protegidos pelo direito penal.
No que respeita à “real” adequação, não obstante a
diversidade de opiniões doutrinárias, crescentemente favoráveis à intervenção
do Direito Penal, também o Conselho da Europa tem propugnado o uso deste
instrumento de prevenção como adequado à proteção do meio ambiente.
Por outro lado, há que ter em
conta que o Direito Penal é um ramo de direito subsidiário consistindo, ou
devendo consistir como última ratio da intervenção estadual na tutela dos
valores e interesses fundamentais (art. 18º nº2 da Constituição), uma vez que
recorre a sanções particularmente gravosas sob o ponto de vista dos direitos,
liberdades e garantias da pessoa.
Outra característica identificável
no Direito Penal “Clássico” é a natureza individual da sua responsabilidade que
impede a responsabilização das pessoas coletivas, uma vez que ainda que o
artigo 11º do Código Penal previsse a possibilidade de disposição em contrário,
a verdade é que ao nível do código a responsabilidade penal sempre foi
entendida como pessoal e individual. Esta era a maior fragilidade da tutela
penal do ambiente, principalmente tendo em conta que os maiores perigos e os
maiores danos para o ambiente decorrem da atividade de empresas.
Identificando a essencialidade
dos bens e a necessidade da sua proteção como “pedras angulares” da discussão em
torno da “real” adequação da tutela do Ambiente pelo Direito Penal convém desde
logo deixar claro que para considerar essencial ou necessário deve existir um
consenso social primário. A existência desse consenso social primário foi ideologicamente
sustentado pelo contrato social.
“Numa primeira fase,
restringiu-se, na medida da inspiração contratualista liberal, a tutela penal à
proteção dos direitos fundamentais. Numa segunda fase, o objeto da tutela penal
surgiu (objetivado) como bem jurídico. E, por essa via, se pôde transitar para
uma relação já não estritamente liberal entre o pressuposto acordo original e
os objetivos comunitários.[6]”
Tem-se no entanto, assumido como dominante, o ponto de vista
de que a intervenção penal é legitimada pelas razões fundamentais que
justificam a anuência voluntária na sobreposição da sociedade ao indivíduo.
A questão de que é possível criminalizar condutas lesivas do
ambiente parece mais que respondida. Levanta-se no entanto a questão (que
carece de maior desenvolvimento) de saber se a tutela criminal será
efetivamente o meio mais eficaz para reagir contra agressões ambientais. A este
respeito o Professor Doutor Vasco Pereira da Silva faz uma breve exposição
relativamente à maior adequação da tutela sancionatória do ambiente pela via
penal ou pela via administrativa.
Apresenta o Professor como argumentos (apresentados pela
doutrina) preferenciais a favor da via penal:
- a importância simbólica da existência de crimes ambientais,
que para além da maior “dignidade jurídica” atribuída à defesa do ambiente, ainda
atribui ao Direito penal uma função de “pedagogia social”;
- a maior intensidade da tutela ambiental, que poderá dar
origem não apenas a sanções pecuniárias mas também a penas privativas da
liberdade;
- a existência das garantias do processo penal (artigos 27º a
32º da Constituição).
Por outro lado, tudo o que tem vantagens pode apresentar
também desvantagens ou inconvenientes. Nesse prisma o Professor aponta como
argumentos (apresentados pela doutrina) os seguintes:
- a inadequação do Direito Penal para a tutela do Ambiente
uma vez que este se orienta sobretudo no sentido da repressão de comportamentos
anti-jurídicos graves;
- a existência no domínio do ilícito ambiental de numerosas
situações danosas provocadas pela atuação das pessoas coletivas, enquanto que
no Direito Penal “a imputação de responsabilidades é rigorosamente individual”
(ponto supra referido);
- o perigo de descaracterização e de subalternização do
Direito Penal, pois a maior parte dos crimes ambientais decorre da
desobediência às prescrições de autoridades administrativas;
- a ineficácia de um sistema sancionatório do ambiente de
tipo penal, dada a dificuldade prática em “apanhar” e em “condenar” os “criminosos
do ambiente”.
Há, escusado será dizer, defensores de uma tutela
sancionatória pela via administrativa que apresentam como vantagens as
seguintes:
- a maior celeridade e eficácia na punição do infrator
ambiental, que decorre da simplicidade do procedimento administrativo e que
permite a prontidão da resposta punitiva ao delito cometido;
- permite a responsabilização não apenas dos indivíduos mas
também das pessoas coletivas;
- salvaguarda a autonomia do Direito Penal, que não necessita
de estar mais subalternizado às estatuições das autoridades administrativas.
Do lado passivo, contra a tutela pela via administrativa são alegados
os seguintes inconvenientes:
- a diminuição das garantias de defesa dos particulares;
- a tendência para a “banalização” das atuações delituais em
matéria de ambiente, que se remetem basicamente para sanções de natureza
pecuniária;
- a tendência para a transformação da sanção pecuniária num
simples “custo” da atividade económica poluente.
Fazendo um balanço dos prós e contras torna-se difícil
assumir uma posição por uma das vias, uma vez que ambas as “correntes”
defensoras das diferentes vias demonstram argumentos válidos.
Salvo melhor opinião, acompanho o Professor Vasco Pereira da
Silva na “mistura” de ambas as vias, não se devendo adotar uma visão exclusivamente
penal ou administrativa. A “mistura” de ambas as vias justifica-se pelo facto
de não se dever dispensar a criminalização das condutas mais graves de lesão do
ambiente, não se devendo o entanto cair na banalização do Direito Penal do
Ambiente, devendo o modo “normal” de reação contra delitos ambientais ser feito
pelo recurso a sanções administrativas ou contra-ordenacionais.
Rodrigo Figueiredo Rocha
nº 18386
Subturma 2
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Bibliografia
- CANOTILHO, J.J.
Gomes, “Introdução ao Direito do Ambiente”
- FARIA, Paula Ribeiro de, “Do Direito Penal do Ambiente e da sua
Reforma”
- PALMA, Maria
Fernanda, “Direito Penal do Ambiente - Uma primeira abordagem”
- SILVA,
Germano Marques da, “A tutela penal do ambiente (ensaio introdutório)”
- SILVA, Vasco
Pereira da, “Verde Cor de Direito - Lições de Direito do Ambiente”, 2002,
Almedina
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Nota: Escrito
ao abrigo do novo acordo ortográfico.
[1] Questão nº4 do ponto XVI
(Direito Sancionatório do Ambiente) dos exercícios do Doutor José Duarte
Coimbra
[2] “Ecologia”, ODUM, Eugene
P., Rio de Janeiro, 1983 apud “A tutela penal do ambiente”, SILVA, Germano
Marques da
[3]
Constituições Grega de 1975, Espanhola de 1978 e Brasileira de 1988.
[4]
Qualificação como crime de uma conduta até aí vista como não criminosa
[5]
Segundo posição do Professor Gomes Canotilho
[6]
PALMA, Maria Fernanda, “Direito Penal do Ambiente - Uma primeira abordagem”
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