26 de maio de 2014

A "Licença Ambiental"...um bicho de natureza incerta

Cabe aqui analisar sem hesitações uma das matérias que ainda coloca um “ponto de interrogação” na doutrina e na jurisprudência nacional: a Natureza jurídica da licença ambiental. Na ausência de meticulosidade legislativa na caracterização da licença ambiental, compete fazer a seguinte pergunta: O que é isto, de licença Ambiental? É um acto administrativo ou um mero parecer ou informação? Vejamos o que podemos dizer nos capítulos seguintes.
Primeiramente cabe dizer, que o licenciamento industrial gera uma multiplicidade de relações jurídico - administrativas, não se cingindo ao particular e à Administração, alargando-se também a todos os terceiros afectados (veja-se o caso de vizinhos que são lesados nos seus direitos com a instalação de uma fábrica têxtil junto de suas residências). A licença é assim um acto com eficácia múltipla , surgindo no âmbito de um Estado Pós-Social.
O DL nº.127/2013, de 30 de Agosto, no seu art.3º. define a licença como “decisão que visa garantir a preservação e o controlo integrados da poluição (…) estabelecendo as medidas destinadas a evitar, ou se tal não for possível, a reduzir as emissões para o ar, água e solo, a produção de resíduos e a poluição sonora, constituindo condição necessária da exploração dessas instalações”. De acordo com esta definição, parece, que se está a chegar a uma definição de parecer vinculativo, visto que o particular requerente da licença (chamado de operador), teria,apenas, que conformar a seu comportamento com os ditames deste procedimento que tem o objectivo último de prevenção e/ou minimização do risco gerado por actividades profissionais potencialmente nefastas para o meio ambiente. Tenha-se em atenção que esta atitude preventiva não é uma atitude nova, pois já vinha prevista no art.127/1 h) 1ª parte Lei de Bases do Ambiente (Lei nº.11/87, de 7 de Abril).
No entanto, não faz sentido tal entendimento, sob pena de perda de utilidade de conteúdo da licença ambiental. Este acto tem todos os componentes necessários para a sua caracterização como acto administrativo, nos termos do art.120º. do Código do Procedimento Administrativo. Nas palavras do Senhor Professor Figueiredo Dias, tal licença consubstancia-se numa “decisão ou uma estatuição autoritária, na medida em que a Administração está a ditar unilateralmente o direito no uso dos seus poderes de supremacia relativamente ao destinatário directo da decisão administrativa”[1]. Por conseguinte, essa decisão, praticada por um sujeito administrativo, incide sobre uma situação individual e concreta e produz, evidentemente, efeitos jurídicos, quer positivos (na perspectiva que a licença concedida dá ao operador possibilidade de exploração da instalação, nos termos do art.11º. DL 127/2013), quer negativos (dado que o operador está sujeito a determinadas obrigações, segundo o art.7º. DL 127/2013). Assim, a não emissão da licença que foi solicitada não produz os efeitos jurídicos requeridos pelo particular operador, lesando os seus direitos e interesses legítimos, pelo que este merece a tutela constitucional presente no art.268º./4 CRP.
Concluindo, finalmente, pela consideração da licença como um acto administrativo, temos dois problemas a resolver:
1)      Saber se estamos perante um acto administrativo autorizativo constitutivo de direitos ou apenas perante um acto permissivo no exercício de direitos já existentes mas “congelados” na esfera do particular
Uma licença que tenha o conteúdo de autorização constitutiva, permite ao particular exercer uma actividade ou direito que em princípio era proibido pelo direito. Se dermos à licença ambiental um conteúdo de permissão, estamos a querer dizer que o particular já tem o direito na sua esfera jurídica mas não pode exercê-lo em virtude de impedimentos vários colocados pela Administração pública.
O Senhor Professor Freitas do Amaral conclui assim que a licença seria um acto administrativo autorizativo de conteúdo permissivo, pois permite a adopção de um comportamento ou outra qualquer actuação privada que era vedada, sendo que esse “direito de actuar” seria pré-existente ou primário e não um direito que fora atribuído depois da emissão da respectiva licença. Para sustentar esta teoria o Senhor Professor diz que existe permissão e não criação do direito pois existe um regime de caducidade no diploma que rege a licença ambiental, havendo, assim, a queda de um prazo durante o qual o acto poderia vigorar (art.22º. DL nº.127/2013).
Com todo o devido o devido respeito, não podemos sufragar a opinião do Senhor Professor Freitas do Amaral, dado que, a nosso ver, não existe um direito na esfera do particular à “espera de confirmação”. Estamos sim perante um acto administrativo “criador de direitos, mas também de deveres e encargos para o seu titular, integrando-se numa relação jurídica duradoura, no qual existem direitos e deveres recíprocos da Administração e dos particulares”[2]. Com o nascimento desse direito no particular, a competente emissão da licença limitará as actividades económicas exercidas pelo particular (neste caso centremo-nos no licenciamento industrial), por forma a coordenar esse exercício com o interesse difuso (meio ambiente), que goza de protecção constitucional no art.66º CRP. Por outras palavras “há liberdade de actuação (…) para a prossecução de actividades privadas dentro de certos limites, mais ou menos apertados, em atenção à conciliação de interesses públicos e privados”[3].

2)      Saber se estamos perante um acto prévio ou acto final
As decisões ou actos prévios podem definir-se como actos que contém uma deliberação final sobre questões isoladas das quais depende a atribuição da autorização legal. Ora a partir desta definição, e da aceitação das opiniões dos Senhores Professores Vasco Pereira da Silva e José Figueiredo Dias, rapidamente concluímos que a licença ambiental terá que ter obrigatoriamente esse conteúdo prévio, visto que o particular não poderá exercer imediatamente o direito em causa, tendo por base, somente, o acto permissivo ou criador de direitos da licença. Aliás, através da licença só estão preenchidos os requisitos para a instalação. Exemplificando: O pedido de licença ambiental é indeferido, se houver declaração de impacto Ambiental desfavorável (art.40º./6 a) DL nº.127/2013). Ora se a licença está dependente de DIA favorável, verificamos que só o primeiro acto não chega para o procedimento administrativo de instalação e exploração finalizar (estamos aqui perante o que também se chama de acto administrativo parcial). Neste sentido esta falta de "definitividade" faz com que com que a doutrina reconduza este tipo de acto na definição de acto precário. Um acto precário será assim um acto que segundo Filipa Urbano Calvão "estabelece a regulação de uma situação individual e concreta, com efeitos jurídicos externos, salvaguardando, porém, o poder de definir com conteúdo diferente aquela situação, sempre que o interesse público o reclame". É num fundo um bicho limitado a um acto final...um bicho sem existência autónoma!
Sem mais nada a dizer sobre esta criatura de natureza incerta, espero que o meu texto sirva para o Dr. José Coimbra ter 16 razões para gostar do tema abordado.


Para além das referências bibliográficas indicadas em nota de rodapé, ainda foram consultadas:

  • Alexandra Aragão, A PCIP: Alguns Aspectos Jurídico-Administrativos, in revista do CEDOUA, 8, ano IV, 2001
  • Raquel Carvalho, O Novo Regime da Licença Ambiental, in O Direito, ano 141, III, 2009
  • Carla Amado Gomes, O Procedimento de Licenciamento Ambiental Revisitado, in Estudos de Direito Do Ambiente e de Direito do Urbanismo, e-book, Lisboa, ICJP, 2010
  • Filipa Urbano Calvão, Os Actos Precários e os Actos Provisórios no Direito Administrativo: sua natureza e admissibilidade. As garantias do particular. Universidade Católica Portuguesa, 1998






[1] José Eduardo Figueiredo Dias, A licença Ambiental no Novo Regime da PCIP, in revista da CEDOUA, 7, ano IV, 2001, pág.6
[2] Vasco Pereira da Silva, Verde Cor do Direito, Lições de Direito do Ambiente, Almedina, 2002, pág.207
[3] Carla Amado Gomes, A Prevenção à Prova no Direito do Ambiente”, Coimbra editora,200,p.71

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