31 de maio de 2014

Contratos de Adaptação Ambiental - Eficiência vs Principio da Legalidade

     Os contratos de adaptação ambiental surgiram devido à percepção pela Administração Pública, da necessidade de criar mecanismos alternativos às políticas imperativas e sancionatórias que pretendem responsabilizar, tanto legal como socialmente, as entidades que não respeitam a legislação ambiental e os objectivos estipulados para combater a degradação do ambiente e prosseguir o interesse público, visto que, as políticas ambientais e os objectivos estipulados se têm tornado cada vez mais exigentes, acarretando por isso incumprimento por parte das empresas mais poluentes.
Assim, os contratos de adaptação ambiental surgiram como uma alternativa à via punitiva e sancionatória visto que se concluiu que não é a mais aconselhável para atingir os objectivos estipulados, dado que no geral considera-se que, os acordos entre as partes são preferíveis à utilização de procedimentos sancionatórios, pois a participação dos suspeitos faz deles cúmplices, o que parece mais eficaz do que a sua repressão.
   
     Estes contratos encontram-se regulados no Decreto-Lei n 236/98, de 1 de Agosto, que tal como indica o seu artigo 1º, "estabelece normas, critérios e objectivos de qualidade com a finalidade de proteger o meio aquático e melhorar a qualidade das águas em função dos seus principais usos".
O artigo 78º/1 legítima a celebração destes contratos para adaptação à legislação ambiental e redução da poluição causada pela descarga de águas residuais no meio aquático e no solo, sendo que o objectivo é a concessão de um prazo e a fixação de um calendário, a cumprir pelas empresas aderentes, artigo 78º/3.
Desta forma, podemos concluir que estes contratos são no fundo um plano, um compromisso estabelecido entre a Administração Pública e as empresas potencialmente causadoras de impactos negativos no ambiente, por se relacionarem a sectores poluentes, e permitem que as empresas aderentes fiquem à margem dos referenciais de fiscalização das disposições legais sobre as matérias ambientais que são reguladas contratualmente, conferindo às empresas prazos mais flexíveis para se adaptarem às estipulações legais, evitando assim que sofram as sanções legais previstas. Estabelece-se assim um regime mais flexível que permite uma adaptação progressiva às exigências ambientais.
   
     Assim, podemos perceber que os contratos de adaptação ambiental, uma vez que permitem derrogar o regime legal estabelecido, através de negociações das partes, põem em causa um dos princípios mais importantes, o princípio da legalidade, contrariando o artigo 112º/6 da Constituição da República Portuguesa.
Nesta medida, deparamos-nos com um confronto entre a necessidade de a Administração Pública criar mecanismos para garantir a prossecução do interesse público, ou seja, entre a eficiência da actuação da Administração no que respeita às políticas ambientais e, os princípios da legalidade e da tipicidade das formas de lei.
   
     Contudo, analisando o artigo 112º/6, podemos concluir que tem por objectivo evitar o desrespeito da hierarquia dos actos normativos, pelo que os contratos de adaptação ambiental são admissíveis desde que não configurem um caso de fraude à lei e, para que tal não aconteça, estes contratos têm que ser uma forma de concretização da lei, não podendo por isso surgir de uma norma em branco e não podendo contrariar os princípios fundamentais que regem a actividade administrativa.
   
     Desta forma, considero que devem ser admitidos os contratos de adaptação ambiental visto que não põem em causa o principio da legalidade, antes pelo contrário, pois são uma alternativa que pretende garantir o cumprimento da legislação ambiental, sendo normal que a Administração tenha uma margem de autonomia e discricionariedade para saber quais os meios que melhor permitem garantir a eficácia na realização dos objectivos ambientais e do interesse público.
     Estes contratos não servem para as empresas aderentes obterem vantagens, no sentido de ocultarem incumprimentos, mas sim para prosseguir um desenvolvimento sustentável e garantir a protecção do ambiente, reconhecido hoje como um bem em si mesmo, pelo que as empresas devem assegurar que os seus processos produtivos respeitam a legislação ambiental, com redução na emissão de gases poluentes.











Bibliografia:
-ESTORNINHO, Maria João, Green Public Procuremente. Para uma Contratação Pública Sustentável, Lisboa, ICJP;
-GOMES, Carla Amado, Introdução ao Direito do Ambiente, Lisboa, AAFDL, 2012;
-MAÇÃS, Maria Fernanda, Os Acordos Sectoriais como um Instrumento da Política Ambiental, in
Revista do CEDOUA, 5, ano III, 2000;
-SILVA, Vasco Pereira da, Verde Cor de Direito - Lições de Direito do Ambiente, Coimbra, Almedina, 2002



Legislação:
-Constituição da República Portuguesa;
-Decreto-Lei N. 236/98, de 1 de Agosto

OS PLANOS DE ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO – A SUA RELEVÂNCIA PARA O AMBIENTE

A escolha deste tema não foi feita ao acaso, vejo nos Planos de Ordenamento do Território uma forma de proteger e salvaguardar a costa Algarvia para que continue a ser apreciada pelas gerações futuras tanto quanto é apreciada agora. Em especial, os Planos de Ordenamento da Orla Costeira servem para proteger as praias que turistas frequentam todos os anos na época balnear e que são das praias mais bonitas do mundo.
Praia da Rocha
Existe uma discussão relativa à natureza jurídica dos planos de ordenamento do território, se os mesmos se reconduzem a actos atípicos ou se são verdadeiros regulamentos administrativos, mas não vamos entrar nela.
O art. 22º da nova Lei de Bases do Ambiente (nLBA) inclui estes planos nos instrumentos de planeamento no âmbito da política de ambiente e desenvolvimento sustentável.
Por sua vez, a actuação pública em matéria do ambiente encontra-se subordinada ao princípio do desenvolvimento sustentável que obriga a um ordenamento racional e equilibrado do território, tendo por objectivo o combate às assimetrias regionais e a coesão territorial.[1]

O sistema português de ordenamento do território

O nosso sistema encontra-se estruturado pela Lei 48/98 de 11 de Agosto – Lei de Bases da Política de Ordenamento do Território e Urbanismo (LBPOTU) e pelo DL 380/99 de 22 de Setembro que aprovou o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT).
A actual estrutura tem em consideração o critério dos interesses prosseguidos pelos respectivos instrumentos de gestão territorial. Encontramos instrumentos em três níveis distintos – nacional, regional e municipal, por sua vez estes instrumentos interagem coordenadamente:
·         A nível nacional encontramos o Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território, os Planos Especiais de Ordenamento do Território e os Planos Sectoriais;
·         A nível regional temos os Planos Regionais de Ordenamento do Território;
·         A nível municipal encontramos Planos Intermunicipais e Planos Municipais – O Plano Director Municipal (PDM), os Planos de Pormenor (PP) e os Planos de Urbanismo (PU).
Debruçando-nos especialmente nos Planos Especiais de Ordenamento do Território e nos Planos Municipais, é relevante referir que em comum estes planos têm a natureza regulamentar[2], uma vez que as suas normas, por força do artigo 42º do RJIGT, fixam parâmetros concretos de uso dos solos. Partilham igualmente estes planos de natureza vinculativa, quer para entidades públicas quer privadas, por força do artigo 11º da LBPOTU e do artigo 3º n.º2 do RJIGT.
Por sua vez, os Planos Especiais abrangem, a título exemplificativo, os Planos de Ordenamento de Albufeiras de Águas Públicas, os já referidos Planos de Ordenamento da Orla Costeira, os Planos de Ordenamento de Áreas Protegidas entre outros.
Contudo, são os Planos Municipais os principais responsáveis pela fixação de regras de ocupação, uso e transformação dos solos  - ou seja, classificam e qualificam os solos. Dentro dos Planos Municipais de Ordenamento do Território encontramos o Plano Director Municipal (PDM) que é um plano de elaboração obrigatória e que abrange todo o território municipal e no qual se estabelece a estratégia de desenvolvimento territorial. Encontramos ainda o Plano de Urbanização (PU), que estuda uma determinada área do território municipal na sequência do PDM, e o Plano Pormenor (PP) que concretiza as propostas de ocupação resultantes do PDM. O Plano Pormenor pode ser de três modalidades diferentes:
·         Plano de Intervenção no Espaço Rural;
·         Plano de Pormenor de Reabilitação Urbana;
·         Plano de Pormenor de Salvaguarda.
Os Planos de Pormenor no direito Alemão encontram-se sujeitos a Avaliação de Impacte Ambiental (AIA), o mesmo não sucede no nosso ordenamento, no qual a AIA só abrange projectos de obras. Podemos é ter este plano sujeito a Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) – de que falaremos adiante.
Os planos especiais de regras de uso de solos funcionam por sua vez como regimes de salvaguarda, ou seja, são um meio supletivo de intervenção por parte do Governo. Prosseguem objectivos de interesse nacional que não se encontram assegurados pelos Planos Municipais de Ordenamento do Território vigentes na mesma zona, como se retira do art. 8º alínea d) da LBPOTU e artigo 43º do RJIGT.  Estes planos visam igualmente a permanência dos sistemas indispensáveis à utilização sustentável do território por força do artigo 42º n.º2 do RJIGT. Nas áreas protegidas tem de existir obrigatóriamente um Plano Especial sob pena de perda de classificação.
Uma vez que sobre a mesma área territorial poderem vigorar vários instrumentos de planeamento da responsabilidade de distintos Sectores da Administração Pública pode haver uma frustação do fim que se pretende alcançar com os Planos em causa – i.e. uma eficaz política de ordenamento do território. O legislador, tendo em conta esta possibilidade, dá superioridade hierárquica aos Planos Especiais em relação aos Planos Municipais. Nos termos do art. 20º do RJIGT a regra é a de incumbe ao Estado e autarquias locais o dever de coordenação das respectivas intervenções em matéria de gestão territorial, por este motivo existe necessidade de articulação dos vários níveis da Administração entre si no exercício das suas atribuições para que a ocupação do território seja racional. Dulce Lopes afirma que esta imposição de coordenação se reflete a vários níveis “desde a obrigação de ponderação de todos os planos em vigor ou em elaboração para a área de intervenção de um plano especial ou de um plano municipal, até à integração ao nível do acompanhamento dos planos e, se justificado, da concertação de interesses que aqueles convocam, de representantes dos munícipios ou das entidades responsáveis pela elaboração dos planos especiais respectivamente nos procedimentos de elaboração dos planos especiais ou dos planos municipais de ordenamento do território”[3]

A sujeição dos Planos a AAE

Os Planos de Ordenamento do Território podem ainda ser sujeitos a AAE, no entanto a legislação nacional não inclui uma lista dos planos para os quais a AAE é obrigatória, sem prejuízo de conter regras para determinar que planos se subsumem ao seu âmbito de aplicação.
A AAE  é obrigatória para os Planos Especiais de Ordenamento do Território, para os Planos Regionais de Ordenamento do Território e para os PDM. Os restantes planos podem ou não ser sujeitos a AAE. O que determina a sua sujeição são os critérios de determinação da probabilidade de efeitos significativos no Ambiente que se encontram no Anexo do DL n.º 232/2007 de 15 de Junho.

Os Planos de Ordenamento da Orla Costeira

Os Planos de Ordenamento da Orla Costeira (POOC) são um instrumento que visa a melhoria,  a valorização e a gestão dos recursos presentes no litoral. Os POOC definem regimes de salvaguarda, protecção e gestão e articulam e compatibilizam os regimes e medidas postulados noutros instrumentos de gestão territorial e instrumentos de planeamento das águas.
O objecto dos POOC é composto pelas águas marítimas, costeiras e interiores, e os seus respetivos leitos e margens. Os POOC cobrem uma faixa ao longo do litoral designada por zona terrestre de protecção e uma faixa marítima de protecção, com a excepção das áreas sob jurisdição portuária. [4]
Zona Costeira e Orla Costeira abrangida pelo POOC

A articulação dos Planos

Como já foi referido a sobreposição de instrumentos de planeamento numa mesma área pode por em causa o planeamento eficiente, o que se pode traduzir na prática e no caso concreto em dificuldades por parte dos particulares e da administração a desenvolver empreendimentos, e ainda mais empreendimentos “amigos” do Ambiente. Para exemplificar temos o caso das arribas da Praia da Rocha. Estas arribas e a construção sobre as mesmas são reguladas por várias entidades e estão contempladas em vários planos de ordenamento de território.
O INSTITUTO DA ÁGUA, I. P., (INAG), é um organismo central com jurisdição sobre todo o território nacional. O INAG é a Autoridade Nacional da Água e tem por missão propor, acompanhar e assegurar a execução da política nacional no domínio dos recursos hídricos de forma a manter a sua gestão sustentável, bem como garantir a efetiva aplicação da Lei da Água,  sendo uma das entidades administrantes do Domínio Público Hídrico. Regula ainda as condições e edificabilidade sobre a arriba. O Plano de Ordenamento da Orla Costeira (POOC) é também da responsabilidade do INAG. O troço em questão encontra-se no POOC de Burgau-Vilamoura (POOCBV) (INAG, 2011b).[5]
Portugal aderiu à gestão integrada da zona costeira na Europa, que pretende uma zona costeira desenvolvida e sustentável. Os princípios gerais estão estabelecidos na Estratégia Nacional para a Gestão Integrada da Zona Costeira (ENGIZC)[6], sendo da responsabilidade do INAG a execução destas opções estratégicas.
No âmbito do Plano de Ação da Estratégia Nacional para o Mar (ENM. 2006) foi aprovado o Planeamento e Ordenamento do Espaço Marítimo, tendo sido determinada a elaboração do Plano de Ordenamento do Espaço Marítimo (POEM). Este plano sectorial pretende identificar os usos e atividades presentes e futuras, numa perspetiva articulada com a ENGIZC. O INAG foi responsável pela constituição da equipa multidisciplinar, que pretendia consubstanciar três princípios sectoriais: desenvolvimento sustentável; prevenção e precaução; abordagem ecossistémica. O POEM deveria ter sido concluído em 2009 embora a fase de discussão pública tenha terminado apenas em fevereiro de 2011.
A Capitania do Porto de Portimão, órgão de autoridade marítima, é responsável por fazer cumprir as leis e os regulamentos marítimo-portuários, sobretudo no que diz respeito à segurança da navegação. A Capitania tem trabalhado em colaboração com a Administração da Região hidrográfica (ARH) do Algarve, no desmonte das arribas que apresentem instabilidade, podendo estar em risco de queda.
A ARH Algarve é o órgão regional responsável pela administração das arribas do concelho de Portimão. Procede à colocação de placas informativas de risco de desmoronamento sempre que a que a instabilidade das arribas o justifique. Procede à monitorização e identificação das faixas de risco das arribas.
A Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR), é um serviço periférico da administração direta do Estado, no âmbito do Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, dotada de autonomia administrativa e financeira. A CCDR é o mais abrangente organismo da administração desconcentrada do Estado, qualquer construção sobre as arribas terá que ter a aprovação deste organismo. Promove a integração entre o desenvolvimento regional e local, o ordenamento do território e o ambiente. A CCDR é responsável pelo Plano Regional de Ordenamento do Território do Algarve (PROT Algarve). Este pretende estabelecer o Algarve como uma região dinâmica, competitiva e solidária, no contexto da sociedade do conhecimento.
Um exemplo prático de como podem funcionar em colaboração algumas destas entidades, ocorreu em 2006, quando se implementou o projeto de requalificação da Praia da Rocha, com a construção de um passadiço sobre-elevado de madeira, com 2,4 km de comprimento e 5m de largura. Sob o passadiço assente em estacaria passa a areia e vento.
Este foi construído desde o Miradouro dos Três Castelos (a poente) e o limite da área de jurisdição portuária (a nascente). Teve como objetivo o aumento das condições para os utilizadores da praia, o grau de segurança em matéria de saúde pública e conservação da natureza, nomeadamente do areal.
Por intermédio do POOCBV procedeu-se a uma colaboração entre a CCDR Algarve, a Câmara Municipal de Portimão, o Instituto Portuário e dos Transportes Marítimos (IPTM), a Capitania do Porto de Portimão e a nível técnico da Empresa Municipal de Águas e Resíduos de Portimão (EMARP).                                                                             
A elaboração das orientações estratégicas de âmbito nacional e regional é cometida à Comissão Nacional da Rede Ecológica Nacional (CNREN) e às comissões de coordenação e desenvolvimento regional (CCDR), em colaboração com as administrações das regiões hidrográficas. A rede ecológica nacional, conforme previsto no Decreto-Lei n.º 166/2008, é uma estrutura biofísica que integra o conjunto das áreas que, pelo valor e sensibilidade ecológicos ou pela exposição e suscetibilidade perante riscos naturais, são objeto de proteção especial, onde se enquadram as arribas. As propostas de delimitação REN são cometidas às câmaras municipais, podendo estas estabelecer parcerias com as CCDR, para se definirem, por exemplo, formas de colaboração técnica. A CNREN funciona na dependência do membro do Governo responsável pelas áreas do ambiente e do ordenamento do território, e pode ser chamada para dirimir diferendos entre as câmaras municipais e as CCDR.
As arribas e falésias e suas faixas de proteção integram a REN, art. 13.º do Regulamento do Plano Diretor Municipal de Portimão (PDM Portimão, 2007). A destruição das arribas implica o recuo da costa e como tal os responsáveis autárquicos devem proteger este recurso não renovável. É necessário que o PDM de Portimão e o Plano de Pormenor (PP) em vigor protejam as arribas, e ainda que os responsáveis autárquicos pensem a longo prazo e não de acordo com os interesses económicos imediatos.
O POOCBV apesar de visar a não expansão da urbanização nas zonas da orla costeira, não tem conseguido impedir a densificação da construção junto à orla costeira, nomeadamente na praia da Rocha. Apesar do POOCBV prevalecer sobre o PDM de Portimão, verifica-se que este último tem entregue, para construção, zonas primariamente protegidas. Conseguiu assim aumentar exponencialmente as receitas e os lucros da autarquia local (através do Imposto Municipal Imobiliário), assim como o lucro das empresas de construção civil, dos empreendimentos turísticos e dos promotores imobiliários.
A existência destes inúmeros instrumentos de gestão territorial e entidades reguladoras, de certo modo esbate as orientações ENGIZC, assim como torna os processos muito morosos.
Outro exemplo é ainda o do processo de licenciamento do edifício de habitação, comércio e serviços, na marginal da Praia da Rocha - “Casa da Praia” construído sobre a falésia.

Edífício "Casa da Praia"
Este edifício é constituído por 13 pisos, três abaixo da cota de soleira e 10 acima da mesma, com uma altura de cerca de 33 m acima do solo. Tem duas caves destinadas a 30 garagens, rés-do-chão comercial com 19 lojas e um espaço para recepção/portaria da zona habitacional e os restantes 9 pisos habitacionais de tipologia T1 (16), T2 (34) e T3 (2).
A Empresa de Engenharia e Construção ATL, proprietária do lote n.º 1 de alvará n.º1/92, obteve o licenciamento da obra em Abril de 2000 para construir na Avenida Tomás Cabreira, zona incluída na faixa de protecção das arribas, pelo que houve a necessidade de intervenção de um Plano Especial de Ordenamento do Território - o Plano de Ordenamento da Orla Costeira (POOC) referente à zona Burgau – Vilamoura, para além do Plano Director Municipal (PDM) do Município de Portimão.
O projecto de arquitectura do edifício foi submetido à aprovação da Câmara Municipal de Portimão (CMP) em Abril de 2000, tendo sido verificado no PDM que a área de implantação do edifício correspondia a uma zona de expansão urbana, dentro do perímetro urbano do município em espaço urbanizável, zona Z4. Na planta de condicionantes do PDM o lote em questão não estava abrangido por qualquer espécie de condicionante cartografada. O diploma legal que enquadra a elaboração do PDM regido na altura era Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro.
Como o alvará de loteamento da “Casa da Praia” foi emitido em data posterior à entrada em vigor do Plano Regional de Ordenamento do Território do Algarve (PROTAL), as directrizes deste plano já estavam incluídas no PDM, e não foi levantado qualquer óbice quanto à integração de parte do terreno em zonas do Domínio Público Marítimo, tendo sido para o efeito consultado o Plano de Ordenamento do Espaço Marítimo (POEM).
Os serviços da CMP enviaram o processo à Direcção Regional do Ambiente do Algarve (DRAA) actual Direcção Regional do Ambiente e Ordenamento do Território do Algarve (DRAOTA) devido a localização do edifício ser a cerca de 30-50 m da crista da arriba. Foi consultado o POOC que regula as faixas de protecção terrestre, concretizado na altura pela Decreto-Lei n.º380/99, e esta Direcção Regional não deu deferimento ao pedido.
A construtora ATL, contestou a decisão da DRAA por considerar que apesar de estar sobre a falésia, nas plantas de síntese e de condicionantes do POOC, no caso deste lote por se encontrarem fora da zona de intervenção desta Direcção Regional. Os argumentos consubstanciavam-se no facto da Praia da Rocha ter sido sujeita a uma alimentação artificial, o que aumentou consideravelmente a distância do mar à falésia. Este argumento pretendia provar que a planta de condicionantes do PDM do lote se situa fora da zona delimitada pelo Domínio Público Marítimo, com base no disposto no artigo 6.º do Decreto-Lei 468/71 , relativamente ao recuo das águas.
Nos anos 60 a Praia da Rocha foi submetida ao maior enchimento com areia artificial registado no Algarve até aos dias de hoje, cerca de 900 mil m3 de areia, o que fez com que ocorresse o recuo da água do mar, tendo a margem uma largura muito superior a 50 m. A margem termina quando o terreno deixa de ter a natureza de praia, ou seja, acaba quando começam as falésias, pelo que a ATL considerou que o prédio não está integrado no DPM, face ao que dispõe o Decreto-lei acima referido.
Como a faixa com 50 m definida pela linha máxima de praia–mar de águas vivas equinociais segundo o Decreto-Lei 468/71, artigos 1,2 e 3,  dista cerca de 110 m do limite do lote, concluiu-se que a linha que limita o Domínio Público Marítimo está a cerca de  60 m do limite do lote. A linha máxima limite não atinge o alcantil.
Margens com Arribas alcantiladas retirada dos Conceitos e Normas do INAG

A ATL solicitou que fosse novamente verificada a localização do edifício proposto, nas várias plantas que fazem parte integrante dos planos de incidência no PDM e POOC, tendo em conta o acima exposto, e desta vez a DRAOTA deu deferimento ao pedido mas com medidas de protecção.
O regulamento do POOC prevê para a zona em questão uma faixa de risco máxima de protecção de 25 m, e uma faixa suplementar de protecção de 25 m, o que implica que quando se quer construir em qualquer das faixas, é obrigatória a apresentação de comprovativo das condições de segurança exigíveis, definidas através de estudos específicos e de projectos aprovados. De acordo com o artigo 68º do Regulamento do POOC, nos espaços urbanos ou urbanizáveis localizados no domínio público marítimo só são permitidas construções se integradas em conjuntos de edificações existentes e desde que a altura total do edifício não ultrapasse a altura dominante do conjunto e não tenha uma extensão superior a 20 m.
A CMP solicitou um estudo geológico/geotécnico de impacte de construção do edifício na estabilidade da arriba (pesquisa exaustiva de cavidades cársicas, condições de resistência do maciço face às sobrecargas decorrentes da construção do edifício, risco decorrente da geodinâmica da arriba). Este estudo provou que não existia qualquer inconveniente na viabilização da construção, pelo que se assegurou que estavam reunidas as condições de segurança, desde que o projecto de estruturas incluísse fundações do tipo ensoleiramento geral face à carsificação já existente na falésia, pelo que a construção foi iniciada em 2001, sendo atribuído o alvará de utilização em Julho de 2003.
A construtora ATL utilizou os instrumentos de gestão territorial de modo a conseguir construir, e para isso recorreu aos conceitos vinculativos do INAG, enquanto a CMP cumpriu com o POOC e o POEM, legislação em vigor, assegurando assim as normas de segurança.
Resta sublinhar o empenho da equipa da construtora ATL para conseguir a implantação do edifício, que prima pela qualidade dos materiais utilizados, especialmente brecha do Algarve nas fachadas, sendo um dos edifícios mais bem conseguidos da marginal da Praia da Rocha.

Conclusão

Ainda que com o planeamento do território se pretenda salvaguardar o ambiente, o sistema de que dispomos ainda levanta alguns entraves a uma gestão territorial eficiente e ambientalmente orientada. Talvez o problema não seja a falta de instrumentos de protecção e salvaguarda do ambiente, mas a falta de articulação entre estes e a simplificação dos mesmos.

Bibliografia

PARTIDÁRIO, Maria do Rosário. (1999). Introdução ao Ordenamento do Território. Lisboa. Universidade Aberta.

Cláudia Alexandra Godinho Mager n.18077


[1] Como se pode retirar do art. 3º da nLBA.
[2] ALTE, Tiago Sousa d’/RAIMUNDO, Miguel Assis, O Regime de Avaliação Ambiental de Planos e Programas e a sua Integração no Edifício da Avaliação Ambiental, in RJUA, n.º 29/30, 2008, pp. 125-156;
[3] LOPES, Dulce Planos Especiais de Ordenamento do Território: regime e experiência portugueses em matéria de coordenação, execução e perequação, in Revista do CEDOUA, 17, ano IX, 2006, pp. 83-93;
[4] Fonte: APA consultado em 20-05-2014 <http://www.apambiente.pt/index.php?ref=16&subref=7&sub2ref=10&sub3ref=94>
[5] Fonte: INAG consultado em 20-05-2014 <http://portaldaagua.inag.pt/PT/Pages/Default.aspx>
[6] Aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 82/2009

Sistema de Certificação Energética de Edifícios - Uma compra, dois tetos

     É de conhecimento geral, ou pelo menos deveria ser, que a camada do ozono tem vindo a ser brutalmente afetada devido aos níveis de poluição que se têm vindo a verificar. Desta forma, uma vez que é esta a camada que nos protege dos raios solares mais fortes e que, por sua vez, permite que exista vida na terra, a sua proteção é cada vez mais importante para toda a humanidade.
Por conseguinte, é relevante referir que, de forma lógica, foi com a revolução industrial (datada de 1760 em Inglaterra) que se começaram a observar alterações mais significativas na nossa biosfera, tendo sido criada em 1992 uma Convenção-Quadro que promovia Convenções das Partes para reunião e debate sobre o futuro da nossa atmosfera.

Dai em diante, a tutela ambiental tem vindo a intensificar-se, sendo que a Convenção das Partes de Quioto, no Japão (1997), que criou o Protocolo de Quioto para a redução das emissões de gases de efeito de estufa (de 5% a 8% relativamente aos níveis de 1990), prevendo sanções para quem pudesse ocorrer em incumprimento, é sem dúvida considerada como a mais importante.

Contudo, existem atualmente outros meios de combate à poluição, sendo que o Sistema de Certificação Energética de Edifícios é um outro meio, já bem distanciado da Convenção de Quioto, uma vez que a sua regulação consta do atual Decreto-Lei nº118/2013, uma vez que, como é sabido os edifícios concentram uma parte muito significativa do gasto de energia, que é aí consumida através da utilização de variados aparelhos eléctricos, gerando gases de efeito de estufa.
Este Decreto-Lei deriva da diretiva n.º 2002/91/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativa ao desempenho energético dos edifícios, que foi transposta para o ordenamento jurídico nacional através do Decreto-Lei n.º 78/2006, de 4 de abril, que aprovou o Sistema Nacional de Certificação Energética e da Qualidade do Ar Interior nos Edifícios, do Decreto-Lei n.º 79/2006, de 4 de abril, que aprovou o Regulamento dos Sistemas Energéticos de Climatização em Edifícios, e do Decreto-Lei n.º 80/2006, de 4 de abril, que aprovou o Regulamento das Caraterísticas de Comportamento Térmico dos Edifícios. 

     Para que se possa entender da utilidade deste sistema como tutela ambiental, cumpre referir que, desde logo, está fixado no artigo 1º  do decreto, que o seu objeto visa assegurar e promover a melhoria do desempenho energético dos edifícios através do Sistema Certificação Energética dos Edifícios (doravante, SCE), que integra o Regulamento de Desempenho Energético dos Edifícios de Habitação (doravante, REH), e o Regulamento de Desempenho Energético dos Edifícios de Comércio e Serviços (doravante, RECS). 
Ora, neste sentido, a promoção de uma melhoria de desempenho energético dos edifícios leva a que exista uma maior eficiência energética e utilização de energia renovável nos edifícios. Esta é uma preocupação pós-Quioto, uma vez que cada vez mais se aposta na redução da dependência energética da União, na promoção da segurança do aprovisionamento energético, na promoção dos avanços tecnológicos e na criação de oportunidades de emprego e desenvolvimento regional, especialmente nas zonas rurais.
Depois, ainda que estejamos perante a transposição de uma norma europeia, essa mesma situação gerou uma possibilidade para melhoramento da sistematização e âmbito de aplicação do sistema em causa, bem como de alinhar quais os requisitos nacionais às imposições decorrentes da diretiva nº 2010/31/UE.

     É de salientar que, mais do que uma tutela atual, este sistema tem por base a ideia de precaução, no sentido de existir a possibilidade de prever situações futuras (sendo que esta conceção apenas é admissível para o professor Vasco Pereira da Silva tendo por base o sentido mais amplo da palavra em inglês - prevention tem um sentido mais restrito do que precaution). 
De facto, consta do Sistema de Certificação Energética de Edifícios a definição de um mapa evolutivo de requisitos até 2020 que permite criar condições de previsibilidade  que facilitam a a antecipação e adaptação do mercado, ao mesmo tempo que promove a renovação do parque imobiliário por via da promoção de edifícios cada vez mais eficientes. 
Contudo, esta visão da eficiência mobiliária chama-nos à questão desenvolvida por José Rubens Morato Leite, Délton Winter de Carvalho e Matheus Almeida Caetano, quando se refere que os processos de certificação, internacionais ou nacionais, são ainda pouco eficientes. Esta sua posição está ligada à ideia de que estes servem para auferir credibilidade ao produto comercializado, neste caso um edifício, facilitando assim a compra pelos clientes e consumidores, para além de estarem relacionados às barreiras do comércio internacional.
Deste modo, para que seja aceitável, qualquer sistema de certificação deve reger-se sobre três pilares de sustentabilidade: o tripple bottom line.
Assim, um produto deve ser ambientalmente adequado, socialmente justo e economicamente viável para ser considerado sustentável a longo prazo, conforme sustenta Marcos Jank e Márcio Nappo. 
Contudo, é de salientar que essa mesma preocupação está prevista no Sistema de Certificação Energética de Edifícios, no seu artigo 24º e 25º, uma vez que se promove a melhoria do comportamento térmico, a prevenção de patologias, o conforto ambiente e a redução das necessidades energéticas, bem como os edifícios devem ser avaliados e sujeitos a requisitos, tendo em vista promover a eficiência dos sistemas, incidindo, para esse efeito, na qualidade dos seus sistemas técnicos, bem como nas necessidades nominais anuais de energia para preparação de água quente sanitária e de energia primária.

     O artigo 34º do decreto acaba também por enfatizar esta mesma ideia, consagrando-a como princípio geral. Também neste regime para salvaguarda da sua eficácia, existe um controlo feito por peritos que, ainda assim, não abrange todos os tipos de edifícios (artigo 4º do decreto referido).

     No fundo, após uma breve análise, este sistema de certificação visa atingir o seu objetivo com edifícios de necessidades quase nulas de energia, ou seja, edifícios com elevado desempenho energético, cuja sua satisfação de necessidades de energia resulte em grande parte de energias renováveis (artigo 16º/2 do Decreto-Lei 118/2013). 
Desta maneira, existindo edifícios que satisfazem as suas necessidades com um recurso quase nulo a energias não renováveis, as emissões poluentes serão cada vez menores, o que leva a uma diminuição do índice de poluição e, por sua vez, a uma melhor qualidade de vida para toda a população. Como se disse, temos assim um edifício e dois tetos garantidos: o de nossa casa e o do mundo.

Bibliografia:
José Rubens Morato Leite, Os biocombustíveis no Brasil, AAFDL 2006
Miguel Raimundo, Eficiência energética, sector imobiliário e ambiente, AAFDL 2006
Tiago Antunes, O Comércio de Emissões Poluentes à luz da Constituição da República Portuguesa, Lisboa AAFDL 2006
Vasco Pereira da Silva, Verde Cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente, Almedina 2002

30 de maio de 2014

Dano ambiental vs dano ecológico

Em primeiro lugar, importa explorar o conceito de dano. Assim sendo, trata-se de uma lesão perante uma situação favorável, tutelada pelo Direito. É em função do dano que vão ser aferidas as medidas a tomar para a sua reparação.
 Note-se que, no âmbito do Direito do Ambiente, tendo por base o princípio da prevenção, a ocorrência de dano pode ser evitada. Nestes casos, estamos num momento anterior à ocorrência do dano, ao qual pode estar associada a criação de um risco ou perigo de dano para o ambiente.
 Diversamente, quando estejamos perante a verificação de um dano, será legitimo responsabilizar o seu causador, como forma de concretizar o disposto no art.66º CRP e na al. f) do art.3 da lei de bases do ambiente. Porém, é importante referir que nem todas as lesões aos elementos naturais consubstanciam um dano para efeitos de responsabilidade ambiental. Assim sendo, quando exista uma diminuta lesão do bem em causa, não é imperativo que haja reparação do mesmo. É aqui que a distinção entre dano ambiental e dano ecológico pode relevar.
 A doutrina não é unânime quanto a esta questão, havendo quem entenda que o dano ecológico resulta de uma concepção ampla de dano ambiental, outros defendem que são realidades separadas, embora divirjam quanto à sua inclusão no regime de responsabilidade por danos, etc.
Para GOMES CANOTILHO, o conceito de dano ecológico, na senda do que o Preâmbulo do D.L.: 147/2008 refere, é bastante recente, não sendo ainda claras todas as suas valências. Ainda assim, o Prof. considera dano ecológico qualquer alteração das qualidades físicas, químicas ou biológicas dos constituintes ambientais, causadas pelo Homem. Tais alterações têm de se traduzir em danos causados ao bem público ambiente, de carácter não patrimonial, pelo que tais danos são ressarcíveis. Ainda assim, entende que, pelo facto de nestes danos não existir qualquer relação entre lesado e lesante, não há lugar a responsabilidade ambiental. Por seu turno, os danos ambientais pressupõem uma lesão de bens jurídicos em concreto, pertencentes ao meio ambiente (ex: solo, água, ar), tal como refere o art.11º/1 e) do D.L.: 147/2008. Apenas neste tipo de danos existe responsabilidade individual.
Em oposição a este entendimento, temos CARLA AMADO GOMES que transfere as características do dano ambiental atribuídas por GOMES CANOTILHO para o conceito de dano ecológico. A Profª. tende a inverter a lógica antropocêntrica, na qual a concepção acima referida se baseou.
Já VASCO PEREIRA DA SILVA considera que o alargamento do âmbito do dano ambiental é susceptível de provocar uma, quase, ausência de danos ecológicos de per se. De facto, pode acontecer que existam danos ambientais e danos ecológicos causados através de uma só conduta. Esta circunstância deve-se ao facto de alguns componentes ambientais – tais como o solo, subsolo, etc – serem susceptíveis de apropriação.
Por último, JOSÉ CUNHAL SENDIM, adoptando o carácter restrito do conceito de dano ecológico face ao dano ambiental, entende que este se traduz na lesão do bem jurídico autónomo (ambiente), lesão essa que se reputa como indirecta, tendo em conta o carácter funcional do bem em causa. Quanto ao dano ecológico, este responde a qualquer perturbação dos recursos ambientais (referidos na al. e) do art. 11º/1 do D.L acima citado), capaz de afectar a capacidade ecológica e de aproveitamento humano desses mesmos recursos. Nestes termos, são consequências possíveis de danos ecológicos: a diminuição da camada do ozono, as chuvas ácidas, a extinção de espécies e subespécies, os derrames de petróleo provocados por embarcações, entre outros. Em jeito de conclusão, pode dizer-se que indissociável a esta distinção é o facto de, no Direito do Ambiente, existirem direitos subjectivos das pessoas – i.e, entidades públicas e privadas – relativamente ao meio ambiente e também uma tutela de bens ambientais.


Bibliografia:

- José de Sousa Cunhal Sendim – “Responsabilidade civil por danos ecológicos”.Da reparação do dano através de restauração natural, 1998;

- J. J. Gomes Canotilho – “Introdução ao Direito do Ambiente, (coordenação de J.J Gomes Canotilho”

- Vasco Pereira da Silva – “Verde Cor de Direito”, Almedina, 2002.

29 de maio de 2014

O instituto do rótulo ecológico na vertente comunitária


O instituto do rótulo ecológico na vertente comunitária

O instituto que aqui analisamos pretende destacar o carácter ambientalmente positivo dos produtos em que incide. Neste processo concede-se, através de uma supervisão das autoridades europeias e nacionais, a salvaguarda de que as entidades envolvidas no processo garantem objetivamente que se cumprem as circunstâncias exigidas para a outorga desta distinção oficial, relacionando-se desta forma, com outros procedimentos que apresentam uma afinidade mais estreita com as que certificam a qualidade de certos produtos.
“Há muito tempo que temos vindo a observar que numa economia de mercado, supõem-se que o Estado não deve intervir para zelar pela qualidade dos produtos que integram o seu mercado, salvo quando estejam em causa razões de higiene ou de segurança, desta forma, seriam sim os próprios consumidores que sob a ameaça de deixarem de adquirir, estes mesmo produtos fariam esta triagem dentro do próprio mercado, assim os fabricantes e produtores seriam substituídos por outros que oferecessem produtos de maior qualidade.
Apesar de tudo isto, na prática nem tudo é tão linear. A publicidade, as técnicas de apresentação dos produtos, a possibilidade de distrair a atenção do comprador mediante vantagens incorporadas, entre outras, fazem com que o grande setor dos consumidores se encontre relativamente indefeso, contando apenas com o escasso apoio de meios técnicos, que se fossem mais adequados faria com que se conseguisse proteger verdadeiramente os consumidores.
É certo que todos os bens, são obrigados a conter as suas especificações e a indicar o seu conteúdo no rótulo, mas apesar de tudo isto, tal não é suficiente, não só pela facilidade de evasão por parte de quem assume tais obrigações, mas também devido ao campo da fraude, que se torna cada vez mais amplo, ao contrário do que se possa pensar.
Com isto, torna-se necessário que existam possibilidades de sanção neste campo, que só se torna possível através da intervenção pública, que vira tutelar certos valores que a sociedade considera prevalecentes, dando lugar à criação de regulamentação técnica. Foi neste contexto que seria criado o rótulo ecológico”. [1]
“O rótulo ecológico consiste numa modalidade de prestação de informação e de orientação aos consumidores, de forma a promover produtos suscetíveis de contribuir para a redução de impactos ambientais negativos, por comparação com outros produtos do mesmo grupo, contribuindo deste modo para a utilização eficiente dos recursos e para um elevado nível de proteção do ambiente. (Art 1º/1 do reg. 1900/2000 de 17/7/2000).
Desta forma "a eco-etiqueta" faz parte dos denominados "instrumentos de mercado" para a proteção ambiental, distinto da intervenção administrativa (ambiental) direta, e é de incluir entre os "instrumentos de política ambiental baseados no produto", que são as técnicas que se centram na utilização de bens de consumo como forma de preservação do meio-ambiente, potenciando o uso e a produção dos chamados "produtos verdes", através de mecanismos do mercado.” [2]
O rótulo ecológico foi criado pelo regulamento do conselho nº 880/92/CE de 23 de Março de 1992 e atualmente encontra-se regulado pela posição comum nº 6/2000/CE, de 11 de Novembro de 1999 e pelo regulamento PE e do Conselho nº 1980/2000 de 17 de Julho de 2000, o sistema encoraja os fabricantes a conceber produtos ecológicos e oferece aos consumidores os meios para escolherem produtos ecológicos com conhecimento de causa.
O sistema de atribuição da “eco-etiqueta” europeia permite aos consumidores, a Administração pública e aos particulares, identificarem facilmente os produtos ecológicos oficialmente aprovados em toda a União Europeia, Noruega, Liechtenstein e Islândia. Este sistema concede a possibilidade aos fabricantes e produtores de mostrarem e comunicarem aos seus clientes que os produtos que fabricam respeitam o ambiente.
No início do século XXI, entrou em vigor um novo regulamento que alargou aos serviços o âmbito de aplicação do sistema.
Analisando os critérios ambientais que estão subjacentes à atribuição do rótulo ecológico europeu, estes são desenvolvidos por forma a cobrir bens de consumo corrente e serviços. Estes critérios são o resultado de estudos científicos e de consultas alargadas no comitê do rótulo ecológico da união europeia (CREUE). O referido comitê é composto pelos organismos competentes dos Estados-Membros, representantes de ONG ambientais, associações industriais e de consumidores, sindicatos e representantes de PME e do comércio, tendo como principal objetivo encontrar os parâmetros ideais para a atribuição destes rótulos de forma adequada e eficiente.
Os estudos realizados pela CREUE, prendem-se essencialmente como a avaliação do impacte ambiental dos produtos relativamente a cada fase do seu ciclo de vida. A abordagem "do berço ao túmulo", ou seja, a análise do ciclo de vida, identifica os efeitos dos produtos no ambiente em cada fase do seu ciclo de vida, começando na extração das matérias-primas, passando pelo processo de transformação, pela distribuição, utilização e terminando na eliminação final. Desta forma, são tidos em conta aspetos como, a qualidade do ar e da água, proteção dos solos, redução dos resíduos, poupança de energia, gestão dos recursos naturais, prevenção do aquecimento global, entre outros...
Desta forma a CREUE, estabelece critérios, mediante a utilização destas análises, que irão minimizar os principais impactes do produto no ambiente.
Os critérios que saiam deste comitê, após serem propostos pelo CREUE, devem ser levados e aprovados, por maioria qualificada dos Estados-Membros e pela comissão Europeia, antes de poderem efetivamente ser utilizados para efeitos de atribuição da “eco-etiqueta”. Estes critérios são válidos por um período de dois a cinco anos, sendo que, decorrido este período, os critérios são revistos e podem ser reforçados, em função do mercado e dos desenvolvimentos científicos e tecnológicos, de forma a garantirem a melhoria do desempenho ambiental dos produtos que ostentam o rótulo ecológico.
Com a aprovação destes critérios por parte das entidades mencionadas e com a referida adoção dos mesmos, pelas entidades interessadas, os fabricantes retalhistas ou importadores podem candidatar-se ao rótulo ecológico. Está decisão cabe a cada um dos interessados, não sendo obrigatória a referida candidatura, contudo, se decidirem candidatar-se beneficiarão de uma vantagem competitiva e poderão utilizá-la para comunicarem aos seus clientes que os seus produtos são os melhores para o meio ambiente.
A candidatura ao rótulo ecológico processa-se em duas fases:
- Numa primeira fase o fabricante, o importador ou retalhista, contata o organismo competente nacional num dos países abrangidos pelo sistema. O interessado preenche um formulário de candidatura, paga uma taxa e fornece todos os elementos e ensaios necessários à comprovação de que o seu produto cumpre os critérios ecológicos e de desempenho.
- De seguida, numa segunda fase, os organismos competentes avaliam, a candidatura e, se os critérios ecológicos e de desempenho se encontrarem cumpridos, garantindo assim a conformidade dos produtos em questão, informam a comissão europeia da atribuição. Nesta fase deve a Comissão Europeia publicar a atribuição no sítio web do rótulo ecológico.[3]
Após aprovação e atribuição do rótulo ecológico, a empresa paga uma taxa anual pela utilização do mesmo, cujo valor é fixado em 0,15% do volume anual de vendas do produto. Está fixado um limite máximo de 25000€ por grupo de produtos e por candidato. São autorizadas várias reduções da taxa, incluindo uma redução obrigatória de 25%, caso a empresa seja uma PME ou esteja estabelecida num pais em desenvolvimento.
Até ao momento, a “eco-etiqueta” foi atribuída a mais de 300 produtos em toda a Europa, tendo tendência para se expandir a outros tantos, desta forma consegue-se verificar o sucesso que este instituto teve em toda a europa.

 
Francisco Castro Pires

4ºAno, Subturma 2, Aluno nrº 20754



[1] Ramón Martin Mateo, “Manual de Derecho Ambiental”,2003, Editorial Aranzadi, pag. 120 e ss
[2] Vasco Pereira da Silva, “Verde Cor de Direito”,2002, Almedina
[3] http://europa.eu.int/ecolabel

26 de maio de 2014

A "Licença Ambiental"...um bicho de natureza incerta

Cabe aqui analisar sem hesitações uma das matérias que ainda coloca um “ponto de interrogação” na doutrina e na jurisprudência nacional: a Natureza jurídica da licença ambiental. Na ausência de meticulosidade legislativa na caracterização da licença ambiental, compete fazer a seguinte pergunta: O que é isto, de licença Ambiental? É um acto administrativo ou um mero parecer ou informação? Vejamos o que podemos dizer nos capítulos seguintes.
Primeiramente cabe dizer, que o licenciamento industrial gera uma multiplicidade de relações jurídico - administrativas, não se cingindo ao particular e à Administração, alargando-se também a todos os terceiros afectados (veja-se o caso de vizinhos que são lesados nos seus direitos com a instalação de uma fábrica têxtil junto de suas residências). A licença é assim um acto com eficácia múltipla , surgindo no âmbito de um Estado Pós-Social.
O DL nº.127/2013, de 30 de Agosto, no seu art.3º. define a licença como “decisão que visa garantir a preservação e o controlo integrados da poluição (…) estabelecendo as medidas destinadas a evitar, ou se tal não for possível, a reduzir as emissões para o ar, água e solo, a produção de resíduos e a poluição sonora, constituindo condição necessária da exploração dessas instalações”. De acordo com esta definição, parece, que se está a chegar a uma definição de parecer vinculativo, visto que o particular requerente da licença (chamado de operador), teria,apenas, que conformar a seu comportamento com os ditames deste procedimento que tem o objectivo último de prevenção e/ou minimização do risco gerado por actividades profissionais potencialmente nefastas para o meio ambiente. Tenha-se em atenção que esta atitude preventiva não é uma atitude nova, pois já vinha prevista no art.127/1 h) 1ª parte Lei de Bases do Ambiente (Lei nº.11/87, de 7 de Abril).
No entanto, não faz sentido tal entendimento, sob pena de perda de utilidade de conteúdo da licença ambiental. Este acto tem todos os componentes necessários para a sua caracterização como acto administrativo, nos termos do art.120º. do Código do Procedimento Administrativo. Nas palavras do Senhor Professor Figueiredo Dias, tal licença consubstancia-se numa “decisão ou uma estatuição autoritária, na medida em que a Administração está a ditar unilateralmente o direito no uso dos seus poderes de supremacia relativamente ao destinatário directo da decisão administrativa”[1]. Por conseguinte, essa decisão, praticada por um sujeito administrativo, incide sobre uma situação individual e concreta e produz, evidentemente, efeitos jurídicos, quer positivos (na perspectiva que a licença concedida dá ao operador possibilidade de exploração da instalação, nos termos do art.11º. DL 127/2013), quer negativos (dado que o operador está sujeito a determinadas obrigações, segundo o art.7º. DL 127/2013). Assim, a não emissão da licença que foi solicitada não produz os efeitos jurídicos requeridos pelo particular operador, lesando os seus direitos e interesses legítimos, pelo que este merece a tutela constitucional presente no art.268º./4 CRP.
Concluindo, finalmente, pela consideração da licença como um acto administrativo, temos dois problemas a resolver:
1)      Saber se estamos perante um acto administrativo autorizativo constitutivo de direitos ou apenas perante um acto permissivo no exercício de direitos já existentes mas “congelados” na esfera do particular
Uma licença que tenha o conteúdo de autorização constitutiva, permite ao particular exercer uma actividade ou direito que em princípio era proibido pelo direito. Se dermos à licença ambiental um conteúdo de permissão, estamos a querer dizer que o particular já tem o direito na sua esfera jurídica mas não pode exercê-lo em virtude de impedimentos vários colocados pela Administração pública.
O Senhor Professor Freitas do Amaral conclui assim que a licença seria um acto administrativo autorizativo de conteúdo permissivo, pois permite a adopção de um comportamento ou outra qualquer actuação privada que era vedada, sendo que esse “direito de actuar” seria pré-existente ou primário e não um direito que fora atribuído depois da emissão da respectiva licença. Para sustentar esta teoria o Senhor Professor diz que existe permissão e não criação do direito pois existe um regime de caducidade no diploma que rege a licença ambiental, havendo, assim, a queda de um prazo durante o qual o acto poderia vigorar (art.22º. DL nº.127/2013).
Com todo o devido o devido respeito, não podemos sufragar a opinião do Senhor Professor Freitas do Amaral, dado que, a nosso ver, não existe um direito na esfera do particular à “espera de confirmação”. Estamos sim perante um acto administrativo “criador de direitos, mas também de deveres e encargos para o seu titular, integrando-se numa relação jurídica duradoura, no qual existem direitos e deveres recíprocos da Administração e dos particulares”[2]. Com o nascimento desse direito no particular, a competente emissão da licença limitará as actividades económicas exercidas pelo particular (neste caso centremo-nos no licenciamento industrial), por forma a coordenar esse exercício com o interesse difuso (meio ambiente), que goza de protecção constitucional no art.66º CRP. Por outras palavras “há liberdade de actuação (…) para a prossecução de actividades privadas dentro de certos limites, mais ou menos apertados, em atenção à conciliação de interesses públicos e privados”[3].

2)      Saber se estamos perante um acto prévio ou acto final
As decisões ou actos prévios podem definir-se como actos que contém uma deliberação final sobre questões isoladas das quais depende a atribuição da autorização legal. Ora a partir desta definição, e da aceitação das opiniões dos Senhores Professores Vasco Pereira da Silva e José Figueiredo Dias, rapidamente concluímos que a licença ambiental terá que ter obrigatoriamente esse conteúdo prévio, visto que o particular não poderá exercer imediatamente o direito em causa, tendo por base, somente, o acto permissivo ou criador de direitos da licença. Aliás, através da licença só estão preenchidos os requisitos para a instalação. Exemplificando: O pedido de licença ambiental é indeferido, se houver declaração de impacto Ambiental desfavorável (art.40º./6 a) DL nº.127/2013). Ora se a licença está dependente de DIA favorável, verificamos que só o primeiro acto não chega para o procedimento administrativo de instalação e exploração finalizar (estamos aqui perante o que também se chama de acto administrativo parcial). Neste sentido esta falta de "definitividade" faz com que com que a doutrina reconduza este tipo de acto na definição de acto precário. Um acto precário será assim um acto que segundo Filipa Urbano Calvão "estabelece a regulação de uma situação individual e concreta, com efeitos jurídicos externos, salvaguardando, porém, o poder de definir com conteúdo diferente aquela situação, sempre que o interesse público o reclame". É num fundo um bicho limitado a um acto final...um bicho sem existência autónoma!
Sem mais nada a dizer sobre esta criatura de natureza incerta, espero que o meu texto sirva para o Dr. José Coimbra ter 16 razões para gostar do tema abordado.


Para além das referências bibliográficas indicadas em nota de rodapé, ainda foram consultadas:

  • Alexandra Aragão, A PCIP: Alguns Aspectos Jurídico-Administrativos, in revista do CEDOUA, 8, ano IV, 2001
  • Raquel Carvalho, O Novo Regime da Licença Ambiental, in O Direito, ano 141, III, 2009
  • Carla Amado Gomes, O Procedimento de Licenciamento Ambiental Revisitado, in Estudos de Direito Do Ambiente e de Direito do Urbanismo, e-book, Lisboa, ICJP, 2010
  • Filipa Urbano Calvão, Os Actos Precários e os Actos Provisórios no Direito Administrativo: sua natureza e admissibilidade. As garantias do particular. Universidade Católica Portuguesa, 1998






[1] José Eduardo Figueiredo Dias, A licença Ambiental no Novo Regime da PCIP, in revista da CEDOUA, 7, ano IV, 2001, pág.6
[2] Vasco Pereira da Silva, Verde Cor do Direito, Lições de Direito do Ambiente, Almedina, 2002, pág.207
[3] Carla Amado Gomes, A Prevenção à Prova no Direito do Ambiente”, Coimbra editora,200,p.71

Vende-se poluição!! Regime do Comércio de Licenças de emissão de gases com efeito de estufa (CELE)

            Todos conhecemos, ou pelo menos já ouvimos falar, do efeito de estufa. Numa breve definição, o efeito de estufa é o processo que ocorre quando uma parte da radiação infravermelha, emitida pela superfície terrestre, é absorvida por determinados gases presentes na atmosfera, tendo como consequência a retenção do calor, que deixa de ser libertado para o espaço.
       A Revolução Industrial, iniciada por volta de 1760 em Inglaterra, foi a grande alavanca para as alterações muito significativas na nossa biosfera. Desde esse período até ao final do milénio passado, a concentração de gases na atmosfera que contribuem para o efeito de estufa quase duplicou, o que provocou o aumento da temperatura média da terra. A possibilidade de consequências catastróficas no nosso planeta deixou de ser uma quimera há medida que os prognósticos para o futuro se revelavam pouco animadores, por isso em 1992 foi criada uma Convenção-Quadro que promovia as Convenções das Partes (COP), onde os países se reuniam e debatiam o futuro e as alterações atmosféricas. A Convenção das Partes realizada em Quioto, Japão, em 1997, é sem dúvida a mais importante, pois criou o Protocolo de Quioto (que viria a entrar em vigor em 2006). O principal objectivo do Protocolo de Quioto consiste na redução das emissões de gases de efeito de estufa, prevendo sanções, para quem ocorra em incumprimento. Pretendia-se que até ao período entre 2008 e 2012, os países desenvolvidos reduzissem as suas emissões de gases com efeito de estufa (doravante, GEE) em pelo menos 5% relativamente aos níveis de 1990. Esta era já uma meta bastante ambiciosa, mas ainda assim, alguns países, como os que compõem a União Europeia, comprometeram-se a reduzir as suas emissões de GEE até 8%.
Em 2002, os Estados-Membros que compõem a União Europeia, ratificaram o protocolo, sendo necessário o estabelecimento de medidas para o cumprimento, que foram tomadas mesmo antes da ratificação, o que demonstra o compromisso da União Europeia e dos seus Estados-Membros na promoção do ambiente e a sua conscientização dos problemas e consequências ambientais que podem advir da emissão de gases poluentes. Algumas destas medidas derivam do Livro Verde sobre o Comércio de Emissões Poluentes, elaborado pela Comissão Europeia e apresentado logo no ano 2000.
A Directiva 2003/87/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Outubro de 2003, posteriormente transposta para o ordenamento jurídico nacional através do Decreto-Lei n.º 233/2004, de 14 de Dezembro, vinculou todos os Estados-Membros a participarem, a partir de 1 de Janeiro de 2005, num mercado europeu de emissões poluentes. Este mercado dividiu-se em três fases:
1ª Entre 2005 e 2007 - fase preparatória, de “aprendizagem prática”. Licenças atribuídas a título gratuito;
2ª Entre 2008 a 2012 - coincide com o período de avaliação do cumprimento das metas estabelecidas em Quioto. Os limites máximos estabelecidos pela Comissão Europeia para as emissões nacionais dos sectores incluídos no comércio de licenças situa-se num nível médio inferior em cerca de 6,5 % comparado com as emissões de 2005, de forma a garantir que cada um dos Estados-Membros cumpra com os compromissos de Quioto que lhes correspondem;
3ª A partir de 2013 as regras mudaram (remeto para a discussão infra).
O Comércio Europeu de Licenças de Emissão de Gases com Efeito de Estufa (doravante, designado CELE) tem por objectivo ajudar os Estados-Membros a cumprir com os compromissos de limitação ou redução das emissões de gases com efeito de estufa de uma forma sustentável, configurando a pedra angular da estratégia de luta contra as Alterações Climáticas por parte da União Europeia.
 Trata-se do primeiro regime internacional de comércio de licenças de emissão de CO2 em todo o mundo, aplicando-se, desde 2008, não apenas aos 27 Estados-Membros, como também aos restantes três membros do Espaço Económico Europeu (Noruega, Islândia e Liechtenstein) e engloba quase 50% das emissões de CO2 na União Europeia, num total de mais de 12 mil instalações.
O funcionamento do CELE assenta na fixação de um limite máximo que não deve superar as emissões globais mas, dentro desse limite, permite aos participantes neste comércio comprar e vender licenças de emissão segundo as suas necessidades. Estas licenças de emissão são a “moeda de troca” que sustenta todo o regime, permitindo ao seu titular emitir uma tonelada de CO2.
Em relação a cada período do comércio de emissões, cada Estado-Membro elabora Planos Nacionais de Atribuição de Licenças de Emissão (PNALE), aprovados pela Comissão Europeia, onde se fixam os níveis totais de emissões no comércio de licenças de emissão e o número de licenças de emissão atribuído a cada instalação dentro do seu território (atribuição gratuita de licenças nas duas primeiras fases).
No final de cada ano, as instalações têm a obrigação comunicar as emissões e de entregar uma quantidade de licenças equivalente a estas. As empresas cujas emissões se situam abaixo da quantidade atribuída, podem vender as licenças que lhes sobram. As empresas com dificuldades para manter as suas emissões dentro das licenças que lhe foram atribuídas, podem optar por tomar medidas para reduzir as suas próprias emissões, comprar no mercado de licenças a quantidade em falta ou optar por uma combinação de ambas as opções.
A terceira fase, iniciada em 2013, comporta um regime mais alargado do CELE. Concluindo a transposição da Directiva nº 2009/29/CE, de 23 de Abril de 2009, o Decreto-Lei nº 38/2013 vem estabelecer novas regras. As principais alterações ao regime consistem no alargamento do âmbito com a introdução de novos gases (óxido nitroso e perfluorocarbonetos) e sectores (produtores de alumínio e amoníaco, armazenamento geológico de carbono); na substituição dos vários limites máximos de licenças de emissão, correspondentes a cada Estado Membro, por um único limite máximo à escala da EU; e na atribuição de licenças de emissão efectuada por leilão (mantendo-se, em determinados casos a atribuição gratuita, baseada em benchmarks).
                Após esta curtíssima análise da evolução do regime do CELE e tomada a consciência da sua importância ao nível da política ambiental da união Europeia em termos de alterações climatéricas, cumpre discutir a admissibilidade do próprio mercado, pois o que se comercializa é uma autorização, um título jurídico que permite poluir.
            Primeiramente cumpre saber que a Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 66.º consagra o direito e dever de preservação do Ambiente, todavia a mesma Constituição consagra a liberdade de iniciativa económica privada (artigo 61.º/1 CRP), um dos valores subjacentes à criação de um mercado de emissões poluentes.
            Estarão estas duas normas constitucionais em conflito? À primeira vista poderíamos ser tentados por uma resposta afirmativa, na medida em que o mercado de emissões poluentes tem uma intensa natureza económica subjacente, permitindo esta norma que os agentes económicos desempenhem a sua actividade com autonomia e tendo em conta os seus próprios interesses. Atento à norma constitucional, o Professor Tiago Antunes tem o entendimento de que “o conteúdo da liberdade de iniciativa económica privada, fora do respectivo núcleo constitucional mínimo, é definido por lei”. Daqui podemos concluir que o mercado de licenças de emissão de gases com efeito de estufa integra o âmbito da liberdade de iniciativa económica privada, sendo portanto um mercado constitucionalmente admissível. Assim, reconhece-se ao legislador uma margem de discricionariedade para definir as regras a que deverá obedecer o mercado da poluição, atendendo claro a outros valores constitucionalmente protegidos.
No reverso da moeda, o CELE é um mecanismo que impõe metas à poluição e, por isso também tem fundamento na protecção e salvaguarda do meio ambiente. Não consistindo o Direito ao ambiente num direito absoluto, deve compatibilizar-se com outras consagrações constitucionais, desde que estas não sejam excessivas ou desrazoavelmente lesivas do meio-ambiente.
            Tendo tudo isto em consideração, penso que não estamos perante um conflito de normas constitucionais. A poluição atmosférica existe e vai continuar a existir, quer haja ou não mercado de comercialização de licenças, por isso, dos dois males, que se escolha o menor deles – o mercado de licenças de emissão de GEE, que permite fixar um limite e impor medidas de monotorização, averiguação e comunicação da emissão de gases poluentes por parte de cada instalação detentora de licença. O ambiente não é descurado, pois apesar de se estar a vender e a comprar poluição, o procedimento envolve-se de preocupações ambientais, a fim de contribuir para atingir os níveis considerados cientificamente necessários para evitar as alterações climatéricas.
A licença não configura a atribuição de um “cheque em branco” ao operador, tendo em conta que vem acompanhada de diversas obrigações de monotorização, comunicação, e verificação de informações relativas a emissões (artigos 22.º e ss do DL n.º 38/2013, de 15 de Março).
            Concluindo, com este mercado de licenças de emissão de GEE é possível a obtenção de lucros através de implementação de boas práticas ambientais, havendo uma responsabilidade partilhada entre os agentes económicos. It’s a win-win situation!


Bibliografia:
·         Tiago Antunes, O Comércio de Emissões Poluentes à luz da Constituição da República Portuguesa, Lisboa AAFDL 2006
·         Vasco Pereira da Silva, Verde Cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente, Almedina 2002
http://www.sendeco2.com